Trechos Clarice Lispector
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.
É preciso antes saber, depois esquecer. Só então se começa a respirar livremente.
O pequeno êxtase da palavra fluir junto do pensamento e do sentimento: nessa hora como é bom ser uma pessoa! (...) Eu me encontro nos outros. Tudo o que dá certo é normal. O estranho é a luta que se é obrigado a travar para obter o que simplesmente seria o normal.
De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim.
Sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo.
A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe.
Às duas horas da madrugada, enfim, nasceu ela, a ideia.
Minha história é de uma escuridão tranquila, de raiz adormecida na sua força, de odor que não tem perfume.
Refugio-me nas rosas, nas palavras. Pobre consolação. Estou inflacionada. Não valho nada.
Uns dias, cheia de tédio, enervada e triste. Outros, lânguida como uma gata, embriagando-se com os menores acontecimentos. Uma folha caindo, um grito de criança, e pensava: mais um momento e não suportarei tanta felicidade.
(A bela e a fera – trecho da crônica Gertrudes pede um conselho)
E depois ando meio bonita, sem o menor pudor: vem do bem-estar.
(A descoberta do mundo – trecho da crônica Facilidade repentina)
O que é preciso é não ir demais contra a onda. A gente faz como quando toma banho de mar: procura subir e descer com a onda. Isso é uma forma de lutar: esperar, ter paciência, perdoar, amar os outros. E cada dia aperfeiçoar o dia. Tudo isso está parecendo idiota... Mas até que não é.
Chorou livremente, como se esta fosse a solução.
Ninguém sabia que ela estava sendo infeliz a ponto de precisar buscar a vida. (...) Ela só sabia viver.
Nada a retinha, nem o medo. Mas mesmo que agora se aproximasse a morte, mesmo a vileza, a esperança ou de novo a dor. Parara simplesmente. Estavam cortadas as veias que a ligavam às coisas vividas, reunidas num só bloco longínquo, exigindo uma continuação lógica, mas velhas, mortas. Só ela própria sobrevivera, ainda respirando. E à sua frente um novo campo, ainda sem cor a madrugada emergindo. Atravessar suas brumas para enxergá-lo. Não poderia recuar, não sabia por que recuar.
E o que não posso e não quero exprimir fica sendo o mais secreto dos meus segredos.
Uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar.
Ela era muito satisfatona: tinha tudo o que seu pouco anseio lhe dava. E havia nela um desafio que se resumia em “ninguém manda em mim”.
O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo.
Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas – mas eu também?! Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim.