Textos Narrativos em 3a Pessoa
Deságua
Sou rio, mas não mando em mim.
Nasço tímido entre pedras,
um fio d’água sem dono.
Aprendo cedo a correr,
a buscar o mar sem perguntar.
As pedras me ensinam desvios.
As margens me lembram limites.
Aceito ser água que passa,
que abraça, que perde e que segue.
Se um dia seco, o barro me guarda.
Se transbordo, o mundo me teme.
Mas a vida não me espera—
ela deságua mesmo quando eu já não estou.
O que os pés dizem
Os pés falam quando a boca se cala.
Depois do êxtase, descansam sem culpa,
despreocupados como gato ao sol,
um sobre o outro, cruzados,
ou largados ao acaso—
o prazer não pede alinhamento.
Há quem estique os dedos,
como quem espreguiça o pensamento.
Outros os deixam pender de lado,
desarmados, esquecidos do chão.
A posição dos pés é confissão sem palavras:
se recolhidos, um restinho de pudor,
se soltos, um abandono feliz,
se entrelaçados, um desejo de demora.
No fim, não são os olhos que dizem tudo.
São os pés, descalços,
rendidos ao próprio silêncio.
Homem desavesso
Gasto os olhos nas miudezas.
Desimporto razões.
Coleciono restos de tarde,
palavras que caem do telhado.
Envelheço no passo do sol,
desbotando feito roupa no varal.
Quando a luz se gasta no chão,
fico pronto ao poema.
No escuro, me encontro,
feito bicho que só escuta o silêncio.
É no avesso do mundo
que entro em estado de poesia.
O poema que saiu andando.
Filho,
te inventei sem saber verbo.
Foste broto em meu osso.
Um punhado de manhãs dentro da minha carne.
Tu me viste antes de eu saber que existia.
Sabes dos meus escondidos,
dos meus becos sem luz,
dos passarinhos mortos dentro do meu silêncio.
Teu choro me abriu fendas.
Teu riso me pintou paredes.
Meu corpo virou pássaro sem asas pra te esperar.
Minha alma virou ninho sem entender voo.
Agora andas vestido de chão próprio.
Teu nome não me cabe mais nos dentes.
És árvore que me espiou por dentro,
raiz que virou rio.
Maior que eu. Melhor que eu.
A minha coisa mais bonita.
O poema que saiu andando,
descalço de mim.
O Silêncio dos Vagalumes
Foram-se os vagalumes,
não por medo da noite,
mas porque sua luz já não cabia
em mãos que desaprenderam o assombro.
Foram-se como preces mudas,
sem rastro, sem vestígio,
levando consigo a infância dos olhos
e a última centelha do espanto.
A cidade caminha sobre sombras,
e os passos ressoam na ausência do que era vivo.
Onde antes um lampejo fugaz
rasgava a pele do escuro,
agora há um breu domesticado,
submisso ao clarão sem alma
das lâmpadas que nunca dormem.
Mas quem sabe, em outra noite,
quando os homens cessarem o peso
sobre as coisas miúdas,
eles voltem.
E, sobre as ruas, redesenhem em claridade
o que o silêncio agora esconde:
o simples milagre
de brilhar sem porquê.
Mundo Azul
Ele caminha devagar na calçada,
como quem mede o peso do dia.
Apressados tropeçam nele,
mas ele nunca tropeça
na pressa do mundo.
Disseram que era estranho,
porque via o mundo por ângulos tortos.
Que culpa tem um espírito sensível,
se a sociedade se crê reta demais
para enxergar a beleza do desvio?
No intervalo entre duas palavras,
ele enxerga um poema inteiro.
No espaço entre um toque e outro,
ele sente tudo o que existe.
A falta de respostas assusta os outros,
mas o silêncio dele não é vácuo: é morada.
Ali dentro, onde poucos chegam,
há um universo à espera de tradução.
Aprendimento
Os mais antigos diziam:
— menino que se rala vira sabedor.
E eu virei sabedor de queda.
Sabedor de chão.
Sabedor do peso das palavras
que não se ouviram.
Porque antes do som da queda
vem um barulho de silêncio —
é quando a vida avisa
com cochicho.
Mas eu,
desobediente das alturas,
só aprendo na unção da poeira.
No sermão das formigas.
No degrau que fere meu joelho.
Alguns precisam beijar o chão
pra entender que não se pisa em tudo.
Aprender é descalçar o orgulho
e fazer verso com a cicatriz.
No meu aprendimento,
comi esse doce de fel.
Era azedo como boldo,
mas, no fundo,
tinha gosto de aurora.
Barriga da Terra
A semente morreu no escuro
sem dor, sem missa, sem lamento.
Cresceu na barriga da terra,
mãe de todas as coisas.
Já foi galho, flor, fruto maduro,
mas o vento a desfez em promessas.
Caiu no chão com saudade de raiz
e reencarnou em semente.
Veio à tona vestida de caule,
com folhas como dedos verdes.
Tinha um verbo brotando nos olhos
e pássaros que riam no peito.
Nunca mais teve pressa.
Era árvore e sabia
que quem cresce no ventre do chão
leva eternidade nos galhos.
Francisco
Você tinha um quê de passarinho.
Não voou, mas havia um céu inteiro
dentro de si.
O céu cabia nos teus bolsos —
um céu de algodão-doce,
de nuvens que sabiam cochichar.
De vez em quando, abria a boca
e soltava um bando de andorinhas:
palavras de um certo Galileu,
um Latino Galileu.
Enquanto o mundo lhe exigia asas,
não precisou sair do chão.
Quem carrega um céu dentro do peito
não precisa provar nada ao vento.
Tempo de menos (Quaresma)
É tempo de menos.
Menos palavras,
menos pressa,
menos querer o mundo nos bolsos.
As árvores estão mais nuas,
os ventos, mais francos,
e os silêncios,
com cheiro de pão amanhecido.
Uma pedra repousa no canto da alma,
e a gente aprende — devagar —
a não pedir tanto,
a ouvir mais.
Talvez seja só isso:
um tempo em que se aprende
que perder também é uma forma
de se encontrar.
Swing é sobre amor.
É sobre amar tanto uma pessoa até entender que ela não é uma propriedade sua.
É amá-la a ponto de colocar os desejos sexuais dela em primeiro lugar.
É ser feliz porque a pessoa amada está feliz, é curtir os momentos junto com ela, é ter prazer no prazer dela.
Swing, ao contrário do que muitos pensam, é amor. Muito amor.
O amor
“Ainda estou aprendendo sobre o amor.
Ouço as pessoas falarem;
- Eu te amo!
Mas tenho dificuldades para dizer.
Será que é um sentimento, será que é uma ação?
A professora diz que é verbo. Mas como verbo se o agir é com o coração?
Acho que o amor nasce dos olhos!
Sei, pois já os vi nos do meu pai, mãe, avós, tios e primos que mais parecem irmãos.
Não precisam me dizem uma palavra. Foram pelos olhos que senti seu coração.”
- Ele diz que me ama -
Às vezes ele fica impaciente quando tento expressar a minha intensidade ou contar como meu dia tem sido chato, é claro que eu tento relevar, ele tem tantas coisas à fazer e a minha rotina não é tão interessante.
Ele diz que me ama.
Diz que sou a melhor coisa que já aconteceu em sua vida e que tem medo de me perder.
Nunca me questionei o que acontecia, mas fazer parte dela me deixava completamente cego.
Ele diz que me ama.
Ele ama quando ofereço colo e afago seus cabelos, disse que sou a única pessoa que consegue entendê-lo.
Ele diz que me ama.
Quando dobro meu sorriso e acendo o brilho em meus olhos.
A verdade é que ele não me ama, dói admitir, mas ele não ama os meus defeitos.
Ele jurou amor e foi embora sem me conhecer.
Meu sorriso não tem mais curvas e meus olhos não brilham mais.
Ele diz que me ama, mas nunca foi capaz.
A pessoa certa no momento errado, isso existe?
A maioria das pessoas talvez diria sim, mas eu discordo.Ou existe a pessoa certa ou a pessoa errada.
Mas qual o seu pretexto sobre isso então?
É o seguinte, tenho plena convicção que qualquer um de nós em momentos que chamamos "propício" ( a tal da hora certa ), apostariamos em alguém - mesmo se essa alguém fosse a pessoa que supostamente chamemos de "errada". Partindo desse pressuposto, pergunto-me: Se alguém aposta na "pessoa errada" na "hora certa", o impede de se apostar na suposta pessoa certa, mesmo sabendo que o momento não é "propício" (a tal da hora errada)?
Dessa forma concluo: Não existe essa de pessoa certa na hora errada, se é a hora errada então não é a pessoa certa, e a pessoa certa é aquela errada que foi conquistada na hora certa.
Digo, ou é a pessoa certa ou não é, ou é 8 ou 80.
"Errava tanto e errava feio.
Queria tanto fazer o certo, queria tanto não errar, não, dessa vez não, mas errava em querer acertar.
Errava em querer ser certa, errava em querer não errar, errava com as pessoas e consigo mesma.
Afinal, quem é esse ser tão certo que falava que ela estava errada?
Talvez o erro dela pode ser o acerto de outro alguém. Talvez o acerto dela possa ser o erro desse alguém.
Quem pode dizer que os erros não virem a ser acertos?
Quem pode dizer que esses mesmos erros não sejam acertos para não errar mais no futuro?
Se errar é humano, seus erros viraram desumanos.
De tanto errar, ela perdeu a pose, e simplesmente ficou com medo de errar mais.
Perdeu a pose, a vontade de acertar, perdeu a referência do que era certo e errado.
E no meio dessa confusão mental de querer ser certa, mas sempre errando, ela acertou.
Acertou em decidir não mais querer acertar com pessoas erradas, acertou em querer ser a pessoa certa para ela mesma, a pessoa errada.
Aceitou simplesmente ser a pessoa errada na pessoa certa, que busca outra que erre e acerte como ela, afinal, se é errando que se aprende, ela ainda está em plena evolução."
Não é a mesma pessoa
“Esse carnaval eu vou pra curtir”, disse eu sem saber o que estava por vir. Cinco dias de festa, mas no último encontrei você. E que encontro foi esse! Demos o beijo que eu imaginei por anos, senti o cheiro que não sentia à muito tempo, tudo parecia certo e predestinado. A música não importava mais, as pessoas em volta eram só elas mesmas, meus amigos estavam ali mas eu só via você, eu finalmente consegui sentir seus lábios de novo, te abraçar forte e sentir a realização de algo que já estava dormente.
Mas não era a mesma pessoa.
Dias se passaram e a gente só foi se aproximando, milhares e milhares de mensagens trocadas, conhecendo novamente a menina que eu já conhecia por inteiro no passado, mas agora uma mulher. E que mulher essa, cheia de vontades e manias, defeitos e imperfeições, qualidades e pontos fortes, nem uma adulta, mas, nem de longe, aquela criança de 12 anos atrás. E eu me encantava por cada característica sua que eu não conhecia, nutrindo dentro de mim aquela história de amor que eu sempre queria que tivéssemos, que repeti na minha cabeça milhares de cenários diferentes da gente se reconhecendo, e agora estava acontecendo. A pessoa que idealizei e que sempre foi quem eu pensava quando assistia um filme de romance, ou ouvia alguma música que apertasse num lugar específico, a idéia de você ficou por anos comigo sendo nutrida e alimentada por cada história que eu vivia.
Mas não era a mesma pessoa.
Você tem novos costumes, novos jeitos, novos amigos e uma nova filosofia de vida. Você tem novos problemas internos, novos conflitos, novos vícios e novas ideias de virtude. Você tem novos pensamentos intrusivos, novo jeito de cuidar de si mesma, nova forma de ver e entender a vida. E a gente não estava alinhado.
Eu vinha de uma mudança de vida enorme, busquei ficar mais forte e me amar mais, busquei mais saúde física e mental e pela primeira vez depois de muitos anos, eu estava conseguindo! Eu emagreci muito, eu melhorei minha dieta, eu aprendi a buscar felicidade em me amar e me cuidar.
Mas aí entrou você, que não era a mesma pessoa.
Seu jeito de viver a vida como se não houvesse amanhã, seu jeito de me prometer algo que aconteceria, mas não agora, seu jeito de preferir buscar felicidade em algo tão fútil, perigoso e devastador. Só você sabe o que você passou e o que fez você buscar fuga em lugares tão baixos, mas eu não te culpo, ninguém pode te culpar.
Você deixou claro suas escolhas desde o início, eu deveria sim ter pulado fora quando soube delas de imediato, mas isso ia contra a minha fantasia criada de que nosso amor seria perfeito. Eu cegamente acreditei que nosso amor seria maior que qualquer vício, o amor faz isso com a gente mesmo, deixa irracional.
Eu acreditei que você perceberia a chance que tem de ter alguém te apoiando para cada vez que ficar difícil, alguém que estaria lá por você nos momentos ruins, mas você não cogitou tentar de verdade. Eu tentei no começo ser igual a você, buscar a felicidade nos mesmos lugares, mas isso só estava acabando comigo, porque no fundo eu sabia que a felicidade não estava ali, era só um prazer momentâneo que no outro dia virava uma dor muito pior.
Eu ainda me sinto culpado, será que eu te abandonei? Será que eu não tentei o suficiente? Será que eu sou um monstro? Mas depois de dias e dias refletindo eu percebi que você não quis mudar, eu mudei muito por você. Eu não conseguia acreditar que você preferia não ficar comigo só para continuar indo atrás dos mesmos ciclos viciosos, eu estava pronto para ser seu refúgio, sua fuga, sua força, mas você preferiu continuar sem ter a responsabilidade que é traçar essa batalha enorme. E sem ter eu do seu lado.
Para você eu só desejo força e felicidade, para mim eu desejo superação e menos culpa. Eu tentei ter a pessoa que eu amava de volta.
Mas não era a mesma pessoa.
Dorfo.
Hoje eu quero pedir a uma pessoa muito importante em minha vida que ela faça para mim a mesma coisa que eu fizer em outra vida hoje eu quero pedir a uma pessoa muito querida que ela me ajude a ser uma pessoa com luz de harmonia e vida hoje eu quero falar por uma pessoa muito importante que ela continue todos os dias com esse esplendor retumbante hoje eu quero ser feito de gesso da cabeça aos pés e que você permaneça assim em outras vezes para que eu possa cada vez mais continuar essa prosa e que sempre seja não importa aonde esteja a ser feita de gelo para que derreta não importa quando seja essa parte do bolo até só ficar a cereja e que pra sempre seja feito o que foi dado como certo para que sempre cada ser obtenha o sucesso!
E mais vezes quero estar em você se precisar e agora é só isso precisamos encerrar
Ah, sua boba. Eu sei que você está cansada de tudo, perdida nesse turbilhão de sentimentos que te paralisam. Ah, ninguém te entende, eu sei! Não queira tudo agora, queira apenas voar por cima dos seus próprios destroços e ver que, apesar de tudo, ninguém pode calar teus pensamentos, teus diálogos internos, tua recomposição!
O orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito, a vaidade, a consciência (certa ou errada) da evidência do nosso próprio mérito para os outros. Um homem pode ser orgulhoso sem ser vaidoso, pode ser ambas as coisas, vaidoso e orgulhoso, pode ser — pois tal é a natureza humana — vaidoso sem ser orgulhoso. É difícil à primeira vista compreender como podemos ter consciência da evidência do nosso mérito para os outros, sem a consciência do nosso próprio mérito. Se a natureza humana fosse racional, não haveria explicação alguma. Contudo, o homem vive a princípio uma vida exterior, e mais tarde uma interior; a noção de efeito precede, na evolução da mente, a noção de causa interior desse mesmo efeito. O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em acção.
E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa: uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância – irmãos siameses que não estão pegados.