Textos Maes Carlos Drummond

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⁠PRAGAS E MAUS OLHADOS

Rude destino
Este que só me deixou
Desde menino
Ser o que sou
Sem ser o que queria:
Ator de ganha pão,
Cantor,
Escritor,
Poeta maldito,
Sonhador proscrito,
Padre,
Frade,
Na madre
Mãe do meu grito.
Maldito destino,
Espírito atroz,
Sem letra nem hino,
Demoníaco,
Algoz,
Cardíaco!
Maldita praga
Aziaga,
Me rogaram!
Aterrador olhar me deitaram
Logo à nascença,
Ou talvez até quando espreitaram
A barriga de minha mãe,
Quando como uma prensa
Começou a inchar
A crescer,
A medrar...

(Carlos De Castro, in Poesia num País Sem Censura, em 28-07-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

O FLAMENCO DA POVEIRA

⁠Como ela dançava e cantava o flamenco
Nas praças da minha infância,
À compita com Juvenço
Moço tropa de bota alta
Tipo peralta,
Mas homem sem substância.
Rodopiava louca
E batia em sincronia
O tacão
Dos sapatos da ilusão
E cantava com voz rouca,
Já com energia pouca,
Nos tempos de servidão.
Emília, a ti Poveira,
Mulher de raça
Sem trapaça
E dos copos
Só, sem tremoços,
Que a esmola não dava trocos
Para mais que o copito
Absorvido
Engolido
De súpeto
Feito ímpeto
Na garganta ressequida,
Ferida,
Naquela tarde de esfolar o pito.

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 30-07-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠QUANDO O MALABARISTA É TAMBÉM MANIPULADOR

Nasceu na ralé dos seres impuros
Fruto de sexos inseguros
De sífilis que atacavam a esmo
Mesmo
Quando procriavam
No cio que inventavam.
Mostrava cabeladura farta
Escondendo nos entrefolhos
Rimas e rimas de piolhos
À conquista da cidade
Que não era dele na idade
Nem na pureza das raças
Das couraças
Da verdade tripeira
Por inteira.
Tocava, diz com nostalgia,
Em conjunto de esfolar ao bicho
Nas guitarras e batuques do prolixo
Que vozes, de verdade não havia!
Hoje, um dos tantos vadios,
Homem sem caráter e de palavra falsa,
Arranjou uma senhora de brios
E faz relação com ela, como se fosse valsa
Dançada ao som da vaca fria.
É um malabarista
Que se diz artista
De manipulador,
Esterco, o estupor.

(Carlos De Castro, in Praia dos Pescadores, em 31.07.2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠C O N S T R U O

Construo.
Pontes e açudes,
Casas e palheiras,
Amizades rudes,
Pipas de almudes,
Sem vinho de levar
À construção
Das bebedeiras
Por embebedar.
Na singular
Imaginação
De tantas asneiras
E maluqueiras
Ainda por contar
Nestas construções
Sem alicerces de raiz,
Nem tetos,
Só ilusões
Como a vida
Que não chega a netos,
Sem bons arquitetos.
Num desabafo, eu digo:
Gosto mais de construir
O meu dia sereninho
Como um passarito
Bonito,
Constrói também o seu ninho
Com os fios do chão
Que a natureza dá de mão,
A cada pobre irmão.

(Carlos De Castro, in Poesia num País Sem Censura, em 01-08-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠⁠DORME MINH'ALMA

Que felicidade, que maldita sorte!
Conseguir que a minha durma!
Mesmo sem ser já na morte
Nem nas vésperas da soturna!

Dorme, minha alma, dorme
Em teus lençóis, tão tranquila
Enquanto descansa a fome,
Da minha miséria sibila.

Ó, forças da natureza,
Deixai minh'alma dormir
Em silêncio e singeleza,
Na incerteza do que há de vir...

Lá, pelas encostas da vida,
Naquelas montanhas de calma,
Eu peço, eu rogo à gente dormida,
Que deixem dormir a minh'alma!

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 02-08-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠CIGARROS QUE NÃO FUMO

Antes de sair de casa eu disse e redisse:
Até logo, eu volto já
Ao meu lar,
Vou só ali ao quiosque comprar
Cigarros,
Escarros,
De grumo
Que não fumo.

E fui ao quiosque da esquina
Do meu esquinal
E, não me levem a mal:
Foi aí que encontrei
E desejei
Uma mulher pequenina
A vaguear no seu andar sem rumo,
Junto ao quiosque do meu fumo,
Que ficava naquela esquina.

Intestina
Da minha esfumada sina
Que já foi de nicotina,
Mas ao conhecer a pequenina
Deixei tão amarga amarra
O fumo, ao som de uma guitarra.

