Trechos Clarice Lispector
Eu queria escrever um livro. Mas onde estão as palavras? esgotaram-se os significados.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.
É preciso antes saber, depois esquecer. Só então se começa a respirar livremente.
Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em ralação a outras coisas importantes. Continuo aliás atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.
Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência.
Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chama talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.
Minhas ideias são inventadas. Eu não me responsabilizo por elas.
Nossa amizade era tão insolúvel como a soma de dois números: inútil querer desenvolver para mais de um momento a certeza de que dois são cinco.
Preciso ser livre - não aguento a escravidão do amor grande, o amor não me prende tanto.
Quem sabe, até, eu era só aprendiz de anjo.
O grande vazio em mim será o meu lugar de existir; minha pobreza extrema será uma grande vontade. Tenho que me violentar até não ter nada, e precisar de tudo; quando eu precisar, então eu terei, porque sei que é de justiça dar mais a quem pede mais, minha exigência é o meu tamanho, meu vazio é a minha medida.
A fé – é saber que se pode ir e comer o milagre. A fome, esta é que é em si mesma a fé – e ter necessidade é a minha garantia de que sempre me será dado. A necessidade é o meu guia.
Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Cada um tem o anjo que merece.
O maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma.
O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio.