Trechos Clarice Lispector
Cada um tem o anjo que merece.
Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência.
Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chama talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.
O pequeno êxtase da palavra fluir junto do pensamento e do sentimento: nessa hora como é bom ser uma pessoa! (...) Eu me encontro nos outros. Tudo o que dá certo é normal. O estranho é a luta que se é obrigado a travar para obter o que simplesmente seria o normal.
Quem sabe, até, eu era só aprendiz de anjo.
Não ter forças para lutar era o meu único perdão.
Às duas horas da madrugada, enfim, nasceu ela, a ideia.
Ninguém sabia que ela estava sendo infeliz a ponto de precisar buscar a vida. (...) Ela só sabia viver.
O que é preciso é não ir demais contra a onda. A gente faz como quando toma banho de mar: procura subir e descer com a onda. Isso é uma forma de lutar: esperar, ter paciência, perdoar, amar os outros. E cada dia aperfeiçoar o dia. Tudo isso está parecendo idiota... Mas até que não é.
Chorou livremente, como se esta fosse a solução.
De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim.
A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe.
Sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo.
Minha história é de uma escuridão tranquila, de raiz adormecida na sua força, de odor que não tem perfume.
E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Ela era muito satisfatona: tinha tudo o que seu pouco anseio lhe dava. E havia nela um desafio que se resumia em “ninguém manda em mim”.
Refugio-me nas rosas, nas palavras. Pobre consolação. Estou inflacionada. Não valho nada.
E o que não posso e não quero exprimir fica sendo o mais secreto dos meus segredos.
O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo.
Uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar.