Trechos Clarice Lispector
– O que é que se consegue quando se fica feliz?, sua voz era uma seta clara e fina.
A professora olhou para Joana. – Repita a pergunta...?
Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.
– Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi.
– Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? – repetiu a
menina com obstinação.
A mulher encarava-a surpresa.
– Que ideia! Acho que não sei o que você quer dizer, que ideia! Faça a mesma
pergunta com outras palavras...
– Ser feliz é para se conseguir o quê?
Porque no impossível é que está a realidade.
Quem, como eu, estava chamando o medo de amor? e querer, de amor? e precisar, de amor?
Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim. Quer dizer: não sei o que fazer com meu espírito. O corpo informa muito.
Mas se eu não prestava, eu fora tudo o que aquele homem tivera naquele momento. Pelo menos uma vez ele teria que amar, e sem ser a ninguém – através de alguém.
Todos os hábitos são suspeitos.
Ando de um lado para outro, dentro de mim.
Ela estava triste. Não era uma tristeza difícil. Era mais como uma tristeza de saudade. Ela estava só. Com a eternidade à sua frente e atrás dela.
Quem é capaz de sofrer intensamente também pode ser capaz de intensa alegria.
De nascer até morrer é o que eu me chamo de humana, e nunca propriamente morrerei. Mas esta não é a eternidade, é a danação. Como é luxuoso este silêncio. É acumulado de séculos. É um silêncio de barata que olha.
Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Oh, pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha. Por enquanto preciso segurar esta tua mão – mesmo que não consiga inventar teu rosto e teus olhos e tua boca.
Mas ela já o amava tanto que não sabia mais como se livrar dele, estava em desespero de amor.
"Eu te odeio", disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. "Eu te odeio", disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia.
À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta.
Encontrar-se consigo própria era um bem que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão contente na vida, pensou. Não devia nada a ninguém e ninguém lhe devia nada. Até deu-se ao luxo de ter tédio – um tédio até muito distinto.
Farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo, por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa, quase como uma responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz… Também é bom porque em geral se pode ajudar muito mais as pessoas quando não se está cega de amor.
Nota: Trecho de carta para Elisa Lispector, escrita em 19 outubro de 1948.
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