O Natal é um momento mágico, que nos enche de felicidade e inspiração. Nesse sentido, os amantes da literatura podem afirmar que os livros proporcionam uma experiência bem semelhante.
Para unir esses dois temas especiais, separamos alguns poemas de Natal escritos por autores brasileiros, portugueses e de outras nacionalidades que são famosos e atemporais.
Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal.
E o frio que ainda é pior.
E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.
Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.Fernando Pessoa
O que fizeram do Natal
Natal.
O sino longe toca fino,
Não tem neves, não tem gelos.
Natal.
Já nasceu o deus menino.
As beatas foram ver,
encontraram o coitadinho
( Natal)
mais o boi mais o burrinho
e lá em cima
a estrelinha alumiando.
Natal.As beatas ajoelharam
e adoraram o deus nuzinho
mas as filhas das beatas
e os namorados das filhas,
mas as filhas das beatas
foram dançar black-bottom
nos clubes sem presépio.Carlos Drummond de Andrade
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.Vinicius de Moraes
Natal
Que você, nesse Natal,
entenda o real sentido
da data em que veio ao mundo
um homem bom, destemido
e que o dono da festa
não possa ser esquecido.Vindo lá do Polo Norte
num trenó cheio de luz
Papai Noel é lembrado
muito mais do que Jesus.
Ô balança incoerente
onde um saco de presente
pesa mais que uma cruz.Sei que dar presente é bom
mas bom mesmo é ser presente
ser amigo, ser parceiro
ser o abraço mais quente
permitir que nossos olhos
não enxerguem só a gente.Que você, nesse momento,
faça uma reflexão
independente de crença,
de fé, de religião
pratique o bem sem parar
pois não adianta orar
se não existe ação.Alimente um faminto
que vive no meio da rua,
agasalhe um indigente
coberto só pela lua,
sua parte é ajudar
e o mundo pode mudar
cada um fazendo a sua.Abrace um desconhecido,
perdoe quem lhe feriu,
se esforce pra reerguer
um amigo que caiu
e tente dar esperança
pra alguém que desistiu.Convença quem está triste
que vale a pena sorrir,
aconselhe quem parou
que ainda dá pra seguir,
e pr’aquele que errou
dá tempo de corrigir.Faça o bem por qualquer um
sem perguntar o porquê,
parece fora de moda
soa meio que clichê,
mas quando se ajuda alguém
o ajudado é você.Que você possa ser bom
começando de janeiro
e que esse sentimento
seja firme e verdadeiro.
Que você viva o Natal
todo ano, o ano inteiro.Bráulio Bessa
Canto de Natal
O nosso menino
Nasceu em Belém.
Nasceu tão-somente
Para querer bem.Nasceu sobre as palhas
O nosso menino.
Mas a mãe sabia
Que ele era divino.Vem para sofrer
A morte na cruz,
O nosso menino.
Seu nome é Jesus.Por nós ele aceita
O humano destino:
Louvemos a glória
De Jesus menino.Manuel Bandeira
Natal
Ninguém o viu nascer.
Mas todos acreditam
Que nasceu.
É um menino e é Deus.
Na Páscoa vai morrer, já homem,
Porque entretanto cresceu
E recebeu
A missão singular
De carregar a cruz da nossa redenção.
Agora, nos cueiros da imaginação,
Sorri apenas
A quem vem,
Enquanto a Mãe,
Também
Imaginada,
Com ele ao colo,
Se enternece
E enternece
Os corações,
Cúmplice do milagre, que acontece
Todos os anos e em todas as nações.Miguel Torga
Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.
Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!Fernando Pessoa
Soneto de Natal
Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto . . . A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"Machado de Assis
Voto de Natal
Acenda-se de novo o Presépio no Mundo!
Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!
Como quem na corrida entrega o testemunho,
passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.E a corrida que siga, o facho não se apague!
Eu aperto no peito uma rosa de cinza.
