Textos de Amizade- Marilyn Monroe
A MENINA E O PATINHO
Um dia, um poeta foi pai
De uma menina pequenina
Engraçadinha e redondinha
Que era o seu ai, ai.
Dava-lhe tudo o que ela pedia
Mesmo quando a menina cresceu
Em idade e sabedoria
Pela graça que Deus lhe deu.
E a menina cresceu, cresceu
E ficou sempre pequenina
E redondinha
Mas não de fala mansinha.
E o poeta lembrou-se do antanho
Quando lhe comprou um patinho
Pequenino, amarelinho
E fez-lhe um pequeno laguinho
Onde ela e o pato tomavam banho.
Um dia, o patinho morreu.
A menina, graças, ainda é viva
Mas muito cruel e altiva.
Então esse poeta como eu
Resolveu
Não querer comprar mais patinhos
Amarelinhos
Nem fazer mais laguinhos.
(Carlos De Castro, in Outeiro de Pena, 29-06-2022)
TANTA PAZ DEITADA FORA
E eu tanto queria tê-la
Absorvê-la
Como moribundo
Das dores do coração
Senti-la como divina graça
Como luz rápida que passa
No instantâneo
Naquela desintoxicação
De a sentir ao bebê-la
Nesta taça de emoção
Ainda que momentâneo.
Escorre a paz em sangue esvaída
Nas sarjetas
Da vida
Com os dejetos que expelem fedegosos
Os poderosos
Pelas bocas e rabos proxenetas.
Tanta paz deitada fora
Pura e tão cristalina
E eu tanto queria tê-la
Agora
Neste coração de má-sina.
(Carlos de Castro, In S. Pedro de Aldriz, 30-06-2022)
PERDIÇÃO
Meu pai de sangue:
Como se chapa a massa na parede
A de cimento, barro e areias
Como tu fazes com tanta arte?
E meu pai de sangue, respondia sempre:
Oh, tira isso das tuas ideias...
Já me está na massa do sangue e do ser
À parte,
À custa de tantas tareias para aprender.
E eu insistia com meu pai de sangue:
Qual o teu segredo
Daqueles tetos de gesso
Tão belos e singelos
Feitos por tuas mãos ressequidas?
E meu pai de sangue, já irado, respondia sempre:
Oh, isso foi sinal de aprender noutras vidas,
Umas a medo e outras por ser travesso
Revesso
Como tu, retrato do meu segredo...
Nunca mais entrei em bravatas
Chatas
De perguntar a meu pai
Que já lá vai
O porquê de ser artista daquele dom então,
Porque sei que me diria:
Nasceste para ser trolha, um dia
Como eu, sem mais tretas.
Porém, escolheste as letras
Malditas dos poetas
Que te levam à perdição!
(Carlos De Castro, in Minas da Minhoteira, 01-07-2022)
NAUFRÁGIO
Quem me leva para Galiza?
Meu barco ficou atolado
Quase afundado
Na Boca do Inferno
De Cascais da Costa da Guia
Inda quase a noite era já de dia
Com o leme despedaçado
Quando eu apontava no caderno
O norte onde eu queria
Alcançar a terra do meu fado.
Quem me leva para Galiza?
Às minhas amadas ilhas de Cies e Ons
Mágicas de vidas de outros sons
E tantas saudades das Sisargas
E a amada de San Simon
Onde repousa o coração
Do amigo das costas largas
Que a onda arrebatou em Medal
Na trágica noite do temporal...
Quem me leva para Galiza?
A terra verdadeira dos meus astros...
Se lá não voltar em vida
Certinho será na muerte
Consorte
Requerida
E então abraçarei meus avoengos
Velhinhos mas solarengos
Os meus saudosos Castros.
(Carlos De Castro, in Boca do Inferno de Cascais, 02-07-2022)
ESCURO
Minha alma só tranquiliza
No negro da noite dos vendavais.
É aí que ela encontra refrigério
No sossego do mistério
Daquela brisa
Que batiza
Hipnotiza,
Acalma
E exorciza
Os espíritos malignos
Nos malfadados signos
Dos mortais.
