Texto para Animar uma Pessoa
Salvar o Homem -
Para manter-se,
literalmente, ainda vivo,
um poeta, um artista, precisa,
por muitas vezes,
ignorar sua arte.
Largar de mão da visão artística
na maneira como enxerga
as coisas — a vida — e encarar
coisas mais comuns (que, naturalmente, também fazem parte
do seu dia a dia),
de maneira mais crua, mais vazia,
mais real:
Uma conversa estúpida,
com pessoas
estúpidas;
Uma pia de pratos sujos;
Um bico para ganhar alguns
trocados ou um emprego
maçante;
A não compreensão, a não
valorização da sua
arte;
A rejeição, o vazio de algumas pessoas, de alguns sentimentos,
de alguns sonhos — da vida.
É nessa hora que ele precisa
entender que, às vezes,
é preciso matar o poeta, o artista
para salvar o homem.
Pequenino -
Ninguém encara a solidão
de um chão de banheiro
sujo e frio, e finge
chorar.
Já interrompi um banho
porque havia um pequenino inseto
se afogando naquela água
de lágrimas e sabão.
Só queria que os meus problemas ficassem do tamanho que eles realmente são.
E não do tamanho que eu os transformo e eles transformam-me.
No Limite -
É uma noite maldormida por anos;
Dias que não amanhecem ou
nunca acabam;
É um desânimo crônico
estendido;
Uma falta... excessos... solidão.
É um não trabalho;
um não relacionamento;
uma não realização — pequenas e repetidas rejeições diárias — invisíveis aos outros.
Invisíveis a todos
os outros.
São dias cheios de coisas vazias,
em que nada acontece
e,
aparentemente
são nesses dias em que
"nada acontece",
que pessoas esgotadas,
saturadas — no limite —
desistem de
tudo.
Mistura Ácida -
Agora são
exatamente 3h37 de uma
madrugada quente de
novembro.
E neste momento
tudo que preciso fazer
é dormir.
Apenas dormir.
Mas dormir é tudo que eu
não consigo fazer.
As notícias correm,
palavras vêm e vão de um lado
para o outro dentro da minha
cabeça que não sossega,
não se desliga.
Uma mistura ácida de lembranças presentes, desejos reprimidos e saudades incuráveis.
Que noite:
enquanto todas as outras pessoas, bem ou mal,
tocam suas vidas em
frente,
tudo que eu consigo fazer
é sentir-me completamente parado, travado, inútil — perdido.
Esta Página -
Quando um dia,
se um dia, tu chegares
até esta página e leres estas linhas,
saibas que eu terei te amado
a cada dia:
De sol ou de chuva ou naqueles em que há de tudo um pouco, e
nada de mais há.
Terei te amado a cada noite escura
ou de luar, e, quem sabe, nos
sonhos das madrugadas
mais solitárias.
Terei te amado sempre que tu sorriste ou choraste, ou não fizeste nem uma coisa nem outra.
Terei te amado a cada falta tua,
a cada lembrança tua, a cada
saudade da gente,
Pequena.
Sim,
eu terei te amado, inevitavelmente,
a cada segundo antes que tu
chegaste até aqui — nesta página,
com estas linhas, estes versos.
E,
talvez
continuarei a te amar
mesmo depois que tu enxugares
o rosto, fechares o livro e
esqueceres-me numa
noite de um sábado
qualquer da tua
vida.
O Peso -
O peso da idade é sentido nas costas, ombros, braços, pernas, ossos e articulações doloridas.
Na falta de força e resistência e vitalidade de outrora.
Os restos acumulados de esforços repetitivos, horas extras, noites maldormidas, estresse, e a fragilidade natural do corpo no passar dos anos denunciam: estamos ficando velhos (ainda que tenhamos um espírito jovem).
Mas o verdadeiro peso da idade sente-se mesmo é na consciência: na realidade de todas as decisões e escolhas feitas.
O Calendário -
Em cima da mesa uma bandeja com ovos, uma cesta com algumas frutas, uma lata de óleo, remédios, pães e biscoitos.
Ainda na mesa à esquerda, uma garrafa de vinho tinto pela metade e uma de café cheia.
No centro facas e garfos e colheres dentro de um prato transparente, ao lado de um copo com água.
À direita um maço de cigarros, uma caixa de fósforos e um calendário na beira, meio que suspenso, quase para fora.
Nos rótulos informações nutricionais, composições químicas e advertências.
De tudo ali, o mais cruel, silencioso e implacável era o Calendário - que tudo conhecia, tudo abraçava, tudo devorava - tão certo e tão simples, no Tempo de ser: passado, presente e futuro.