Dai-me o brando calor da vossa ingenuidade,
para sentir no peito a rosa reflorida!Filhos, as vossas mãos! E a solidão estremece,
como a casca do ovo ao latejar-lhe vida…
Mas a noite infinita enfrenta a vida breve:
dentro de mim não sei qual é que se eterniza.Extinga-se o rumor, dissipem-se os fantasmas!
O calor destas mãos nos meus dedos tão frios?
Acende-se de novo o Presépio nas almas.
Acende-se Jesus nos olhos dos meus filhos.David Mourão-Ferreira
Hino dos Reis Magos
Entre pobreza e miséria,
Em singela habitação
É nascido o Deus-Menino
Para a nossa salvação.
Povos e reis, adorai-o,
É nascido o Redentor:
Vem viver, sofrer na terra.
Vem morrer por nosso amor.
Deixou a corte celeste
E as galas ricas dos céus,
Quem entre os homens é Homem,
Quem entre os anjos é Deus.
Povos e reis, adorai-o,
É nascido o Redentor:
Vem viver, sofrer na terra,
Vem morrer por nosso amor.
Lá das partes do Oriente,
Deixando os domínios seus,
Vêm os Magos pôr as coroas.
Aos pés do Menino-Deus.
Povos e reis, adorai-o,
É nascido o Redentor:
Vem viver, sofrer na terra.
Vem morrer por nosso amor.
Vêm oferecer os presentes
Que a Arábia Feliz produz.
Louvor a Deus nas alturas,
Louvor na terra a Jesus.
Povos e reis, adorai-o,
É nascido o Redentor:
Vem viver, sofrer na terra.
Vem morrer por nosso amor.Gonçalves Dias
Último Natal
Menino Jesus, que nasces
Quando eu morro,
E trazes a paz
Que não levo,
O poema que te devo
Desde que te aninhei
No entendimento,
E nunca te paguei
A contento
Da devoção,
Mal entoado,
Aqui te fica mais uma vez
Aos pés,
Como um tição
Apagado,
Sem calor que os aqueça.
Como ele me desobrigo e desengano:
És divino, e eu sou humano,
Não há poesia em mim que te mereça.Miguel Torga
Último poema
É Natal, nunca estive tão só.
Nem sequer neva como nos versos
do Pessoa ou nos bosques
da Nova Inglaterra.
Deixo os olhos correr
entre o fulgor dos cravos
e os dióspiros ardendo na sombra.
Quem assim tem o verão
dentro de casa
não devia queixar-se de estar só,
não devia.Eugénio de Andrade
Natal
Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.Fernando Pessoa
arvorezinha
arvorezinha quietinha de natal
você é tão pequenina
mais parece uma flor
quem te achou na mata verde
e você ficou tristinha por que te levaram?
olha vou te consolar
porque seu cheiro é tão gostoso
vou beijar sua casca fresca
e te abraçar bem apertado
que nem sua mãe faria
é só não ter medo
olha os enfeites
que dormem o ano todo numa caixa escura
sonhando sair de lá pra que possam brilhar
as bolas o colar vermelho e dourado e os fios macios
levanta seus bracinhos
que eu vou te dar todos pra segurar
cada dedo com seu anel
e não vai sobrar nenhum lugar triste ou escuro
aí, você bem vestida,
vai ficar na janela pra todo mundo ver
e como vão olhar!
e você vai ficar muito orgulhosa
e minha irmãzinha e eu vamos dar as mãos
e olhar nossa árvore linda
vamos cantar e dançar
“Noel Noel”e. e. cummings
O Natal da escola
O Natal vai à escola
com roupas de fantasia;
num bolso leva os sonhos
e no outro a poesia.
O Natal pousa nos livros,
no quadro e nas carteiras
e deixa um pó de estrelas
no fundo das algibeiras.
E até o telemóvel,
que na aula não deve entrar,
quando toca de repente
é o Natal que vem lembrar.
O Natal entra na escola,
na mochila e nos cadernos
e segreda ao ouvido
os votos que são eternos.
O Natal é o recreio
que a campainha anuncia;
todos celebram contentes
O sentido desse dia.
José Jorge Letria
Natal
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.
Manuel Alegre
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