Textos de Schopenhauer
Há momentos em que pensamos na morte de forma tão nítida e com uma aparência tão assustadora que não conseguimos compreender como, com tal perspectiva à nossa frente, se possa ter um só minuto de sossego e não fiquem todos se lamentando a vida inteira pela sua inexorável aproximação. Em outros momentos, pensamos na morte como uma alegria tranquila e até mesmo ansiamos por ela. Em ambos os casos, temos plena razão.
A cada vez que respiramos, estamos rechaçando a morte, mas nem por isso ela deixa de retornar; de tal modo que temos de lutar com ela a cada segundo; em extensões temporais mais amplas, lutamos com a morte a cada refeição que nos renova, e cada momento de sono que nos descansa, a cada vez que nos aquecemos contra a frialdade e assim por diante. Contudo desde o dia de nosso nascimento fomos votados a ela sem remissão e nossa vida inteira não é senão um adiamento da morte.
Dois rostos bastavam para ele: um voltado para dentro de si mesmo e o outro contemplando o mundo exterior; o interior se afundava no coração das coisas, enquanto o exterior contemplava ceticamente a maneira como essas coisas transcorriam materialmente enquanto girava o mundo e a forma como poderiam estraçalhar seu próprio ser, caso se deixasse levar por elas.
Lembramo-nos melhor dos primeiros anos de vida do que dos subsequentes. Quanto mais vivemos, tanto menos os acontecimentos nos parecem importantes, ou suficientemente significativos para serem depois ruminados; todavia, este é o único meio para fixá-los na memória, caso contrário, serão esquecidos logo que passarem.
“Imaginemos, por um instante, que a humanidade fosse transportada a um país utópico, onde os pombos voem já assados, onde todo o alimento cresça do solo espontaneamente, onde cada homem encontre sua amada ideal e a conquiste sem qualquer dificuldade. Ora, nesse país, muitos homens morreriam de tédio ou se enforcariam nos galhos das árvores, enquanto outros se dedicariam a lutar entre si e a se estrangular, a se assassinar uns aos outros.”
Devemos encarar com tolerância toda loucura, fracasso e vício dos outros, sabendo que encaramos apenas nossas próprias loucuras, fracassos e vícios. Pois eles são os fracassos da humanidade à qual também pertencemos e, assim, temos os mesmos fracassos em nós. Não devemos nos indignar com os outros por essas fraquezas apenas por não aparecerem em nós naquele momento.
Em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a 'informação', não a 'instrução'. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. Não ocorre a eles que a informação é um mero 'meio' para instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma, no entanto é uma maneira de pensar que caracteriza uma cabeça filosófica.
Apenas de que o auge da capacidade intelectual se dá por volta dos 35 anos, a velhice tem suas compensações. É apenas nesse momento que a experiência e a erudição se tornam de fato ricas: teve-se tempo e oportunidade para considerar e refletir as coisas sob todos os aspectos, comparando-as entre si e descobrindo os seus ponto de contato e membros conectivos; por conseguinte, apenas nesse momento as compreendemos bem em toda a sua concatenação. Tudo foi esclarecido; por isso, conhece-se mais profundamente até mesmo aquilo que já sabíamos na juventude, visto que há muito mais provas para cada conceito. Aquilo que nos anos de juventude só acreditávamos saber, sabe-se de fato na velhice, e muito mais, porque possuímos conhecimentos meditados em todas as direções e, portanto, inteiramente coerentes, enquanto na juventude nosso conhecimento é sempre lacunar e fragmentário. Apenas quem envelhece adquirir uma ideia completa e pertinente da vida, pois tem uma visão geral do seu conjunto e do seu curso natural, e sem especial, porque não a ve como os outros, ou seja, apenas a partir do ponto de entrada, mas tamb[em a partir do ponto de saída, reconhecendo, assim, toda a sua nulidade, enquanto os outros sempre se encontram na ilusão de que o que é realmente bom ainda ocorrerá.
Enquanto a primeira metade da vida é apenas uma infatigável aspiração de felicidade, a segunda metade, pelo contrário, é dominada por um sentimento doloroso de receio, porque se acaba então por perceber, mais ou menos claramente, que toda felicidade não passa de quimera, que só o sofrimento é real. Por isso os espíritos sensatos visam menos aos prazeres do que a uma ausência de desgostos, a um estado de algum modo invulnerável.
Não há nada fixo na vida fugitiva: nem dor infinita, nem alegria eterna, nem impressão permanente, nem entusiasmo duradouro, nem resolução elevada que possa durar toda a vida! Tudo se dissolve na torrente dos anos. Os minutos, os inumeráveis átomos de pequenas coisas, fragmentos de cada uma das nossas ações, são os vermes roedores que devastam tudo o que é grande e ousado… Nada se toma a sério na vida humana; o pó não vale esse trabalho.