Princípio, meio e fim.
Sendo apenas uma folha qualquer, numa mesa qualquer, numa tarde qualquer, de um dia qualquer, no cruel e silencioso e implacável Tempo de uma vida cronometrada (regressivamente).
Lucidez -
Eu vejo e sinto e pressinto, detalhadamente, a vida e seus sabores e dissabores.
Em cores e sons e sentidos.
Recordo e revivo, com intensidade e nitidez, tudo, ao extremo.
Sinto o Tempo presente no ranger dos ossos e suor da pele;
No medo do desconhecido;
Na poesia dos gestos simples e nobres do meu filho.
Ouço o som do agora no vento que me assanha os cabelos e, neste instante, ameniza o calor do sol, em um quase fim de tarde, de uma quarta-feira qualquer de novembro.
Tenho anseios presentes que deuses me antecipam em pensamentos complexos, desordenados que disparam sinais e alarmes de alerta constantes.
Por quê?
A vida me chega em realidade e sonhos lúcidos:
E é esse o grande desafio; o grande duelo.
Se não, o grande mal.
Para os homens que acreditam
Você é meio louco né?
Que ótimo! Acreditar requer metade de loucura para buscar e metade de loucura para viver.
Eu sei, é difícil, você se entrega quando acredita que encontrou a pessoa certa, sonha, faz planos, imagina uma vida com ela, e quando resolve expor o que sente muitas vezes ela se assusta e se afasta. Normal, não tente entender uma mulher, apesar da maioria reclamar que todos os homens são iguais, quando aparece um diferente elas são bastante analíticas, ficam com medo de viver ou reviver uma ilusão.
Entenda você, não busque a mulher dos seus sonhos, ela só existe lá. Matenha o foco, seja inteiramente, intensamente você. Seja paciente, seja bondoso, seja verdadeiro, seja carinhoso, não olhe para o próprio umbigo, veja nela além do que os outros já viram, olhe-a nos olhos, toque-a no rosto, beije-a na alma, se ela for a pessoa certa haverá reciprocidade, se não for, entenda, não culpe-a, mas se afaste, você não merece ter um coração banhado em lágrimas de expectativas frustradas.
Se a tentativa não deu certo, volte à acreditar novamente.
Perto da Perfeição -
Recordo-me o dia
em que ela havia esquecido
sua garrafa d'água
aqui em casa.
E já depois das cinco horas da tarde
(bem perto daquele instante mágico),
numa quarta-feira chuvosa e fria,
enquanto eu preparava um café,
ela me aparece.
Vem até a cozinha,
onde estou,
e pega sua garrafa.
Olha o horizonte pela janela
enquanto jogamos algumas palavras fora
e se vira
em direção ao corredor.
Então,
de súbito,
eu a pego pelo braço
e a abraço.
Alguns segundos ali:
ela,
eu,
aquele abraço,
sua risada,
seu cheiro,
seus cabelos,
meus pensamentos e desejos,
a chuva e o frio,
o café quentinho,
a Tardezinha...
E ela se vai.
Me deixando a seria impressão de que eu cheguei muito perto da perfeição.
Somos Escravos das Nossas Necessidades -
Eu precisaria ignorar tudo,
tudo que me faz escravo
pela pele,
pela vontade,
pelo desejo.
Junto com esse sentimentalismo escancarado,
descontrolado
por coisas e pessoas.
Isso,
durante,
talvez, uma semana,
duas, um mês, quem sabe.
E talvez assim,
eu encontrasse as respostas necessárias
para me ter de volta primeiro
e poder, enfim,
me dar por inteiro
e são.
Dias Ruins -
Neste instante,
olho pela janela e verifico que
hoje
o sol se pôs sem cerimônia.
E o meu olhar está a fitar
o horizonte
sem graça.
(Salvo erro, claro)...
Há o canto e o voo
dos pássaros.
Há,
ainda,
uma bela mistura de cores
e luzes
e o que eu não vejo.
Mas hoje (triste),
o sol se pôs sem cerimônia.
E enquanto fecho olhos e janelas e cortinas,
abro-me para dentro:
Até os mais soberanos têm dias ruins.
Só Amanhã Passa -
Ei...
Está em sua casa?
Preciso muito te ver.
Conversar,
saber o que tem lido,
quantos objetos quebrou
este mês.
Quero,
por um instante,
parar os meus olhos
nos teus
até você ficar sem graça
e dizer:
"o que foi?"
