Trechos Clarice Lispector
Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço. Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada.
Haverá um ano em que haverá um mês, em
que haverá uma semana em que haverá um
dia em que haverá uma hora em que haverá
um minuto em que haverá um segundo
e dentro do segundo haverá o não tempo
sagrado da morte transfigurada.
Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando.
Fico tão assustada quando percebo que durante horas perdi minha formação humana. Não sei se terei uma outra para substituir a perdida.
Lembrei-me de ti, quando beijara teu rosto de homem, devagar, devagar beijara, e quando chegara o momento de beijar teus olhos – lembrei-me de que então eu havia sentido o sal na minha boca, e que o sal de lágrimas nos teus olhos era o meu amor por ti. Mas, o que mais me havia ligado em susto de amor, fora, no fundo do fundo do sal, tua substância insossa e inocente e infantil: ao meu beijo tua vida mais profundamente insípida me era dada, e beijar teu rosto era insosso e ocupado trabalho paciente de amor, era mulher tecendo um homem, assim como me havias tecido, neutro artesanato de vida.
É preciso não ter medo de criar.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração.
Resignou-se pois. A resignação era doce e fresca. Nascera para ela.
Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta.
É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro.
E "eu te amo" era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé.
Ah, e a falta de sede. Calor com sede seria suportável. Mas ah, a falta de sede.
Não havia senão faltas e ausências. E nem ao menos a vontade. Só farpas sem pontas salientes por onde serem pinçadas e extirpadas.
Inclusive mais amor inclui uma alerteza maior para achar bonito o que nem mesmo bonito é.
E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa.
A crueza do mundo era tranquila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos.
É sempre assim que acontece – quando a gente se revela, os outros começam a nos desconhecer.
Disso tudo, restam nervos muito sensíveis e uma predisposição séria para ficar calada. Mas aceito tanto agora. Nem sempre pacificamente, mas a atitude é de aceitar.
Desejo que você não esmoreça, porque é tão bom estar de “bom jeito”. Acho que eu devia abandonar minha “tragédia” em um ato...
O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas.
(...) um desses frios que se tem quando se vê sem ilusões a realidade.