Textos de Pablo Neruda
Para meu coração basta teu peito
para tua liberdade bastam minhas asas.
Desde minha boca chegará até o céu
o que estava dormindo sobre tua alma.
E em ti a ilusão de cada dia.
Chegas como o sereno às corolas.
Escavas o horizonte com tua ausência
Eternamente em fuga como a onda.
Eu disse que cantavas no vento
como os pinheiros e como os hastes.
Como eles és alta e taciturna.
e entristeces prontamente, como uma viagem.
Acolhedora como um velho caminho.
Te povoa ecos e vozes nostálgicas.
eu despertei e as vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam em tua alma.
Não estejas longe de mim um só dia, porque como,
porque, não sei dizê-lo, é comprido o dia,
e te estarei esperando como nas estações
quando em alguma parte dormitaram os trens.
Não te vás por uma hora porque então
nessa hora se juntam as gotas do desvelo
e talvez toda a fumaça que anda buscando casa venha matar ainda meu coração perdido
Ai que não se quebrante tua silhueta na areia,
ai que não voem tuas pálpebras na ausência:
não te vás por um minuto, bem-amada,
porque nesse minuto terás ido tão longe
que eu cruzarei toda a terra perguntando
se voltarás ou se me deixarás morrendo
Se eu morrer, sobrevive a mim com tamanha força
que acordarás as fúrias do pálido e do frio,
de sul a sul, ergue teus olhos indeléveis,
de sol a sol sonha através de tua boca cantante.
Não quero que tua risada ou teus passos hesitem.
Não quero que minha herança de alegria morra.
Não me chames. Estou ausente.
Vive em minha ausência como em uma casa.
A ausência é uma casa tão rápida
que dentro passarás pelas paredes
e pendurarás quadros no ar.
A ausência é uma casa tão transparente
que eu, morto, te verei, vivendo,
e se sofreres, meu amor, eu morrerei novamente.
XVII
I do not love you as if you were salt-rose, or topaz,
or the arrow of carnations the fire shoots off.
I love you as certain dark things are to be loved,
in secret, between the shadow and the soul.
I love you as the plant that never blooms
but carries in itself the light of hidden flowers;
thanks to your love, a certain solid fragrance,
risen from the earth, lives darkly in my body.
I love you without knowing how, or when, or from where.
I love you straightforwardly, without complexities or pride;
so I love you because I know no other way
Than this: where “I” does not exist, nor “you”,
so close that your hand on my chest is my hand,
so close that your eyes close as I fall asleep.
Assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.
Nota: Trecho do poema "É assim que te quero, amor" de Pablo Neruda
Foi nessa idade que a poesia me veio buscar
Não sei de onde veio
Do inverno, de um rio
Não sei como nem quando
Não, não eram vozes
Não eram palavras
Nem silêncio
Mas da rua fui convocado
Dos galhos da noite
Abruptamente entre outros
Entre fogos violentos
Voltando sozinho
Lá estava eu sem rosto
E fui tocado.
Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.
Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía;
Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.
Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.
Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.
Quero quando eu morrer, tuas mãos em meus olhos:
quero a luz, quero o trigo de tuas mãos amadas
passar uma vez mais sobre mim essa doçura:
sentir tua suavidade que mudou meu destino.
Quero que vivas enquanto, adormecido,
espero que teus olhos sigam ouvindo o vento,
que sintas o perfume do mar que amamos juntos
e que sigas pisando a areia que pisamos.
Quero que o que amo siga vivo
e a ti amei e cantei sobre todas as coisas,
por isso segues florescendo, florida,
para que alcances tudo o que meu amor te ordena,
para que passeie minha sombra por teus cabelos,
para que assim conheçam a razão de meu canto.
CINCO COISAS
Quando um dia eu for embora
Quando então me despedir
Pedirei apenas silêncio
E mais cinco coisas
Minhas cinco verdades perfeitas
Cinco coisas e nada mais.
A primeira é o amor sem fim
Amor pelas pessoas
Pelas árvores pelas flores
Amor pelos animais.
A segunda é rever o outono
Com suas folhas sopradas
Sobre a terra à qual voltaremos.
A terceira é o inverno rigoroso
A chuva que amei, o calor do fogo
A aquecer nossas noites eternas.
Em quarto lugar, o verão ardente
Redonda fruta vermelha
Pairando sobre o meu paladar.
A última coisa que eu peço
São teus olhos, meu amor,
Não quero dormir sem os olhos teus
Não posso viver sem o teu olhar
Eu trocaria o sol da primavera
Para que continuasses me olhando.
Isso, enfim, o que mais quero
É quase nada e quase tudo.
Nota: Adaptação de trechos do poema "Peço silêncio" de Pablo Neruda
Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.
Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.
(...)
Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas.
Se todos os rios são doces, de onde o mar tira o sal?
Como sabem as estações do ano que devem trocar de camisa?
Por que são tão lentas no inverno e tão agitadas depois?
E como as raízes sabem que devem alçar-se até a luz e saudar o ar com tantas flores e cores?
É sempre a mesma primavera que repete seu papel?
