Textos de Nelson Rodrigues

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⁠No silêncio das lojas, entre pedras que guardam memórias antigas, ecoa a voz sussurrante da fraternidade, como um murmúrio de água entre os rochedos. Homens, artífices da alma, esculpem gestos de simetria e equilíbrio na pedra bruta que os alberga.

No ritual, desvendam-se símbolos entrelaçados, onde o esquadro mede a retidão da alma e o compasso traça os limites do saber. Sob a abóbada do céu estrelado, revelam-se mistérios como constelações esquecidas.

Reúnem-se à volta do templo, onde a luz ténue das velas ilumina o caminho, e nas sombras das colunas que guardam os segredos, ergue-se a sabedoria, forte e bela da tradição e entoada com a voz grave da experiência. É um cântico que atravessa gerações, ressoando no coração daqueles que, na busca constante pela luz, encontram a libertação.

⁠Silêncio

Há sabedoria no silêncio das pedras, No murmúrio quieto do rio que passa. Não falam as árvores, e ainda assim conhecem os segredos da terra e do vento.

O silêncio do campo é cheio de respostas, Que as palavras não conseguem dizer. A brisa suave que toca a face, Diz mais do que qualquer voz humana.

Vejo a verdade na luz da manhã, No balançar das folhas ao sol. Tudo fala sem palavras, Tudo responde sem perguntar.

Há um entendimento profundo No simples ato de não falar. O silêncio é a resposta mais pura, Que a natureza nos oferece sem cessar.

Quando me calo, ouço o mundo, E nele encontro a paz que as palavras perdem. No silêncio há uma sabedoria tão profunda, Que transforma o vazio em plenitude.

Aquieto-me na sombra das árvores, E deixo que o silêncio me ensine. Pois há mais verdade na quietude, Do que na língua bífida da humanidade.

⁠Neste Natal, desejo-vos o simples,
O pão e o vinho sobre a mesa,
As mãos dadas sem pressa,
E a alegria serena de uma noite estrelada.

Que o pinheiro seja o símbolo vivo
Do calor que une as famílias,
Como o pão partilhado,
Como o vinho que aquece a alma.

Aos vossos e a vós,
A paz do que basta
E a luz do que é.

Feliz Natal!

⁠O Natal é o que nos fica das coisas simples:
o cheiro do pão quente na mesa,
o abraço que se dá sem motivo,
a luz serena de uma vela acesa,
que aquece mais do que qualquer ouro.

Não é preciso muito para encher o coração.
O brilho verdadeiro não está nas vitrines,
mas no olhar de quem partilha,
no sorriso que chega sem pressa,
na alegria de estar juntos,
mesmo quando o mundo lá fora parece agitado.

Este é o tempo de voltar ao essencial:
a palavra dita com carinho,
o gesto que ampara,
a gratidão por tudo o que já temos.
Porque o Natal não se mede em excessos,
mas na abundância do que é sincero.

Que os nossos dias sejam como esta época:
simples, luminosos, plenos.
E que a fartura maior esteja onde sempre esteve:
no calor humano que nos faz verdadeiramente ricos.

⁠O silêncio pode ser uma forma de presença tão plena quanto as palavras. Não ter algo a dizer não implica vazio ou ausência; pelo contrário, pode ser um sinal de serenidade, de quem encontra na quietude o espaço para estar.

Vivemos numa era onde o ruído constante é quase obrigatório — opiniões, comentários, respostas imediatas. Mas o silêncio, por vezes, é a maior das respostas. Ele não é sinónimo de tristeza ou desconforto; pode ser a companhia de quem se sente confortável consigo mesmo, que não precisa preencher cada momento com palavras para existir.

Há também uma força no silêncio. Ele carrega o que as palavras não conseguem alcançar: a profundidade dos pensamentos, o peso das emoções, a verdade das pausas. Estar em silêncio é estar inteiro, permitir que o mundo se desenrole sem a necessidade de intervenção constante, e aceitar que nem tudo precisa ser dito, porque nem tudo pode ser traduzido.

Assim, o silêncio não é ausência, mas presença num outro tom.

⁠A passividade é vista, por muitos, como fraqueza — uma árvore que se curva ao vento, sem resistência, sem carácter. Dizem que quem tolera é porque teme, que quem se cala tem medo do confronto, que quem se afasta é um submisso, um "banana". Mas o silêncio não é fraqueza, nem a calma é covardia. Há uma força que se revela na quietude, uma sabedoria que prefere a distância, uma paz que não se oferece à tempestade.

Mas aqueles que julgam com olhos curtos não sabem que, por trás de cada gesto contido, há um limite invisível, um ponto de ruptura que não se anuncia, que ninguém vê até que se quebre o silêncio. Eles pedem para que mostremos as garras, para que nos revelemos como lutadores. E quando, por fim, o tom de voz se altera, o rosto se endurece e o coração se solta, os mesmos que pediam a batalha recuam, como quem teme o fogo depois de o ter provocado. Querem a calma, mas não entendem a violência do espelho que, por fim, reflete a sua própria face.

E eu? Eu sou passivo, mas não estúpido. Calmo, mas não resignado. Aceito o fardo da paciência, porque sei que não sou um boneco de marionete. E quando me chatear, quando o peso se tornar insuportável, os que me pediram para mostrar os dentes não gostarão do que verão. A passividade tem o seu valor — e eu sei, melhor do que qualquer um, até onde posso ir sem perder o que sou.

⁠A passividade, muitas vezes confundida com fraqueza, carrega em si uma outra forma de força, que escapa aos críticos. Aqueles que a julgam, acreditando que se trata de medo ou covardia, não percebem o poder de quem escolhe o silêncio. Quem exige que se mostre as garras, que se revele a fúria, não entende a quietude de quem não sente necessidade de expor as suas intenções. O que parece fragilidade pode, na verdade, ser uma forma de resistência que não se traduz em palavras ou gestos, mas numa serenidade que recusa o confronto sem razão.

E, contudo, existe sempre um ponto onde a quietude deixa de ser sustentável. Quem escolhe o silêncio sabe que, eventualmente, o tom mudará. E quando a paciência chega ao seu limite, quem tanto desejava a luta, ao tocá-la, recua, desconfortável com aquilo que antes queria ver. A passividade não é uma fraqueza, mas uma maneira de não se submeter ao ruído do mundo, de não se deixar arrastar pelas expectativas dos outros.

Sou passivo, mas não sem entendimento. Calmo, mas não submisso. Respeito o meu próprio ritmo, porque sei que a verdadeira força está em saber não ceder às pressões alheias, em manter a calma mesmo quando tudo à volta pede uma reação. Quem me conhece entende que o silêncio não é vazio, mas uma forma de escolher o momento certo para se mostrar.

⁠O Olhar do Mundo

Não, não é fácil ser lido.
O mundo vê-me passar
e já decidiu quem sou
antes que eu tenha dado um passo.

Se fico, sou pedra imóvel.
Se ando, sou vento sem raiz.
Se espero, sou indeciso.
Se escolho, sou rígido.

As sombras que se movem nos muros
não são minhas,
mas o mundo insiste em vê-las em mim.
Os gestos que lanço no tempo
mudam de forma ao tocar outros olhos.

E assim me perco nos reflexos,
na dobra das interpretações,
na lente de quem vê o que já esperava ver.

Mas talvez valha a pena seguir,
deixar que o dia corra o seu curso,
que a poeira assente,
que o próprio mundo reveja o que viu
e, quem sabe, um dia entenda.

⁠O Que Se Lê no Mundo

Não, não é fácil compreender.
O que se vê nem sempre é o que é,
o que se sente nem sempre é o que se quis dar.

A luz que atravessa as folhas
é sombra ou claridade?
O rio que corre apressado
foge ou segue o seu rumo?

Tudo depende do olhar que pesa,
da memória que julga,
do medo que contamina.

O mundo não se explica,
move-se, respira, transborda
— e cada um o lê à sua maneira.

Mas talvez valha a pena ficar,
esperar que o tempo dissipe os enganos,
que a verdade encontre fenda na rocha
e que, no silêncio certo,
o mundo se mostre sem precisar de tradução.

⁠Digo palavras como quem lança
pedras num lago:
espero apenas que as ondas
toquem outra margem.

Mas nem sempre chegam.
Ficam presas na sombra
de quem as ouve.

Queria que tudo fosse claro,
como um rio ao meio-dia,
mas há sempre a névoa
dos dias difíceis.

No fim, talvez reste apenas
um eco perdido,
uma sílaba breve
na boca do vento.

⁠Ruído e Sintonia

Às vezes, o mais difícil
é ser compreendido.
O que digo, o que faço,
o que deixo por dizer,
perde-se num labirinto
de ecos distorcidos.

Não é por nada que se diz
que o caminho para o inferno
está pavimentado de boas intenções.
Mas e quem lê as intenções?
Quem decifra o código
das entrelinhas invisíveis?

Cada olhar é um prisma,
cada ouvido, um filtro.
O que para um é gesto de afeto,
para outro, afronta.
O riso de uns
é a ferida aberta de outros.

Comunicar é atravessar o abismo
entre o que se sente
e o que se entende.
Palavras são apenas vento
se não encontram solo fértil,
se não fazem vibrar a mesma corda.

Porque no fim,
toda mensagem precisa de um lar,
de um receptor que a acolha
e a transforme em sentido.
Se não, é só ruído,
perdendo-se no vazio

⁠Digo uma coisa, e entendem outra.
A vida é um jogo de espelhos
onde cada um vê apenas a sua própria sombra.

Falo com intenção limpa,
mas o outro ouve com o peso do seu mundo.
E assim, entre a verdade e o engano,
o que era claro torna-se nevoeiro.

Talvez nada seja realmente dito.
Talvez apenas fingimos comunicar
enquanto cada um se perde na solidão
das suas próprias ideias.

⁠O Eco do Silêncio

Lanço palavras como quem atira pedras
num lago sem margens,
esperando que o silêncio as devolva
sem distorção.

Mas o mundo é um espelho partido,
onde cada olhar lê o que já esperava ver,
onde cada voz se perde
num labirinto de ecos esquecidos.

Não sou feito de aço,
nem de pedra erguida contra o vento.
Sou a sombra de um pensamento que passa,
o reflexo de um instante que já se foi.

Se digo, não ouvem.
Se calo, suspeitam.
Mas sei que a raiz cresce no escuro
e a verdade não precisa de nome.

No fim, talvez reste apenas um vestígio,
um traço de luz na poeira do tempo.
E quem escutar, quem souber ler as entrelinhas,
saberá que sempre estive aqui.

⁠Entre a Grécia e Tróia

Sou quem sou,
mas o mundo exige máscaras,
um rosto moldado ao gosto dos outros,
um reflexo que não se quebra.

Se cedo, perco-me.
Se resisto, sou pedra que incomoda.
Agradar é um jogo sem vencedor,
onde quem pede mudança
nunca se sacia.

Que mal tem não ser lutador?
Nem todo combate vale a espada,
nem toda guerra precisa de sangue.
Há força em quem não levanta a voz,
em quem escolhe o chão firme do silêncio.

Estou entre a Grécia e Tróia,
terra de ninguém,
onde cada passo desagrada a um lado,
e o silêncio é visto como afronta ao outro.

Mas que me importa?
O vento sopra onde quer,
e eu sigo, inteiro,
sem me dobrar ao peso de aplausos fáceis
ou censuras vãs.

⁠A Palavra e o Silêncio

Falo—e a palavra corta o ar
como lâmina sem rosto,
como flecha sem alvo.
Quem a escuta? Quem a sente?
Quem lhe dá forma dentro do peito?

Dizê-las é rasgar o silêncio,
como quem fere a pele da água
e espera que o mundo responda.
Mas o mundo nem sempre escuta.
Ou escuta mal,
como um espelho partido
onde o rosto já não se reconhece.

