Trechos Clarice Lispector
O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então – para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa – eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto.
Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco sem saída.
Não tem pessoas que cosem para fora? Eu coso para dentro.
... e descobri que não tenho um dia a dia. É uma vida a vida. E que a vida é sobrenatural.
E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma. Viver é mágico e inteiramente inexplicável.
Eu sou sozinha no mundo e não acredito em ninguém; todos mentem, às vezes até na hora do amor, eu não acho que um ser fale com o outro, a verdade só me vem quando estou sozinha.
Porque na pobreza de corpo e espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além. Para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.
A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.
Há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda.
Agora está sendo neste próprio instante.
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!
Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?
Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria.
O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.
Penso que agora terei que pedir licença para morrer um pouco. Com licença – sim? Não demoro. Obrigada.
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
E eis que de repente eles param e mudos, graves, espantados se olham nos olhos: é que eles sabiam que um dia iriam amar.
A raiva é a minha revolta mais profunda de ser gente? Ser gente me cansa. (...)
Há dias que vivo da raiva de viver.
Aliás – descubro eu agora – eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria.
Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência?
Nada jamais fora tão acordado como seu corpo sem transpiração e seus olhos-diamantes, e de vibração parada.
E o Deus? Não. Nem mesmo a angústia. O peito vazio, sem contração. Não havia grito.
Quando penso no que já vivi me parece que fui deixando meus corpos pelos caminhos.
Observo em mim mesma as mudanças de estação: eu claramente mudo com elas.