Trechos Clarice Lispector
Ela preferia mil vezes que estivesse chovendo porque seria muito mais fácil dormir sem medo do escuro.
Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz.
Não tenho nenhuma saudade de mim – o que já fui não mais me interessa!
Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso o que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertencesse. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.
(Para não esquecer)
O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas.
(Água viva)
Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo.
Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia me consolar e me cumular.
Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo.
Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? Assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise.
Quando se realiza o viver, pergunta-se: mas era só isto? E a resposta é: não é só isto, é exatamente isto.
E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:
– Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?
Hoje é dia de muita estrela no céu, pelo menos assim promete esta tarde triste que uma palavra humana salvaria.
A satisfação que o nosso trabalho nos proporciona é sinal de que soubemos escolhê-lo.
Eu venho de uma longa saudade. Eu, a quem elogiam e adoram. Mas ninguém quer nada comigo. Meu fôlego de sete gatos amedronta os que poderiam vir. Com exceção de uns poucos, todos têm medo de mim como se eu mordesse.
Quem não sabe o que é jamais chegará a saber. Há coisas que não se aprendem.
O tempo corre, o tempo é curto: preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver como se esta minha vida fosse eterna.
A verdade é que ser anjo estava começando a me pesar.
(...) onde a maldade era fria e intensa como um banho de gelo. Como se visse alguém beber água e descobrisse que tinha sede, sede profunda e velha. Talvez fosse apenas falta de vida: estava vivendo menos do que podia e imaginava que sua sede pedisse inundações. Talvez apenas alguns goles...