Textos de Rita Lee
O PEDIDO DE SOCORRO DO PLANETA
O planeta está tentando respirar. Sente, ele pede socorro. Todas as artérias que levam oxigênio e nutrientes para o corpo tornaram-se duras e estreitas. O seu coração está cansado, esgotado e sofrendo. Nenhum de seus órgãos estão funcionando 100%. Todos estão com alguma patologia. O resultado dos exames, deram alterados. Ele sofre com tudo isso. Suas lágrimas estão escorrendo entre os poucos verdes que ainda restam e as flores, estão cabisbaixas. Sua boca tenta pronunciar algumas palavras, porém ninguém o ouve. Estão todos enlouquecidos dentro de suas casas. Não entenderam seu recado.
Sinta a energia que está no ar. Ela pesa. Pesa para Planeta e para nós também. Estão todos tensos pelo que está acontecendo. Não estavam preparados e não esperavam por essa surpresa. Mas, ele precisava dar um basta. Precisava gritar com todas as suas forças para ver se alguém conseguia ouvi-lo. Ele continua internado em estado grave. Sem respirador, não consegue sobreviver. Seus olhos pedem socorro e ao mesmo tempo calma. Não precisam palavras para entender seu chamado, seus olhos estão dizendo tudo. Veja. São os reflexos do ontem. Serão os passos do amanhã. Reflitam. O tempo não para. Estamos chegando no fim da linha. Não tem mais volta. Agora, é tentar salvar o pouco do que ainda resta e ver se consigamos salvar sua vida.
CONSELHOS DO MAR
Olhando para o mar entendi que:
A vida é uma construção.
Aprendemos a amar baseado nos pequenos detalhes.
O amor está entre a neblina da confusão mental.
A paz vive nos momentos de reflexão.
A luz irradia de dentro.
A morte é a libertação do espírito.
Só agradecendo receberemos a recompensa.
Se doando ao próximo seremos agraciados.
Precisamos caminhar com os próprios pés.
Precisamos gostar da nossa companhia.
O que vem é apenas complemento.
Tudo acontece por algum motivo.
Parando e colocando os pés no chão, entenderemos os mistérios e os segredos da natureza.
Que a vida nada mais é que a nossa própria imagem.
O sol nasce de trás do horizonte e entre nuvens
Densas banha as águas revoltas da imensidão do mar.
O pescador adentra no mar e lança longe a linha de pesca
E pacientemente fica a espera de mais uma fisgada.
Entre o silêncio e a espera sempre haverá uma nova
Possibilidade e sonhos que poderão ser realizados.
O homem e o mar se conectam de alguma forma
E entre eles serão revelados segredos inimagináveis.
O rumor é forte e a maresia deixa o ar impregnado.
O voo rasante e o grito das gaivotas quebra o silêncio.
O céu encoberto deixa a manhã de janeiro pálida e a
Brisa canta suavemente deixando o momento impar.
O CAMINHO
Lembremo-nos de que sempre será uma luta árdua. Não haverá retorno sem lutas. Não haverá felicidade sem buscas e não haverá vida plena sem conhecer o verdadeiro caminho. O caminho sempre estará a nossa disposição. Teremos apenas que o seguir com sabedoria e ele se abrirá como um leque para nos amparar.
COVARDIA X CORAGEM
A covardia tem um lugar reservado do nosso lado. Ela grita diariamente. São os nossos medos alojados dentro da nossa mente querendo nos impedir de seguir adiante com os nossos planos. A coragem também tem um lugar reservado. Ela é muito mais forte e persistente que a covardia. Há um batalha árdua entre as duas. Vence sempre aquela que grita aos quatros ventos que é invencível e que nada impedirá de seguir adiante. Nossa mente tem esse poder. O poder de criar e recriar, de lutar e vencer quaisquer batalhas. Tem o poder de lutar contra o que está nos atrapalhando. Para isto, será necessário lutar. A luta vem de dentro e esta força vem de nós. Que sejamos lutadores e vencedores daquilo que está nos atrapalhando para se chegar ao que mais almejamos, a vitória.