(Carlos De Castro, in Terra onde não se faz Censura, 04-07-2022)
A MINHA CARTA A GARCIA
Neste corpo a quebrar, há sinais
De várias cores a assinalar
As etapas de uma vida de ais
E de outras mais coloridas de pintar
As telas rudes do meu mar.
De estrelas belas a brilhar
Sobre as negras ondas
Das marés longas
Deste viver sem ainda saber
Do vir, do estar e do que sou
Entre esferas de milhões por ter
Vergonha de ser
Incrédulo, sem primeiro ver.
Então, quero antes desaparecer
Entre as brumas
De espumas
Sem ler
O epitáfio já reservado:
"Aqui jaz um inconformado
Que da vida só leva um fado,
A sua carta a Garcia,
Na escura noite da luz do dia."
(Carlos De Castro, in Poesia Só e Chega, em 16-07-2022)
F O R Ç A S
Ó, forças que me assediais
E tirais as forças verdadeiras
Do meu viver, traiçoeiras.
Deixai-me, ó tiranas
Forças negativas, profanas
Ser
Só eu,
Do meu ser,
Como quando minha mãe
Que deus tem,
Me deu ao mundo
Rubicundo,
Na esperança
Bonança,
Da vida sem forças
Do mal,
Como corças
Que saltam sem barreiras,
Em pleno salto mortal.
(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 16-07-2022)
SE EU MANDASSE
Oh, se eu mandasse nos tempos
E nas vidas das mentes
Decretava aos quatro ventos
Mesmo que cinzentos
E sem mais lamentos:
Quem for de mente que não mente
Nem demente
Nunca deve morrer depois dos poetas!
Deve partir ao mesmo tempo de todos,
Porque os poetas
Mesmo que anacoretas,
Nasceram para escrever a rodos
Imagens de pinturas primárias
Que animam o mortal
A viver uns tempos mais
Na vida dos arraiais
Porque afinal,
É no sonho de outras vidas planetárias
Que os viventes cantam outras árias
Cantigas, a uma só voz
Por mim, por ti e por nós.
(Carlos De Castro, in Morra A Censura, em 19-07-2022)
PLENA MADRUGADA
No calor tórrido da noite
Dos lençóis suados,
Eu fujo para o pátio velho
Cá fora, em plena madrugada.
Ali, eu oiço a cantiga das corujas
Rabujas,
Vejo as estrelas em rodopios
Bailando para todos os lados,
No reluzir dos pirilampos vadios
Prateados e dourados.
Aspiro aquele alísio vento
Quente mas húmido que refresca
O rosto que arde num tormento
De quentura
E formatura
Vampiresca.
A manhã, apanhou-me a dormir
Na velha cadeira
Muito usada e costumeira,
Minha confidente de anos
De tantos enganos.
Meu Deus, como é bom fugir
Aos lençóis do calor dantesco
Meter os pés ao caminho
E de mansinho,
Pela calada vir
Apanhar o fresco,
Cá fora, em plena madrugada.
(Carlos De Castro, in Poesia num País Sem Censura, em 20-07-2022)
CHORO CONVULSO
Velhinha casinha, meu ninho
E chão do meu pão,
Hoje, somente uma visão.
Ai, aquela chorosa ramada
Fresquinha
E também velhinha,
Onde à sombra minha avó catava
Os meus piolhos da miséria
Nos verões de canícula séria
E depois, adormecíamos os dois
De barriga tão vazia
Como quem cava nas hortas
O silêncio das horas mortas.
Hoje, nem telhados e paredes
Ou janelas, nem sequer portas...
A vida, é um circo de redes
E trapézios tão fatais
Onde há luzes e sons e ais,
Mas quando morrem os mortais
Morre tudo como vedes,
Levados num remoinho
Como a velhinha casinha, meu ninho.
(Carlos De Castro, In Poesia Do Meu Chorar, em 21-07-2022)
POEMA PARA UM IRMÃO QUE NUNCA TIVE
Nasci só para ser só!
