Trechos Clarice Lispector
Amar nunca impediu que por dentro eu chorasse lágrimas de sangue. Nem impediu separações mortais. [...] O mundo falhou para mim, eu falhei para o mundo. Portanto não quero mais amar. O que me resta? Viver automaticamente até que a morte natural chegue. Mas sei que não posso viver automaticamente: preciso de amparo e é do amparo do amor.
Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar. Ou não se confessar nem a si próprio. Ou não ser o que realmente se é, e nunca se é. Angústia pode ser o desamparo de estar vivo. Pode ser também não ter coragem de ter angústia – e a fuga é outra angústia. Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.
Esse mesmo rapaz perguntou-me: você não acha que há um vazio sinistro em tudo? Há sim. Enquanto se espera que o coração entenda.
Ao tentar corrigir um erro, eu cometia outro. Sou uma culpada inocente.
A nossa vida é truculenta: nasce-se com sangue e com sangue corta-se a união que é o cordão
umbilical. E quantos morrem com sangue. É preciso acreditar no sangue como parte de nossa vida.
A truculência. É amor também.
Eu me permito mais liberdade e mais experiências.
E aceito o acaso.
Anseio pelo que ainda não experimentei.
Maior espaço psíquico.
Estou felizmente mais doida.
A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.
A prova de que estou recuperando a saúde mental, é que estou cada minuto mais permissiva: eu me permito mais liberdade e mais experiências. E aceito o acaso. Anseio pelo que ainda não experimentei. Maior espaço psíquico. Estou felizmente mais doida.
No entanto como seria bom construir alguma coisa pura, liberta do falso amor sublimizado, liberta do medo de não amar...Medo de não amar, pior que o medo de não ser amado...
Meu anjo da guarda acaba de me dizer que eu tenho que fazer tudo por mim mesma – e foi embora.
O segredo destas flores fechadas é que exatamente no primeiro dia da primavera elas se abrem e se dão ao mundo.
Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás.
E uma desilusão. Mas desilusão de quê? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.
O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e, no entanto, não me sinto com o poder de livremente inventar: sigo uma oculta linha fatal. Sou obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa.
Como se eu procurasse não aproveitar a vida imediata, mas sim a mais profunda, o que me dá dois modos de ser: em vida, observo muito, sou ativa nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido. Escrevendo, tenho observações por assim dizer passivas, tão interiores que se escrevem ao mesmo tempo em que são sentidas, quase sem o que se chama de processo. É por isso que no escrever eu não escolho, não posso me multiplicar em mil, me sinto fatal a despeito de mim.
É que "quem sou eu?" provoca necessidade. É como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
No amor felizmente a riqueza está na doação mútua. O que não significa que não haja luta: é preciso se doar o direito de receber amor. Mas lutar é bom.
Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?
Nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo.
De repente as coisas não precisam mais fazer sentido.