Tag dornelles
Fé
Folgo em saber que a estrada é longa.
Quem tem fé vai a pé.
Avisa lá que sou dessas que chega longe.
Vamos descombinar?
A gente caminha pela vida fazendo acertos de todas as ordens.
Primeiro são os que se destinam aos pais. Temos a necessidade de deixar combinado nosso compromisso em fazer tudo adequado, certo, dentro do esperado. O esperado por eles, claro.
Depois vêm os acertos que fazemos com a vida. Alguns que sequer raciocinamos direito. Mais ou menos como se assinássemos um cheque em branco só porque o credor - vida - nos parece da mais alta confiança. Nem sempre. Será?
Com ela combinamos, combinamos, combinamos. Combinamos concluir com êxito os estudos, aprender a nadar, entrar para faculdade, concluir a faculdade, conseguir emprego, falar inglês. A lista não termina porque a vida não terminou.
Acertos que fazemos em momentos em que éramos outros. Sim, outros.
Escrevendo, me ocorre, sem nenhum planejamento, a letra do Caetano que bem poderia ser dedicada para a vida, num trecho que nos permite algumas leituras e releituras internas... "Você é meu caminho (...) desde o início estava você (...) meu mar e minha mãe, meu medo e meu champanhe. Visão do espaço sideral. Onde o que eu sou se afoga! Meu fumo e minha ioga, você é minha droga, paixão e carnaval... Meu Zen, Meu Bem, Meu Mal (...)"
É isso: "onde o que eu sou se afoga!" Na era das combinações o que nós somos às vezes se afogar pelo que fomos, éramos ou pensávamos ser ou pensaram que fossemos. Mesmo que haja alguém com a crença - terrível - de que somos os mesmos desde o útero. Devo dizer que invejo essa pessoa. Ela deve ser bem menos inquieta que eu. Gente que acredita que não mudou nada, por favor, não leia essa crônica. Ela lhes soará como um acinte quando só quer propor um assunto. Não. Não é uma provocação. É uma constatação. Mas, se essa constatação lhe provocar algo, aproveite.
3. Ora, bolas!
Ora, bolas! Mas, quem foi que disse que tomar posição na vida diante da diversidade de pessoas e temperamentos é fácil?
Claro que não é. Tomar atitude, seja ela qual for, demanda saber quem se é ou se busca ser.
Não é cômodo, definitivamente, expandir sua personalidade e tomar atitudes que, a contrário senso, podem ser confundidas com qualquer outra coisa que não seja o desnudamento da alma. Afinal, a interpretação depende da alma do outro, que nem sempre está disponível para o exercício da empatia, colocar-se em seu lugar.
Mas, que porcaria seremos nós se, ao buscar criar vínculos, estivermos sempre mascarados em busca de uma simpatia ininterrupta?
Vale a pena correr o risco? Penso que sim. Que não seja pelo outro, mas por mim.
Pela dignidade de encaixar minha fala na minha ação.
Povo de Fé
A gente nunca deveria discutir religião. Não. Religião a gente deveria apenas sentir. Ou bate ou não bate.
Temos muita sorte. Muita! Quer ver? Te conto.
Iniciamos o ano, logo no primeiro dia, 1º de janeiro, e o que temos? Dia de todos os santos. Quer exemplo mais democrático? Está todo mundo homenageado e não se fala mais no assunto!
Dezenove dias depois, comemoramos São Sebastião, que, não sendo bobo nem nada, é logo o padroeiro do Rio de Janeiro. Levou flechada, mas levou a melhor, vamos combinar.
Chegamos a dois de fevereiro. Sem controvérsias. Vamos comemorar Iemanjá. Afinal, um litoral imenso desses não poderia ficar sem uma musa inspiradora. Até Caymmi se rendeu aos seus encantos. Seria eu a desacreditar? Jamais. