Textos de Pablo Neruda
Os meus pensamentos foram-se afastando de mim, mas, chegado a um caminho acolhedor, repilo os tumultuosos pesares e detenho-me, de olhos fechados, enervado num aroma de afastamento que eu próprio fui conservando, na minha pequena luta contra a vida. Só vivi ontem. Ele tem agora essa nudez à espera do que deseja, selo provisório que nos vai envelhecendo sem amor.
Ontem é uma árvore de longas ramagens, e estou estendido à sua sombra, recordando.
De súbito, contemplo, surpreendido, longas caravanas de caminhantes que, chegados como eu a este caminho, com os olhos adormecidos na recordação, entoam canções e recordam. E algo me diz que mudaram para se deter, que falaram para se calar, que abriram os olhos atónitos ante a festa das estrelas para os fechar e recordar...
Estendido neste novo caminho, com os olhos ávidos florescidos de afastamento, procuro em vão interceptar o rio do tempo que tremula sobre as minhas atitudes. Mas a água que consigo recolher fica aprisionada nos tanques ocultos do meu coração em que amanhã terão de se submergir as minhas velhas mãos solitárias...
Que minha dor obscura não morra nas tuas asas,
Nem se me afogue a voz em tua garganta de ouro.
Desfaz, Amor, o ritmo
Destas águas tranquilas:
Sabe ser a dor que estremece e que sofre,
Sabe ser a angústia que se grita e retorce.
Não me dês o olvido.
Não me dês a ilusão.
Porque todas as folhas que na terra caíram
Me deixaram de ouro aceso o coração.
Nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.
Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.
Depois... Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.
Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.
O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar... E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.
E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.
Manhã - Soneto XXIX
Vens da pobreza das casas do SUL,
das regiões duras com frio e terremotos
que quando até seus deuses rodaram à morte
nos deram a lição da vida na greda.
És um cavalinha de greda negra, um beijo
de barro escuro, amor, papoula de greda,
pomba do crepúsculo que voou nos caminhos,
alcanzia com lágrimas de nossa pobre infância.
Moça, conservaste teu coração de pobre,
teus pés de pobre acostumados às pedras,
tua boca que nem sempre teve pão ou delícia.
És do pobre Sul, de onde vem minha alma:
em seu céu tua mãe segue lavando roupa
com minha mãe. Por isso te escolhi, companheira.
o que crecí dentro de un árbol
tendría mucho que decir,
pero aprendí tanto silencio
Silencio
Yo que tengo mucho que callar
y eso se conoce creciendo
sin otro goce que crecer,
sin más pasión que la substancia,
sin más acción que la inocencia,
y por dentro el tiempo dorado
hasta que la altura lo llama
para convertirlo en naranja.
Eu amo-te sem saber como, ou quando, ou a partir de onde. Eu simplesmente amo-te, sem problemas ou orgulho: eu amo-te desta maneira porque não conheço qualquer outra forma de amar sem ser esta, onde não existe eu ou tu, tão intimamente que a tua mão sobre o meu peito é a minha mão, tão intimamente que quando adormeço os teus olhos fecham-se.
Se sou amado,
quanto mais amado
mais correspondo ao amor.
Se sou esquecido,
devo esquecer também,
Pois amor é feito espelho:
-tem que ter reflexo.
Talvez não ser,
é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando
o meio dia com uma
flor azul,
sem que caminhes mais tarde
pela névoa e pelos tijolos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém
soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim,
sem que viesses brusca, incitante
conhecer a minha vida,
rajada de roseira,
trigo do vento,
E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos...
Nota: Versão adaptada do "Soneto LXIX" de Pablo Neruda
Nomeei-te rainha.
Há maiores do que tu, maiores.
Há mais puras do que tu, mais puras.
Há mais belas do que tu, há mais belas.
Mas tu és a rainha.
Quando andas pelas ruas
ninguém te reconhece.
Ninguém vê a tua coroa de cristal, ninguém olha
a passadeira de ouro vermelho
que pisas quando passas,
a passadeira que não existe.
E quando surges
todos os rios se ouvem
no meu corpo,
sinos fazem estremecer o céu,
enche-se o mundo com um hino.
Só tu e eu,
só tu e eu, meu amor,
o ouvimos.
Soneto XXII
Quantas vezes, amor, te amei sem ver-te e talvez
sem lembrança,
sem reconhecer teu olhar, sem fitar-te, centaura,
em regiões contrárias, num meio-dia queimante:
era só o aroma dos cereais que amo.
Talvez te vi, te supus ao passar levantando uma taça
em Angola, à luz da lua de junho,
ou eras tu a cintura daquela guitarra
que toquei nas trevas e ressoou como o mar desmedido.
Te amei sem que eu o soubesse, e busquei tua memória.
Nas casas vazias entrei com lanterna a roubar teu retrato.