Tão só
Que quando nasci
E a luz vi
Disse a minha mãe:
Vê se me trazes um irmão,
Para podermos jogar ao pião...
E os partos dolorosos
Sulfurosos
De minha mãe, continuaram...
Nove anos, após o primeiro passaram
Depois do pedido feito
A minha mãe,
Agora no Além
Mas sem efeito
A súplica minha,
Talvez mesquinha.
E então, cá fiquei até agora
Sem aurora
Neste inverno da vida
Que nunca foi vida, não,
Sem ti, meu imaginado irmão!
Que triste é morrer
Sem ter
A costela de um irmão
Encostada à minha que vive
À espera desse irmão
Que nunca tive.
(Carlos De Castro, in Poesia de Mim Só, em 26-07-2022)
INCOMPATIBILIDADES
Pareciam dois namorados
Apaixonados
Mas irrascíveis no fundo,
Temíveis no seu mundo.
Ele, chamava por ela
E ela,
Não respondia
Nem de noite nem de dia.
Depois ela, traiçoeira,
Chamava por ele na ciumeira
De o ver noutros braços
Madraços
Gaudérios
De mistérios
Vagabundos
Dos submundos
E ele não respondia
Nem de noite nem de dia.
E o romance
Por ser só rimance
Sem mais alcance,
Findou.
O poeta, ficou sem a poesia
E esta, de forma direta
Por ser infiel e vadia,
Nunca mais viu o poeta.
(Carlos De Castro, in Poesia Infinita, em 27-07-2022)
PRAGAS E MAUS OLHADOS
Rude destino
Este que só me deixou
Desde menino
Ser o que sou
Sem ser o que queria:
Ator de ganha pão,
Cantor,
Escritor,
Poeta maldito,
Sonhador proscrito,
Padre,
Frade,
Na madre
Mãe do meu grito.
Maldito destino,
Espírito atroz,
Sem letra nem hino,
Demoníaco,
Algoz,
Cardíaco!
Maldita praga
Aziaga,
Me rogaram!
Aterrador olhar me deitaram
Logo à nascença,
Ou talvez até quando espreitaram
A barriga de minha mãe,
Quando como uma prensa
Começou a inchar
A crescer,
A medrar...
(Carlos De Castro, in Poesia num País Sem Censura, em 28-07-2022)
O FLAMENCO DA POVEIRA
Como ela dançava e cantava o flamenco
Nas praças da minha infância,
À compita com Juvenço
Moço tropa de bota alta
Tipo peralta,
Mas homem sem substância.
Rodopiava louca
E batia em sincronia
O tacão
Dos sapatos da ilusão
E cantava com voz rouca,
Já com energia pouca,
Nos tempos de servidão.
Emília, a ti Poveira,
Mulher de raça
Sem trapaça
E dos copos
Só, sem tremoços,
Que a esmola não dava trocos
Para mais que o copito
Absorvido
Engolido
De súpeto
Feito ímpeto
Na garganta ressequida,
Ferida,
Naquela tarde de esfolar o pito.
(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 30-07-2022)
QUANDO O MALABARISTA É TAMBÉM MANIPULADOR
Nasceu na ralé dos seres impuros
Fruto de sexos inseguros
De sífilis que atacavam a esmo
Mesmo
Quando procriavam
No cio que inventavam.
Mostrava cabeladura farta
Escondendo nos entrefolhos
Rimas e rimas de piolhos
À conquista da cidade
Que não era dele na idade
Nem na pureza das raças
Das couraças
Da verdade tripeira
Por inteira.
Tocava, diz com nostalgia,
Em conjunto de esfolar ao bicho
Nas guitarras e batuques do prolixo
Que vozes, de verdade não havia!
Hoje, um dos tantos vadios,
Homem sem caráter e de palavra falsa,
Arranjou uma senhora de brios
E faz relação com ela, como se fosse valsa
Dançada ao som da vaca fria.
É um malabarista
Que se diz artista
De manipulador,
Esterco, o estupor.