Farra,
Louca por amar
E nunca,
Nunca
Mais voltei ao meu lar...

(Carlos De Castro, in Poesia num País Sem Censura, em 05-08-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

SENTIR SEM TI

Senti em mim
Até que enfim,
Que o dia
Quando nascia,
Era já noite para mim.

E assim, em sinfonia,
Se o fosse, eu completaria
O ciclo atroz da morte,
Que de outra sorte
Numa centelha de luz
Que mesmo apagada,
Reluz
Na madrugada,
Momento de enganar a morte,
Eu escolheria.

E daria
As voltas à vil tosa,
Engenhosa,
Manhosa,
Fantasiosa,
Folclórica
Esclerótica.

Essa feia patuta
Bruta
Infiel
Cruel
E já em desnorte.

Viva a vida
Morte, à morte!

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 19-08-2022) ⁠

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

TRISTE QUIETUDE

⁠As árvores cansadas da dor
Deixavam cair seus braços tão tristes
E o sol castigava as pedras do chão
Como ferro quente a marcar o gado,
Na tarde já morta de sede.
Só uns cabelos de oiro
Esvoaçavam loucos na brisa infernal...
Eram os teus procurando os meus,
Na triste quietude da tarde defunta.
Fugiram os pássaros e tudo o que é vida
Da vida que tem sangue nas veias.
Dolorosamente, em prantos de cinzas
As árvores tornaram-se pó
E os ramos partiram-se numa chuva
De mil pedaços queimados.
O sol escondeu-se amedrontado;
A tarde e a brisa quente
Feneceram de saudade.
Só ficaram os teus cabelos de oiro
Sempre à procura dos meus,
Revoltos na triste quietude...
Mas tudo tão inútil.

(Carlos de Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 27-08-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠ADORAÇÃO DOENTIA

Como eu te adoro amor sagrado,
Se tu soubesses tanto tanto
Que por vezes eu garanto
O quanto no pranto,
O tenho abafado.

Como náufrago que vai a nado
Com um poema erguido
Na mão cansada, fremido,
Como se carregasse um fado
No fardo às costas sentido.

No destino de dor suprema
Num cântico de heresia
Pão, sopa e vinho, poema
Como eu te amo, minha pena,
Minha louca poesia!

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 27-08-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

QUADRAS DESATADAS

⁠Bom dia, é uma saudação
Aos amigos que escolhemos
Mas é também reflexão
Para os desafios que temos.

Pensei que o ser já o era,
Enganei-me estupidamente,
Ao ver uma terrível fera
Beijar a pomba inocente.

É um exemplo a seguir,
Nesta jornada de perigos,
E assim se fazem os amigos
E outros que estão por vir.

Na praia, uma branca rosa
Marca o nosso sítio de amar,
A nossa flor tão chorosa
Ao ser levada pelo mar.

Não longe vem o Outono,
Adeus Verão que já rodou
Como a roda da tua saia
Na saudade que ficou.

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 28-08-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

I N V E N Ç Ã O

⁠Fui eu que inventei o amor,
Mesmo sem saber se era dor
Aquele ardor que se sente
Logo que se pronuncia
A palavra amor.

Senti-lo, é bem pior
Do que praticá-lo?
Eu sei lá!
Só sei que o amor
É uma coisa
Que quase deixaram
De pronunciar
Com medo do bicho amor.

Afinal, não fui eu
Que inventei o amor
E jamais
O inventarei.

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 01-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠A POESIA QUE ANDA NO AR

Não te quero ver.
Enquanto em ti não houver,
Pombal aberto
De pombas a voar
Nos céus de sal,
Na paz com abraços
Estilhaços
De abraçar
A poesia que anda no ar,
Como estrelas prenhes
De estrelar.
Nos céus do mar
A abarrotar
Por inventar
Nostalgias,
Sem alegrias
De escrever
Para agradar.
É que depois,
Vem a inveja
Negra cereja
E a poesia anda no ar
Aos tombos.
Sem destino,
Porque o poeta é pequenino.

(Carlos De Castro, in Poesia Sem Censura Em Portugal Existe, no Brasil Não, em 03-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠ÉS TU

A pomba.
Da paz
Que não existe,
A não ser no dicionário
Antigo, a cair de podre,
Bafiento e de bichos
Repelentes,
Só lidos por cabrestões
De pitos de funil.

Escusas tu,
Minha pomba
Falsa,
De cor branca,
Comida pelos aventesmas
De mil palavras
De enganar,
Sim, tu:
Escusas de dar voltas
Nos ares a dizer
Que inventaste a paz,
Que ela, a paz, está feita
Em solfejos de mortes
Anunciadas.