Mas eu já não sabia como eras. De repente
enquanto ias comigo te toquei e se deteve minha vida:
diante de meus olhos estavas, regendo-me, e reinas.
Como fogueira nos bosques o fogo é teu reino.
Para o meu coração basta o teu peito,
para a tua liberdade as minhas asas.
Da minha boca chegará até ao céu
o que dormia sobre a tua alma.
Acolhedora como um velho caminho.
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Eu acordei e às vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam na tua alma.
Nota: Trechos de "Poema XII"
Luto pela Bondade
Quero viver num mundo sem excomungados. Não excomungarei ninguém. Não diria, amanhã, a esse sacerdote: «Você não pode baptizar ninguém porque é anticomunista.» Não diria ao outro: «Não publicarei o seu poema, o seu trabalho, porque você é anticomunista.» Quero viver num mundo em que os seres sejam simplesmente humanos, sem mais títulos além desse, sem trazerem na cabeça uma regra-, uma palavra rígida, um rótulo. Quero que se possa entrar em todas as igrejas, em todas as tipografias. Quero que não esperem ninguém, nunca mais, à porta do município para o deter e expulsar. Quero que todos entrem e saiam sorridentes da Câmara Municipal. Não quero que ninguém fuja em gôndola, que ninguém seja perseguido de motocicleta. Quero que a grande maioria, a única maioria, todos, possam falar, ler, ouvir, florescer. Nunca compreendi a luta senão como um meio de acabar com ela. Nunca aceitei o rigor senão como meio para deixar de existir o rigor. Tomei um caminho porque creio que esse caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura. Luto pela bondade ubíqua, extensa, inexaurível. De tantos encontros entre a minha poesia e a polícia, de todos esses episódios e de outros que não contarei porque repetidos, e de outros que não aconteceram comigo, mas com muitos que já não poderão contá-los, resta-me no entanto uma fé absoluta no destino humano, uma convicção cada vez mais consciente de que nos aproximamos de uma grande ternura. Escrevo sabendo que sobre as nossas cabeças, sobre todas as cabeças, existe o perigo da bomba, da catástrofe nuclear, que não deixaria ninguém nem nada sobre a Terra. Pois bem: nem isso altera a minha esperança. Neste momento crítico, neste sobressalto de agonia, sabemos que entrará a luz definitiva pelos olhos entreabertos. Entender-nos-emos todos. Progrediremos juntos. E esta esperança é irrevogável.
Pablo Neruda, in "Confesso que Vivi"
Tenho fome da sua boca, da sua voz, do seu cabelo,
e ando pelas ruas sem comer, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desconcerta,
busco no dia o som líquido dos seus pés.
Estou faminto do seu riso saltitante,
das suas mãos cor de furioso celeiro,
tenho fome da pálida pedra das suas unhas,
quero comer a sua pele como uma intacta amêndoa.
Quero comer o raio queimado na sua formosura,
o nariz soberano do rosto altivo,
quero comer a sombra fugaz das suas pestanas
e faminto venho e vou farejando o crepúsculo
te procurando, procurando o seu coração ardente
como um puma na solidão de Quitratue.
Dos muitos homens que sou, e nós somos,
não podemos nos assentar em apenas um.
Eles estão perdidos para mim dentro das capas das roupas,
eles tomaram o rumo de outra cidade.
Quando tudo parece estar bem
para que eu me mostre como um homem inteligente,
o louco que eu mantinha encerrado em minha pessoa toma minha
fala e ocupa minha boca.
Em outras ocasiões, quando estou perdido
entre pessoas distintas
e chamo meu eu corajoso
um covarde completamente desconhecido vem sacudir meu pobre
esqueleto
com mil pequenas reservas
Quando uma casa digna explode em chamas,
ao invés do bombeiro que eu chamo,
irrompe em cena um incendiário
E ele sou eu. Não há nada que eu possa fazer.
O que posso fazer para escolher a mim mesmo?
Como posso me compor?
Todos os livros que li
idealizam figuras de heróis brilhantes.
Sempre cheios de auto-confiança.
Eu morro de inveja deles e;
em filmes em que balas voam ao vento,
Sinto inveja dos cowboys,
Admiro até os cavalos.
Mas quando eu chamo meu eu corajoso,
lá vem meu velho ser preguiçoso,
e assim, nunca sei quem eu sou,
ou quantos eu sou, ou quem estará sendo.
Eu gostaria de ser capaz de tocar um sino
e chamar meu ser real, o verdadeiro eu,
pois se eu realmente preciso do meu ser próprio,
não posso deixá-lo desaparecer.
Quando estou escrevendo, estou longe
quando retorno, já me fui.
Eu gostaria de ver a mesma coisa acontecer
a outras pessoas como ocorre comigo,
para ver se tantos são como eu,
e quantos deles sentem-se da mesma forma consigo mesmos.
Quando este problema for totalmente explorado
vou me treinar tão bem nessas coisas que
quando eu tentar explicar meus problemas,
falarei não de um ser, mas de uma geografia.