Olha...
a gente divide um chocolate,
uma canção,
talvez
um verso,
um pensamento,
ou poesia.
Aquela velha piada do Chaves,
naturalmente,
um sorriso ou gargalhada,
sei lá...
Mas
acho melhor
dividirmos caminho:
É que está longe demais
para te abraçar
e dizer que sinto muito...
muito a sua falta.
Desde ontem,
(e só amanhã
passa).
Quinta-feira, 29 -
Chegará o dia
em que você
não mais poderá contar
com sua mãe
ou seu pai
ou irmão
ou qualquer outro
parente.
Nem mesmo um amigo
para desabafar
ou
pedir ajuda.
Será somente você
diante do mais assustador
dos seres:
você mesmo.
Lhe restará,
então,
sua essência
finalizada;
seu caos existencial
materializado;
suas crenças
inutilizadas.
O medo
em sua forma absoluta;
as lembranças
em uma espiral veloz
e abstrata...
A esperança,
enfim,
devolvida.
(Morrer,
então,
deve ser isto).
17:57 -
E toda vez que este horário me cai
eu penso:
É sempre um dia a menos.
E não importa como está seu dia,
sua semana,
seu mês...
Não importam todas as religiões,
deuses ou diabos.
Não importa o ouro
ou a prata,
nem o mais precioso
diamante.
Não importa todo o bem
ou mal que você tenha feito
na vida
ou onde mora
ou com o quê trabalha.
Não importam todos os amores
ou desamores
(vividos ou não vividos),
todos os amigos
e a infância ou juventude
de outrora.
Não importa toda a poesia do mundo
ou toda a arte
ou tudo que,
de algum modo,
eterniza algo,
alguém ou alguma coisa.
E mesmo o mais nobre dos gestos:
o sorriso do meu filho
(com todo o encanto,
toda leveza,
toda cura),
diante da força soberana
e implacável do Tempo
não importa:
É sempre um dia a menos.
E é essa a grande verdade
ou a única.
O Céu e o Inferno Estão Na Essência Humana -
O bem e o mal
estão contidos no íntimo
do ser.
É sempre uma escolha.
O que Deus,
o diabo
e as pessoas
sabem,
falam
ou pensam sobre você,
é sempre a mesma coisa.
Porque Deus,
o diabo e as pessoas
são uma coisa só.
A escolha é sempre sua:
Responsabilize-se!
Um Poema -
A frase que nenhum poeta
ousou escrever é que:
ninguém escapa sem poesia.
E que essa minha inicial
(um tanto quanto pretensiosa
e,
em parte,
equivocada),
é só um artifício poético
para se começar um poema
que (se não protege
o poeta),
sempre acolhe alguém.
Sempre.
Dezembro -
E muda-se o mês:
muda-se o sentido.
O ar parece mais leve,
a brisa mais calma,
a vida mais rara:
breve.
Logo,
refletimos mais,
sonhamos mais,
nos olhamos nos olhos - nos voltamos para dentro:
enxergamos a alma.
Tudo agora faz mais sentido:
é o fim...
para um novo recomeço.
Por sorte, obrigado!
Meu Amor Primeiro -
Tu carregas mais que meu sangue
e meu nome:
Carregas minha verdade primeira,
absoluta.
Dono do meu primeiro
e último pensamento
diário.
Dono do maior dos meus cuidados.
Dono de tudo que me habita,
porque me habitas mais que tudo.
Tu és o meu norte no mundo;
a sorte que acho que não tenho;
minhas dimensões
e sentidos (vitais).
Meu orgulho maior,
minha admiração primeira.
Depois de ti,
antes de ser
(seja lá o que for,
como for),
sou primeiro teu.
Teu nome - nobre,
íntimo e infinito -
és a síntese do amor maior
(lúcido, sonhador e verdadeiro).
Não foste o meu primeiro amor.
Mas és o Meu Amor Primeiro.
E Sinto Muito -
Às vezes,
vou até a janela
em busca de alguma coisa
lá fora.
Alguma coisa
que eu não sei bem o que é.
Talvez
uma distração qualquer,
para uma fuga.
Algo que me faça,
por alguns instantes,
esquecer qualquer coisa.
Mas,
do alto da janela,
eu sei bem, com clara
certeza,
que a vista será sempre a
mesma.
Ainda que insetos se movam
no chão;
Ainda que pássaros deslizem
no céu;
No meio, estou eu:
lúcido e distante.
E a mesmice,
a brisa,
a calmaria do que eu vejo
lá fora,
não é nem sombra
do que eu sinto cá dentro.
(E sinto muito).
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