E, cuidado,
És sempre tu a primeira
A abater,
Depois de mim,
Claro:
Eu, o agitador,
Conciliador.

(Carlos De Castro, " in Portugal Sem Censura, Brasil, Sim", Em 06-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

DIZ-ME NUM VÓMITO

Diz-me, porque estás triste ?
Amor rebelde, sem meu coração
Do sangue que pedias
Com a tua espada em riste,
Nessa mão,
Tremulando
Velhinha de emoção
Como a minha ficando
Apalpando o que não existe.

Diz-me, porque estás triste ?
Assombramento meu,
Sempre ao cimo da minha cama
De penas,
Tão apenas
Nas noites claras de breu,
Quando eu tinha medo de mim
Ao subir as escadas da cama musical
De bacanais infernal,
Que dizem ser ruim,
Até a do Orfeu.

Maldito seja eu
E quem me desafia
Em euforia,
Nesta noite tão só, tão fria,
Em que vou, sem vir
Mais que tempo de ir
Sem pena
Nem pensar
De voltar.

Diz-me, porque estás triste?...

(Carlos De Castro, " in Portugal Sem Censura, No Brasil, Sim", Em 06-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

SENHORA DAS ÁGUAS

Mulheres grávidas,
Mas ainda castas...

Dizei-me, ó águas
Revoltas,
De placentas soltas
Quais as origens
Da senhora das águas
Virgens,
Como a senhora
Governadora
Das águas do mar?

Dizei-me também, senhora:
Quando nasceram as águas
Das minhas mágoas
Sem mandrágoras,
Sem fé,
Em sacrilégios, até?

Vieste sozinha,
Senhora minha,
Ajudar ao parto
Das águas da vida
Guardadas em tua guarida.

Por isso, nunca nasço
Nem nascerei sem águas
E sem o sangue que não se vê
À partida,
Senhora das Águas
Das mágoas
Da minha vida. ⁠

(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 09-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

NA VARANDA

⁠Dois, na varanda.

Duas cadeiras baloiçando
Como a brisa esvoaçando
Por entre macieiras sem fruto.

Ouvia-se a bola chutada por um puto
No sussurro da tarde triste
Que mesmo magoada resiste
Ao sonho do bem-amar
O que não existe
Na solidão dum olhar.

Dois, na varanda,
Duas cadeiras baloiçando...
Era só eu, num sonho que manda
E a nostalgia do vento brando.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 21-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠CONSTRUÇÃO

Ele construía tudo.

Desde o alicerce mudo
Até ao telhado
Que lhe cobria o pecado
De pintar as paredes
Com cordas e redes
Para sustentar o verbo
Das falas que adjetivava
Um presente sem futuro
Quando mergulhava
Nos advérbios do obscuro
Sem pretéritos perfeitos
Ou mais que imperfeitos.

Ele, o poeta, contruía tudo,
Mas a si próprio, não!
Arquiteto de ar sisudo,
Com a pá da paz na mão.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 21-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠RISO DA MANHÃ

Sempre que rio pela manhã,
À tarde choro lacrimoso,
À noite vem o pranto doloroso
Com lágrimas que queimam,
Sulfúricas,
As minhas ilusões telúricas,
Sempre que rio pela manhã.

E neste signo de afã,
Eu prometi a mim mesmo:
Não rir mais pela manhã!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por escrever, em 23-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

⁠ALMA PERDIDA

Caiu-me a alma.
Não sei se dentro de um rio,
Ou na turbulência do mar.
Talvez na montanha
Tamanha de frio,
No calor do estio,
Quente de enregelar.
Será que ela fugiu de mim
E se esconde na cidade imensa
À espera da recompensa,
Numa espécie de arlequim
De rir pelas ruas
Sujas e nuas.
O que é que minha alma pensa?
Fartei-me dela, tão tensa
E cada vez mais pretensa
Gozando comigo sem par,
Que não perco mais um minuto
Em absoluto,
Para a encontrar!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 23-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro

DOU-VOS

⁠A minha tonta cabeça.
Fazei dela bola de futebóis
Nas vossas disputas de álcoois.
Dou-vos os olhos quase mortos
Tristes e absortos.
Dou-vos o peito magoado
Sem jeito de construção
De um novo estrado
Para tapete de chão.
Dou-vos barriga e vísceras
Algumas com úlceras.
Dou-vos os braços e pernas
Já de ossos com cavernas.

Só não vos dou o meu coração
Esse órgão de eleição -
Já o dei a alguém
Que Deus tem -
Desde que nasci até então,
Àquela que me deu a vida
Sofrida,
À minha querida
Mãe!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 26-09-2022)

Inserida por CarlosVieiraDeCastro