"Quando não te doeu acostumar-te a mim,
à minha alma solitária e selvagem,
a meu nome que todo afugentam.
Tantas vezes vimos arder o luzeiro
nos beijando os olhos e sobre nossas cabeças
destorcer-se os crepúsculos em girantes abanos.
Sobre ti minhas palavras choveram carícias.
Desde faz tempo amei teu corpo de nácar ensolarado.
Chego a te crer a dona do universo.
Te trarei das montanhas flores alegres,
copihues, avelãs escuras, e cestas silvestres de beijos.
Quero fazer contigo o que a primavera faz com as cerejas
A Noite na Ilha
Dormi contigo toda a noite
junto ao mar, na ilha.
Eras doce e selvagem entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Os nossos sonos uniram-se
talvez muito tarde
no alto ou no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento agita,
em baixo como vermelhas raízes que se tocam.
0 teu sono separou-se
talvez do meu
e andava à minha procura
pelo mar escuro
como dantes,
quando ainda não existias,
quando sem te avistar
naveguei a teu lado
e os teus olhos buscavam
o que agora
— pão, vinho, amor e cólera —
te dou às mãos cheias,
porque tu és a taça
que esperava os dons da minha vida.
Dormi contigo
toda a noite enquanto
a terra escura gira
com os vivos e os mortos,
e ao acordar de repente
no meio da sombra
o meu braço cingia a tua cintura.
Nem a noite nem o sono
puderam separar-nos.
Dormi contigo
e, ao acordar, tua boca,
saída do teu sono,
trouxe-me o sabor da terra,
da água do mar, das algas,
do âmago da tua vida,
e recebi teu beijo,
molhado pela aurora,
como se me viesse
do mar que nos cerca.
- Em "Os Versos do Capitão"
Hoje é hoje com o peso de todo o tempo ido,
com as asas de tudo o que será amanhã,
hoje é o Sul do mar, a velha idade da água
e a composição de um novo dia.
À tua boca elevada à luz ou à lua
se acresceram as pétalas de um dia consumido,
e ontem vem trotando por sua rua sombria
para que recordemos teu rosto que morreu.
Hoje, ontem e amanhã se comem caminhando,
consumimos um dia como uma vaca ardente,
nosso gado espera com os dias contados,
mas em teu coração pôs sua farinha o tempo,
meu amor construiu um forno com barro de Temuco:
tu és o pão de cada dia para minha alma.
Eu não te amo como se fosse rosa de sal ou topázio
ou a flecha de cravos que propagam o fogo
Eu te amo como certas coisas obscuras devem ser amadas
Em segredo entre a sombra e a alma
Eu te amo como a planta que nunca floresce
Mas carrega em si a luz de flores escondidas
Graças a seu amor, uma certa fragrância sólida
Que ascendeu da terra, vive, escura, em meu corpo
Eu te amo sem saber como ou quando, ou onde
Eu te amo diretamente sem complexidades ou orgulho
Assim eu te amo porque não conheço outra maneira que essa
Onde “eu” não existe nem “você”
Tão perto que sua mão no meu peito é minha mão
Tão perto que seus olhos se fecham enquanto eu adormeço
Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.
Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.
Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.
Fui tuyo, fuiste mía. Tu serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.
Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.
...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.
"If you Forget Me"
I want you to know
one thing.
You know how this is:
if I look
at the crystal moon, at the red branch
of the slow autumn at my window,
if I touch
near the fire
the impalpable ash
or the wrinkled body of the log,
everything carries me to you,
as if everything that exists,
aromas, light, metals,
were little boats
that sail
toward those isles of yours that wait for me.
Well, now,
if little by little you stop loving me
I shall stop loving you little by little.
If suddenly
you forget me
do not look for me,
for I shall already have forgotten you.
If you think it long and mad,
the wind of banners
that passes through my life,
and you decide
to leave me at the shore
of the heart where I have roots,
remember
that on that day,
at that hour,
I shall lift my arms
and my roots will set off
to seek another land.
But
if each day,
each hour,
you feel that you are destined for me
with implacable sweetness,
if each day a flower
climbs up to your lips to seek me,
ah my love, ah my own,
in me all that fire is repeated,
in me nothing is extinguished or forgotten,
my love feeds on your love, beloved,
and as long as you live it will be in your arms
without leaving mine
Amazonas
Amazonas,
capital das sílabas da água,
pai patriarca,és
a eternidade secreta
das fecundações,
te caem os rios como aves, te cobrem
os pistilos cor de incêndio,
os grandes troncos mortos te povoam de perfume,
a lua não pode vigiar-te ou medir-te.
És carregado de esperma verde
como árvore nupcial, és prateado
pela primavera selvagem,
és avermelhado de madeiras,
azul entre a lua das pedras,
vestido de vapor ferruginoso,
lento como um caminho de planeta.