A jovialidade e a coragem da vida, características da juventude, devem-se em parte ao fato de estarmos a subir a colina, sem ver a morte situada no sopé do outro lado. Porém, ao transpormos o cume, avistamos de fato a morte, até então conhecida só de ouvir dizer. Ora, como ao mesmo tempo a força vital começa a diminuir, a coragem também decresce, de modo que, nesse momento, uma seriedade sombria reprime a audácia juvenil e estampa-se no nosso rosto. Enquanto somos jovens, digam o que quiserem, consideramos a vida como sem fim e usamos o nosso tempo com prodigalidade. Contudo, quanto mais velhos ficamos, mais o economizamos. Na velhice, cada dia vivido desperta uma sensação semelhante à do delinquente ao dirigir-se ao julgamento.
Tanto no crepúsculo como durante a aurora, tanto durante as tempestades que agitavam suas camadas mais profundas, como quando estava brilhando ao refletir a cara luz do sol ou mesmo nos momentos em que era escurecido pelas sombras que voavam pelo céu e vinham em minha direção.. ainda que momentaneamente ensombreado, este mar em constante movimento trazia para mim, em suas mudanças constante aos longo do dia, as imagens de um espetáculo que nunca me cansava.
Todas as tuas boas qualidades são empanadas porque te julgas “esperto demais” E essa arrogância não te serve para nada neste mundo, simplesmente porque não podes controlar essa tua mania de querer saber tudo mais que os outros, de encontrar defeitos em toda parte, menos em ti mesmo, de querer controlar tudo e de te achares capaz de melhorar as pessoas com que te relacionas
Meus dias correm rápidos dentro de um crepúsculo permanente, cheios de alegrias, dores, preocupações e brincadeiras; mas tudo isso passa a meu lado como se fossem outros tantos viajantes, em parte alguma consigo tocar em algo de sólido, em lugar nenhum encontro o sentimento tranquilo de apenas ser e agir.
Reconhecemos de maneira geral que o que cada um é, contribui mais para a sua realidade do que cada um tem, ou representa. O principal é sempre o que um homem é; por conseguinte, o que possui em si mesmo, porque a individualidade o acompanha em todos os tempos e em todos os lugares e tinge com seu matiz todos os acontecimentos de sua vida.
“A mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto uma bastante modesta, mas bem ordenada. Da mesma maneira, uma grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um pensamento próprio, tem muito menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada”.
A fonte de onde emanam os indivíduos e suas forças é inesgotável e infinita, tanto como o tempo e o espaço, visto que, como o tempo e o espaço, ela é apenas o fenômeno e a representação da vontade. Nenhuma medida finita pode avaliar esta fonte infinita: do mesmo modo cada acontecimento, cada obra asfixiada em germe tem ainda e sempre a eternidade inteira para se reproduzir. Neste mundo dos fenômenos toda perda absoluta é impossível, assim como todo ganho absoluto. Só a vontade existe: ela é coisa em si, ela é fonte de todos estes fenômenos. A consciência que ela toma de si mesma, a afirmação ou a negação que ela se decide a tirar daí, tal é o único fato em si.
Perdoar e esquecer equivale a jogar pela janela experiências adquiridas com muito custo. Se uma pessoa com quem temos ligação ou convívio faz-nos algo desagradável e irritante, temos apenas de perguntar-nos se ela nos é ou não valiosa o suficiente para aceitarmos que repita uma segunda vez e com frequência semelhante tratamento e até de maneira mais grave. Em caso afirmativo, não há muito a dizer, porque falar ajuda pouco. Temos, portanto, de deixar passar essa ofensa, com ou sem reprimenda; todavia, devemos saber que agindo assim estaremos nos expondo à sua repetição. Em caso negativo, temos de romper de moto imediato e definitivo com o valioso amigo ou, se for um servente, dispensá-lo. Pois quando a situação se repetir, será inevitável que ele faça exatamente a mesma coisa, ou algo inteiramente análogo, apesar de nesse momento, assegurar-nos o contrário de modo profundo e sincero. Pode-se esquecer tudo, tudo, menos a si mesmo, menos o próprio ser, pois o caráter é absolutamente incorrigível e todas as ações humanas brotam de um princípio íntimo em virtude do qual, o homem, em circunstâncias iguais, tem sempre de fazer o mesmo, e não o que é diferente. (Aforismos para a sabedoria de vida, p 213)
Quem tem a inclinação e o hábito de submeter secretamente a conduta dos outros e em geral também as suas ações e omissões a uma atenta e severa crítica, trabalha na verdade em prol da própria melhoria e do próprio aperfeiçoamento, pois possui o suficiente de justiça, ou de orgulho e vaidade, para evitar o que amiude censura com tanto vigor. Em relação aos tolerantes, vale o oposto, como diz Horácio: HANC VENIAM DAMUS PETIMUSQUE VICISSIM, quer dizer, "concedemos esta liberdade e a solicitamos igualmente. (218)
Cada um possui certos princípios de conduta inatos e concretos que fluem no seu sangue e seiva como resultado de todo o seu pensar, sentir e querer. Na maioria das vezes, cada um os conhece não in abstracto, mas só ao olhar retrospectivamente para a própria vida, percebendo um fio invisível. Conforme a natureza de tais princípios será conduzido à felicidade ou à desgraça.