Rita Padoin
APRENDI COM O TEMPO:
- Que a saúde é prioridade na nossa vida;
- Que a paz de espírito é fundamental para a nossa sobrevivência;
- Que o dinheiro faz falta quando não tem o que se fazer sem ele;
- Que quando alguém não te valoriza como pessoa, está na hora de partir;
- Que quando o teu valor está numa sigla, chegou o momento de fechar o ciclo;
- Que uma verdadeira amizade é aquela que te apoia em quaisquer circunstâncias;
- Que o amor é o símbolo da vida;
- Que a dignidade está acima de qualquer cargo.
Às vezes sinto-me como se estivesse num caminho sem saída e mesmo que quisesse voltar para trás parece que não dá, que estou num caminho de sentido único.
Já há muito que reparei que são poucas as decisões que eu tomo e das quais não me arrependo. Há algumas que nem são um problema enorme. No entanto, outras podem tornar-se um obstáculo. Um problema não só para mim mas também para os outros, para os meus, para os que amo.
Isso deixa-me frustrada. Por um lado quero desistir e aliviar as pessoas de um eventual peso. Por outro quero fazer valer a pena, quero mostrar que consigo, quero que sintam o mínimo orgulho de mim. O problema aqui é que a esperança que tenho nisso é cada vez tão mais pequena que me parece impossível continuar com o que quer que seja.
Sinto-me tão perdida. Sem rumo. Sem objetivos. Sinto-me um fardo, por vezes. Um fardo que os outros não querem admitir por pena do que eu possa sentir. “Isso é bom ou mau?”, penso. Considero ser bom essa “preocupação” com o que sinto, mas é isso realmente? Ou apenas e somente pena?
Não sei o que pensar, perco-me nos meus próprios pensamentos, não entendo o que eles me tentam de dizer. Não consigo distinguir se estão a ajudar ou prejudicar. Neste momento, eu só sei que doi. Doi sentir-me assim. “Tanta gente que se sente assim”, dizem. Não. Há quem se sinta pior, há quem se sinta melhor. Mas ninguém se sente como eu. Se há algo de que eu estou certa na minha cabeça é que não acredito que as pessoas saibam as dores das outras. Não acho mesmo possível. Apenas nós sabemos o que sentimos, somente nós. E por mais que o queiramos transmitir, exprimir, por mais que queiramos que as pessoas entendam a nossa dor, o nosso sofrimento, não dá. Simplesmente porque elas não estão na tua pele. Elas não estão a ter esses altos e baixos com os teus próprios pensamentos. És tu. És tu que estás a sentir. Mais ninguém. E, por isso, eu já desisti de tentar explicar o que quer que seja que estou a sentir porque eu acho, realmente, que não vale a pena. Aprendi apenas a sorrir e a dizer “está tudo bem”.
A INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE SOBRE O INDIVÍDUO
Embora a sociedade tenha uma grande influência sobre o pensamento e o comportamento do ser humano, a consciência sobre os fatos do “certo ou do errado” ainda nos mostra o quanto estamos cientes de toda a situação. O indivíduo que se deixa levar por influências, está dando margens para que toda sua vida seja controlada e dirigida por outras pessoas e não por ele.
Thiago de Mello, Doutor em Ciências Sociais diz que: a visão dicotômica entre indivíduo e sociedade surgiu em um crescente processo de industrialização no início do século XVIII em diante e levou a surgimento de sérios problemas sociais. Essas transformações aconteceram pela transição de um ambiente rural, para um ambiente urbano e industrializado.
Estamos vivendo um período em que a maioria dos indivíduos estão sendo arrastados por uma onda gigantesca e não conseguimos ainda digerir toda essa situação. A mente humana está enfraquecida e não estamos conseguindo elevar a nossa consciência. A era das máquinas está no auge e no controle da nossa vida. Não conseguimos mais sobreviver sem que não nos apoiemos em alguém ou em alguma coisa. Viramos indivíduos deficientes. Usamos uma bengala invisível e nem nos demos conta ainda da situação.
O universo tenta nos ensinar a lição de casa todos os dias, porém, estamos alheios aos acontecimentos. Com isto, seremos uma civilização extinta do planeta sem ao menos deixarmos nenhum vestígio. Apenas a destruição do próprio ser humano e do planeta.
SEDE DE VIVER
Ando com sede de viver. Uma sede arrebatadora. Sede de tomar com todas as minha forças este líquido chamado vida. Esta ânsia é o combustível para não parar no tempo e ficar estagnada. Chega um determinado momento em que a única forma de se chegar lá, é lutando e esta luta é interna. Esta luta vem desta sede feroz e intensa que me domina e me empurra pra frente. Penso, que é através desta sede de lutar que sairei vencedora.
Novos ciclos
Cada ciclo é um novo acontecimento, uma nova história, um novo momento, uma nova busca. A cada dia que se encerra, novos ciclos se fecham. E a cada amanhecer, outros iniciam. Vivemos abrindo e fechando ciclos. É a lei da vida. A Lei da natureza se manifestando por meio de sinais. Que saibamos fechar todos os ciclos, identificá-los e aceitá-los diariamente.
MINHA MORADA
A escrita é a minha liberdade. Aqui, fiz morada. Aqui, tudo posso quando o espírito se liberta. Aqui, vivo em harmonia com o Universo e em cada passo um tempo que determina minha busca. Aqui, meus sonhos são realizados, minhas emoções afloram e meus momentos se tornam inesquecíveis. Sou parte de um contexto onde tudo se encaixa perfeitamente. Decidi, que é aqui que quero ficar. É aqui que vivo e renasço a cada instante e que minha luta por um espaço nesse planeta, se materializa e se torna único quando conectada.
DOS VINHEDOS AO VINHO
Entre os extensos e verdes vales se destacam os vinhedos,
E sobre treliças, parreirais ficam à sombra protegidos do sol.
Os frutos da terra cercam caminhos longos e retilíneos.
A vida segue entre as horas da colheita e o néctar na taça.
A pisa sobre os preciosos grãos nos lagares são esmagados
Delicadamente um a um, e a nostalgia se instala em busca do prazer.
Entre as masmorras dorme o amargor do seu útero e neste
Intervalo, nasce o doce sabor do sumo sagrado.
O líquido vermelho intenso, cor das vestimentas de Baco,
- Deus mítico do vinho, enfim adormece lentamente.
NECESSIDADES BÁSICAS DO UNIVERSO
Muitas vezes, nos pegamos pensando em coisas que não queremos pensar e nem sentir. Uma dor invisível chega de mansinho e o cansaço acaba nos dominando. É tão incômoda esta dor que chega deixar uma cicatriz. Precisamos nos recompor e aceitar tudo o que vem. Se vem, vem por algum propósito. Esse, é um dos atributos da vida, a aceitação. Às vezes, sentimos que o mundo está inteiro em cima dos meus ombros. Pesa. Pesa tanto que nossas pernas fraquejam e nossos olhos marejam. Sentimos então, que precisamos reagir e seguir, porém o peso é tanto que não conseguimos dar um passo, quanto mais seguir adiante.
Para conseguirmos entender os passos que precisamos dar, é necessário ter forças. E esta, é dolorosa demais muitas vezes. Quando entendermos as necessidades básicas que o Universo nos proporciona, entenderemos todo o resto. É um processo. Uma afirmação. Uma interrogação. Às vezes, vira reticências quando o nosso intelecto fica fora do processo. Aí, precisamos correr atrás do prejuízo e buscar o nosso Eu esquecido em algum lugar.
Quando...
Quando as coisas começarem a não fazer mais sentido;
Quando tudo o que gostávamos, começa a não ter mais nenhum significado;
Quando o que fazíamos com amor, passa a ser um fardo;
Quando o que pensávamos que era amor, deixa dúvidas;
Quando as pessoas ao teu redor não entenderem o motivo da tua estada ao lado delas;
Quando a raiva começa a nos dominar, chegou o momento de parar, pensar e ir em busca de novos caminhos.
A vida possibilita, mostra, ensina, aponta, dá sinais, porém se não estivermos atentos ou não entendermos o significado do seu ensinamento, chegou a hora de partir.
Perguntaram-me:
Não te cansas de ficar ai escrevendo? Respondi subitamente: Não. Muito pelo contrário. A escrita me alimenta. Deixa-me feliz e leve. Tenho a impressão de que flutuo e saio do corpo. Só meu espírito fica em evidência. Se eu não tivesse a escrita eu já estaria morta, mesmo estando viva. Agradeço a Deus pelo dom que me foi concedido. Ainda bem que eu e a escrita nos encontramos no meio do caminho.
SIMPLES ASSIM...
Às vezes nos perguntamos: Por que as pessoas têm memórias curtas? Ou melhor, Por que elas se esquecem os bons momentos que passaram e viveram com as outras pessoas? Estas perguntas servem de reflexão sobre o que acontece diariamente nos relacionamentos, sejam eles, amorosos ou não. Aí vem os questionamentos: A pessoa passa um período da sua vida com as outras, dedica seu tempo, compartilha sua vida, suas vontades, seus desejos, seus sonhos e as vezes até seus segredos. Acaba vivendo uma outra vida, deixando muitas vezes a sua de lado. Segue outro caminho, o que não era o dela, mas acaba se adaptando e se adequando àquele caminho, àquela vida, àquelas pessoas e àqueles momentos. Até porque acabam virando uma família. Não de sangue, mas de afetos, de carinhos, de amores, de lutas e principalmente de união entre eles. E de uma hora para outra tudo acaba, evapora, como num passe de mágica. Ela olha para trás e pensa: Espera aí, como assim acabou? Assim, de uma hora para outra? Os dias passam, entram os meses e nem um “oi”, ou um “como estás”? Ou “o que aconteceu”? Nada. Nenhum telefonema. Nenhuma mensagem. Nenhum ruído. Nenhum sinal. A pessoa que se dedicou tanto, passou a ser invisível. Um nada para aquelas pessoas. Tudo se tornou tão frio! Tão sem emoção! Tão vazio! Foi aí que Ela chegou a uma triste conclusão: Aquelas pessoas que ela considerava sua família haviam se esquecido dela. Simplesmente apagaram-na de suas vidas como se Ela fosse um desenho feito a lápis e com uma simples borracha apagaram-na de suas vidas e deixaram aquela página em branco. Simples assim.
VERDADEIRA LIBERDADE
Saibamos olhar o caminho correto
Saibamos entender o significado da vida
O que procuramos, geralmente o não encontramos
O que é sagrado vive nas profundezas do além
Encontrá-lo-emos durante o nosso caminhar.
Deixemos de lado os prazeres carnais
Deixemos de lado as palavras vãs
Deixemos de lado as loucuras momentâneas
Busquemos as palavras certas para o conforto
Da alma para que a paz seja a nossa aliada.
As vezes o tempo se agita. Noutras são as horas.
O que é o tempo perto do que não entendemos?
As horas nada nos diz de concreto.
Fazemos o nosso tempo quando buscamos
A verdadeira origem da liberdade interna.
Difícil X Fácil
Aceitar os fatos é algo que não nos foi ensinado. Por estas e outras razões, sofremos. Um sofrimento louco. Um sofrimento árduo. Um sofrimento doído. Um sofrimento bruto. Daquele que estraçalha a alma e bagunça o nosso espiritual. Por estas e outras razões, acabamos vivendo uma vida que não é a nossa. Uma vida sem graça. Uma vida sem perspectiva. Sem enxergar o caminho que devemos seguir e que está bem na nossa frente. Por que é tão difícil aceitar aquilo que nos foi determinado? Porque a cada dia, uma nova luta, um novo acontecimento, uma nova era.
Sabemos que viemos para cumprir nossa missão. Sabemos que precisamos aceitar. Sabemos que antes de vir, seria desta forma. Sabemos que precisamos fechar ciclos. Sabemos de tudo. Sabemos, mas não aceitamos. Por que é tão difícil aceitar, se sabemos? Porque estamos acostumados com o que é mais fácil. Tudo o que é difícil, não queremos. O difícil dói. O difícil bagunça. O difícil nos deixa atordoados. Preferimos o fácil pelas razões contrárias do difícil. E assim, caminha a humanidade, preferindo aquilo que não mexe com o que nos faz crescer.
Enigma
Sou uma mulher que a vida ensinou a dar valor às pequenas coisas. Talvez pela educação que recebi. Talvez por morar numa cidade pequena. Talvez porque não tive tantas e tantas oportunidades como às de hoje ou talvez porque já nasci com este olhar que crê nas belezas que a natureza oferece.
Sou uma mulher cujo semblante quer dizer muitas coisas. No olhar há um livro a ser decifrado, cada página uma história, cada linha um segredo. Assim sou eu, cheia de enigmas como qualquer ser humano, que tem dentro da caixa seus segredos.
Sou uma mulher, que às vezes se sente tão adulta que leva no ombro o mundo inteiro e outras vezes tão frágil quanto uma criança que ainda brinca de ser feliz.
Assim, sou eu, às vezes uma criança, noutras mulher.
TEMPO PARA REPENSAR _ A lição que um vírus nos deixa.
Fevereiro havia chegado; muitos de nós estávamos fazendo planos sobre onde passarmos o carnaval enquanto desde o mês de janeiro a China já estava enfrentando esse pequeno monstro sem que ninguém estivesse dando a devida importância.
O que ninguém sabia era que o pequenino monstro ainda desconhecido do grande público era uma mutação de uma família de monstrinhos, os primeiros deles , isolados no ano de 1937 , mas só em 1965 ganharam o nome de coronavirus por serem parecidos com uma corona, sendo que quatro deles eram os tipos mais comuns que infectam a maioria das pessoas ao longo da vida.
No final de 2019 quando todos nós ainda estávamos ocupados com festas e folgas de final de ano , nosso pequenino resolveu sair do baú, porém, numa versão mais moderna, teimosa, invencível ; e começou sua ira devastadora pela China.
-Ora... Mas era na China, né? Lá eles comem tanta porcaria!...
Em meados de janeiro de 2020, o bichinho , com 15 dias de vida, já tinha infectado cerca de 400 pessoas, matando cerca de 17 na cidade de Wuhan.
-Nossa! Muito pouco para o país mais populoso do mundo!
Quem ou o quê despertou e fortaleceu nosso monstrinho, não se sabe, como também não se poderia imaginar que ele fosse protagonizar uma história em nível mundial.
O bichinho desconhecido cresceu e ficou famoso. Foi ganhando espaços, galgando degraus em vários territórios. Bombardeando sem dó nem piedade seus opositores. Em torno dele foram surgindo as fake news. Milhões de histórias e suposições que só aumentam a cada dia.
Começaram então as teorias de experts sobre o surgimento do vírus, e a culpa que havia recaído sobre a alimentação exótica dos chineses, agora girava, entre outras hipóteses, em torno de uma provável estratégia dos americanos para enfraquecer a economia da China
-Mas ainda era na China, né?... Só na China.
E tudo seria quase perfeito se esse bichinho invisível, pequenino, mas poderoso, não tivesse tido a ousadia de atravessar fronteiras, atingindo, sem pedir licença, a Itália.
Então, essa história recomeça aqui. E eu faço parte dos milhões de coadjuvantes e figurantes, que nunca sequer imaginou fazer parte de uma história de suspense e terror.
Em 31 de janeiro de 2020 foi confirmado que o vírus havia se espalhado pela Itália quando dois turistas chineses eram positivados em Roma.
- Mas ainda assim nós não acordamos . A vida continuou normal na maioria das cidades italianas.
Codogno, Lombardia, fevereiro de 2020
Meados do mês. Começara uma movimentação em torno desse nosso protagonista malvado que fez sua primeira vítima na região da Lombardia: O paciente numero 1 foi hospitalizado após contaminar a esposa grávida e um amigo, três frequentadores de um bar, os pacientes e parentes, além da equipe de saúde de um hospital.
Muita gente fortemente gripada em toda a região. Inclusive eu. Mas pouca gente acordou na Lombardia . A maioria ainda não estava acreditando que essa coisinha invisível fosse tão poderosa, salvo o pessoal da cidade de Codogno, vizinha de Pavia.
- Ah, era só um virus como qualquer outro! Daqui a pouco passa.
Mas não passou e a pergunta era e ainda é: Quem contaminou o paciente numero 1?
Descobrir esse paciente numero zero era muito importante para traçar a rota do vírus pela Itália. Holmes diria que, provavelmente o paciente número zero é assintomatico.
O fato é que, a partir de Codogno e dos contágios no hospital, começaram a crescer as preocupações com o vírus em toda a Lombardia.
- Mas era só na região da Lombardia, né?...
A vida continuou normal, não obstante a algumas recomendações das quais nem todas foram acatadas pela população de cidades ainda não atingidas, mas, os italianos que tinham famílias no Sul e os mais abastados financeiramente, começaram a deixar a região gerando uma sensação que levou muita gente a pensar que a Itália inteira estava em pânico.
Naquela semana, a situação continuou numa seminormalidade: os metrôs e ônibus tinham diminuído significantemente o número de passageiros por causa das escolas e universidades que haviam parado, mas os trabalhadores continuavam a circular . Havia mais gente gripada em giro somando comigo. Uma gripe muito forte .
- Mas era só uma gripe, né?
As pessoas começaram a acordar para a gravidade da situação.
Milão , última semana de fevereiro de 2020.
Enquanto no Brasil as pessoas estavam lotando a Sapucaí para os desfiles de Carnaval, Milão acorda geral para a realidade da epidemia. O virus ataca com mais força obrigando a medidas mais drásticas; mais municípios do Norte eram afetados, vôos para a China foram suspensos e assim, negócios começam a ser fechados. Metrôs e ônibus quase vazios. Quem circulava, usava máscaras e mantinha distância das outras pessoas.
Novas medidas foram adotadas, pessoas começaram a ligar postergando compromissos, Supermercados fazem revezamento para entrada de consumidores aos poucos.
- Ah, não era só uma gripe!
Milão primeira semana de março de 2020:
As pessoas finalmente estavam conscientes de que deveriam fazer a sua parte. As ruas ficaram vazias e só iam para o trabalho quem ainda não havia sido dispensado. Ainda assim, tomando todo o cuidado possível.
-Minha gripe finalmente havia passado, restando apenas um resquício de tosse. Eu estava trabalhando 4 dias na semana .Três deles por 7 horas e um deles por 3 horas, mas no final dessa primeira semana, foi ampliado o estado de quarentena com medidas mais drásticas como restrições gerais de viagens, proibição de eventos e qualquer negócio cujo foco seja o público como cinemas, igrejas, funerais, casamentos...
Segunda semana de março de 2020:
A cidade parou. Completamente. Todos fomos obrigados a permanecer presos em casa sob pena de prisão e multa. Só funcionam bancos , correios, farmacias, supermercados e fábricas.
Estamos na primeira quinzena de março. Presos dentro de casa.
Ainda tenho uma tosse discreta , como muita gente. Saber se estamos contaminados ou não, só após a quarentena, esse é um dos motivos principais da obediência às regras. Como nem todos temos os mesmos sintomas e o serviço de saúde deve ser resguardado às pessoas em situação mais vulnerável, em quarentena não corremos o risco de contaminar ou sermos contaminados. Às vezes chegamos na janela. Às vezes.
Enquanto isso no Brasil, o povo foi para uma manifestação. Um aglomerado de pessoas que deveria ser evitado. Alguns estão confiantes de que o vírus não seja resistente ao calor, porém, estão se esquecendo de que isso não é uma regra e, se fosse, o país é grande, há lugares frios onde alguém contaminado pode, daqui a pouco que é inverno na maior parte do país, levar o vírus para além. O fato é que as pessoas pensam que estão imunes. Isso é perigoso. As pessoas pensam que não estando dentro da parcela de vulneráveis as livra do vírus. Um pensamento egoísta, mas enfim, falar o quê se o outro nem sempre tem importância para todos?
Na Inglaterra ontem o plano de contingência era deixar 60% da população ser contaminada para criar imunidade nos que restarem, hoje, o governo britânico anunciou que vai mobilizar fábricas para produção em massa de respiradores e pediu o isolamento dos idosos e vulneráveis, o que dá a entender que ele voltou atrás na ideia de tentar criar imunidade em grupo, o que foi criticado por cientistas.
É noite agora aqui em Milão. No noticiário vi que o Presidente do meu país, ainda não confirmado se positivo ou negativo para o vírus, levianamente compareceu à uma manifestação. O que pensar sobre isso? O que dizer mais?
Nesse momento, médicos e todas as equipes de saúde, trabalham incessantemente para conter o vilaozinho dessa história. Mas parece que ele ganha cada vez mais força na medida em que as pessoas não colaboram. Parece mesmo que existem dois lados. Que estamos num campo de batalha. De um lado os mocinhos tentando acabar com a guerra e do outro, os que se aliaram ao vilão dessa história, jogando mais fogo na fogueira, alimentando ainda mais o vilaozinho. E o trabalho dos mocinhos sendo pagos com indiferença e ingratidão.
Sem a colaboração de todos, é como enxugar gelo
-Não seria essa a hora de parar para repensar no por quê de tudo isso?
Hoje, nessa quarentena, onde nada nos resta a fazer a não ser observar e refletir, percebo que esse vírus está revelando o verdadeiro lado das pessoas, deixando um monte de mensagens.
Esse vírus está revelando que mais basta ter Deus dentro de nós e não ter religião a ter uma religião e não ter Deus no coração; que há necessidade de aprendermos o valor da amizade, do silêncio; de proteger os nossos velhinhos que guardam a sabedoria que precisaremos para cuidarmos das nossas crianças, para que eles possam ir à sua hora, morrer de velhice e não vítima do descuido, da intransigência, da indiferença.
Esse vírus está nos ensinando que precisamos agir com consciência, indo além dos nossos próprios interesses, cuidando do mundo como um bem comum a todos.
Que está na hora de reciclar nossas atitudes, exterminando a luxúria, a gula, a avareza, a ira, a soberba, a ganância, a falsidade, a língua, a vaidade e o egoísmo.
Esse virus está nos ensinando sobre a necessidade de reaprendermos o valor do tempo, para que possamos colocar as pessoas, e não as coisas como prioridade, e consequentemente doarmos mais compreensão, mais tolerância , mais amor e mais tempo para nós mesmos e para o outro.
Lá fora, a natureza também nos deixa uma lição: as plantas esse ano começaram a florescer bem antes , anunciando no segundo país mais atingido, a estação mais linda do ano. Será que isso não é um sinal de que, nós humanos, precisamos florescer em humanidade?
Vamos refletir sobre nossas ações. O espetáculo tem que continuar mas nós não podemos deixar nenhum vilão protagonizar a nossa história, comandar o nosso barco. Paz na terra aos homens de boa vontade! Que sejamos nós os protagonistas dessa história. (Rita Procópio - - Milão- Março 2020)