(Carlos De Castro, in Praia dos Pescadores, em 31.07.2022)
C O N S T R U O
Construo.
Pontes e açudes,
Casas e palheiras,
Amizades rudes,
Pipas de almudes,
Sem vinho de levar
À construção
Das bebedeiras
Por embebedar.
Na singular
Imaginação
De tantas asneiras
E maluqueiras
Ainda por contar
Nestas construções
Sem alicerces de raiz,
Nem tetos,
Só ilusões
Como a vida
Que não chega a netos,
Sem bons arquitetos.
Num desabafo, eu digo:
Gosto mais de construir
O meu dia sereninho
Como um passarito
Bonito,
Constrói também o seu ninho
Com os fios do chão
Que a natureza dá de mão,
A cada pobre irmão.
(Carlos De Castro, in Poesia num País Sem Censura, em 01-08-2022)
DORME MINH'ALMA
Que felicidade, que maldita sorte!
Conseguir que a minha durma!
Mesmo sem ser já na morte
Nem nas vésperas da soturna!
Dorme, minha alma, dorme
Em teus lençóis, tão tranquila
Enquanto descansa a fome,
Da minha miséria sibila.
Ó, forças da natureza,
Deixai minh'alma dormir
Em silêncio e singeleza,
Na incerteza do que há de vir...
Lá, pelas encostas da vida,
Naquelas montanhas de calma,
Eu peço, eu rogo à gente dormida,
Que deixem dormir a minh'alma!
(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 02-08-2022)
CIGARROS QUE NÃO FUMO
Antes de sair de casa eu disse e redisse:
Até logo, eu volto já
Ao meu lar,
Vou só ali ao quiosque comprar
Cigarros,
Escarros,
De grumo
Que não fumo.
E fui ao quiosque da esquina
Do meu esquinal
E, não me levem a mal:
Foi aí que encontrei
E desejei
Uma mulher pequenina
A vaguear no seu andar sem rumo,
Junto ao quiosque do meu fumo,
Que ficava naquela esquina.
Intestina
Da minha esfumada sina
Que já foi de nicotina,
Mas ao conhecer a pequenina
Deixei tão amarga amarra
O fumo, ao som de uma guitarra.
Farra,
Louca por amar
E nunca,
Nunca
Mais voltei ao meu lar...
(Carlos De Castro, in Poesia num País Sem Censura, em 05-08-2022)
SENTIR SEM TI
Senti em mim
Até que enfim,
Que o dia
Quando nascia,
Era já noite para mim.
E assim, em sinfonia,
Se o fosse, eu completaria
O ciclo atroz da morte,
Que de outra sorte
Numa centelha de luz
Que mesmo apagada,
Reluz
Na madrugada,
Momento de enganar a morte,
Eu escolheria.
E daria
As voltas à vil tosa,
Engenhosa,
Manhosa,
Fantasiosa,
Folclórica
Esclerótica.
Essa feia patuta
Bruta
Infiel
Cruel
E já em desnorte.
Viva a vida
Morte, à morte!
(Carlos De Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 19-08-2022)
TRISTE QUIETUDE
As árvores cansadas da dor
Deixavam cair seus braços tão tristes
E o sol castigava as pedras do chão
Como ferro quente a marcar o gado,
Na tarde já morta de sede.
Só uns cabelos de oiro
Esvoaçavam loucos na brisa infernal...
Eram os teus procurando os meus,
Na triste quietude da tarde defunta.
Fugiram os pássaros e tudo o que é vida
Da vida que tem sangue nas veias.
Dolorosamente, em prantos de cinzas
As árvores tornaram-se pó
E os ramos partiram-se numa chuva
De mil pedaços queimados.
O sol escondeu-se amedrontado;
A tarde e a brisa quente
Feneceram de saudade.
Só ficaram os teus cabelos de oiro
Sempre à procura dos meus,
Revoltos na triste quietude...
Mas tudo tão inútil.
(Carlos de Castro, in Poesia Num País Sem Censura, em 27-08-2022)