E o outono?... ele chega legalmente ou é uma estação clandestina?
O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Nota: Trecho do poema "O teu riso"
Esperemos
Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.
O que uma lagosta tece lá em baixo com seus pés dourados?
Respondo que o oceano sabe.
Por quem a medusa espera em sua veste transparente?
Está esperando pelo tempo, como tu.
Quem as algas apertam em teus braços?, perguntas mais firme que uma hora e um mar certos?
Eu sei perguntas sobre a presa branca do narval e eu respondo contando como o unicórnio do mar, arpado, morre.
Perguntas sobre as plumas do rei-pescador que vibram nas puras primaveras dos mares do sul.
Quero te contar que o oceano sabe isto: que a vida, em seus estojos de jóias, é infinita como a areia incontável, pura; e o tempo, entre uvas cor de sangue tornou a pedra lisa encheu a água-viva de luz, desfez o seu nó, soltou seus fios musicais de uma cornucópia feita de infinita madrepérola.
Sou só uma rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão e de dedos habituados à longitude do tímido globo de uma laranja. Caminho como tu, investigando as estrelas sem fim e em minha rede, durante a noite, acordo nu. A única coisa capturada é um peixe dentro do vento.
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.
(...) mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.
quando os meus passos se forem,
quando os meus passos voltarem,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas o teu riso nunca
porque sem ele morreria.
And because love battles
(...)
And I in these lines say:
Like this I want you, love,
love, Like this I love you,
as you dress
and how your hair lifts up
and how your mouth smiles,
light as the water
of the spring upon the pure stones,
Like this I love you, beloved.
To bread I do not ask to teach me
but only not to lack during every day of life.
I don't know anything about light, from where
it comes nor where it goes,
I only want the light to light up,
I do not ask to the night
explanations,
I wait for it and it envelops me,
And so you, bread and light
And shadow are.
You came to my life
with what you were bringing,
made
of light and bread and shadow I expected you,
and Like this I need you,
Like this I love you,
and to those who want to hear tomorrow
that which I will not tell them, let them read it here,
and let them back off today because it is early
for these arguments.
Tomorrow we will only give them
a leaf of the tree of our love, a leaf
which will fall on the earth
like if it had been made by our lips
like a kiss which falls
from our invincible heights
to show the fire and the tenderness
of a true love.
O Inseto
Das tuas ancas aos teus pés
quero fazer uma longa viagem.
Sou mais pequeno que um inseto.
Percorro estas colinas,
são da cor da aveia,
têm trilhos estreitos
que só eu conheço,
centímetros queimados,
pálidas perspectivas.
Há aqui um monte.
Nunca dele sairei.
Oh que musgo gigante!
E uma cratera, uma rosa
de fogo umedecido!
Pelas tuas pernas desço
tecendo uma espiral
ou adormecendo na viagem
e alcanço os teus joelhos
duma dureza redonda
como os ásperos cumes
dum claro continente.
Para teus pés resvalo
para as oito aberturas
dos teus dedos agudos,
lentos, peninsulares,
e deles para o vazio
do lençol branco
caio, procurando cego
e faminto teu contorno
de vaso escaldante!
XLVIII
Dois amantes ditosos fazem um só pão,
uma só gota de lua na erva,
deixam andando duas sombras que se reúnem,
deixam um só sol vazio numa cama.
De todas as verdades escolheram o dia:
não se ataram com fios senão com um aroma,
e não despedaçaram a paz nem as palavras.
A ventura é uma torre transparente.
O ar, o vinho vão com os dois amantes,
a noite lhes oferta suas ditosas pétalas,
tem direito a todos os cravos.
Dois amantes felizes não tem fim nem morte,
nascem e morrem muitas vezes enquanto vivem,
tem da natureza a eternidade.
Áspero amor, violeta coroada de espinhos,
cipoal entre tantas paixões eriçado,
lança das dores, corola da cólera,
por que caminhos e como te dirigiste a minha alma?
Por que precipitaste teu fogo doloroso,
de repente, entre as folhas frias de meu caminho?
Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?
Que flor, que pedra, que fumaça mostraram minha morada?
O certo é que tremeu a noite pavorosa,
a aurora encheu todas as taças com seu vinho
e o sol estabeleceu sua presença celeste,
enquanto o cruel amor sem trégua me cercava,
até que lacerando-me com espadas e espinhos
abriu no coração um caminho queimante.
Per il mio cuore basta il tuo petto,
per la tua libertà bastano le mie ali.
Dalla mia bocca arriverà fino in cielo
ciò che stava sopito sulla tua anima.
E' in te l'illusione di ogni giorno.
Giungi come la rugiada sulle corolle.
Scavi l'orizzonte con la tua assenza.
Eternamente in fuga come l'onda.
Ho detto che cantavi nel vento
come i pini e come gli alberi maestri delle navi.
Come quelli sei alta e taciturna.
E di colpo ti rattristi, come un viaggio.
Accogliente come una vecchia strada.
Ti popolano echi e voci nostalgiche.
Io mi sono svegliato e a volte migrano e fuggono
gli uccelli che dormivano nella tua anima.