Escrevo—e a tinta sangra no papel,
mas o que digo não é o que fica,
o que fica não é o que sou.
Entre mim e o outro há um abismo,
uma distância que a voz não vence,
um eco que se perde na sombra.

Às vezes são lâminas,
abrem sulcos na carne do tempo,
fazem sangrar quem as ouve.
Outras vezes, são leves demais,
tocam, mas não ficam,
morrem antes de nascer.

Quisera eu que a palavra fosse ponte,
mas tantas vezes é muro,
ferro, pedra, ruína.
Tantas vezes, o que fere não é o grito,
mas o silêncio depois dele,
o vazio onde o sentido se afoga.

E no entanto, insisto.
Porque dizer é resistir à solidão,
é lutar contra o escuro do não-entendimento,
é desafiar a noite com um nome,
mesmo que ninguém o repita.

⁠A História, a Cultura e o Destino

Há quem diga que a História não importa,
Que o que passou passou,
Que a fome é agora,
Que os dias correm sem tempo para pensar.

Mas o rio não nasce no mar,
O vento não sopra sem ter por onde veio,
E eu não sou só este momento,
Sou também o que fui antes de mim.

A terra que piso tem pegadas,
As palavras que digo têm ecos,
E se o mundo é estreito
É porque alguém antes de mim aceitou que fosse.

A História não me dá pão,
Mas mostra-me quem colheu antes de mim.
A Cultura não me veste,
Mas ensina-me a olhar para além do muro.
A Filosofia não me salva da morte,
Mas diz-me que estar vivo não é só respirar.

Quem diz que não tem tempo para pensar,
Não vê que há quem pense por ele.
Quem não quer saber do que veio antes,
Caminha por um trilho traçado sem saber por quem.

Mas há um instante –
Sempre há um instante –
Em que o homem para e se pergunta:
E se o caminho pudesse ser outro?

E então descobre que a História, a Cultura e o pensamento
Não são pesos nem sombras gastas,
Mas chaves.

E quem segura uma chave,
Mesmo sem saber,
Já começou a abrir a porta.

"Meu amor, eu estou tão solitária. Recorro aos anjos para que me enviem seu amor eterno. Sou como a virgem diante de ti, mas a carência me corrói por dentro. Porque me olhas tanto? Não vê que o fogo da paixão percorre os meus olhos com rapidez. Passos lentos, eu estou sentindo o perfume das flores. Sentindo a tua falta por demais até.
Penso que percorro as mãos em tua nuca, os meus lábios o mais doces que tu beijaste. Eu estou delirando agora, nunca estive tão feliz.
Ilusão minha, passagem idiota.
Quando mais tarde me levar ao quarto, a cama terá lençóis frios, brancos e limpos. No outro dia me abandonará dormindo mais tarde. Esquecerei o teu nome, a vida é assim.

Inserida por MaduSouza

Ninguém passava a achar moralíssimo matar o pai e casar-se com a mãe após assistir Sófocles na Grécia Antiga, nem tampouco adulterava após aplaudir o teatro de Nelson Rodrigues, ao contrário. Ver toda a miséria humana no palco sempre causou ojeriza ao público perante sua hediondez revelada.

Pode parecer simplista encontrar Deus lendo um livro, deitado na cama, numa terça-feira à noite, mas a complexidade do que senti é inexplicável. Nelson dizia que Deus só visita igrejas vazias. Faço a analogia com nós: quando enxergamos o vazio da nossa igreja, há uma possibilidade grande de Deus estar ali. Só sinta.

Inserida por guilhermeangra

Às vezes, buscamos sem encontrar, outras encontramos sem alcançar, e mesmo alcançando, por vezes não conseguimos materializar. Mas não me afeta, nem compromete quem sou, nem o que busco e não serei menos que o melhor de mim. Importa é persistir, pois é na busca constante que se revela o verdadeiro valor da jornada e o poder transformador que nela habita.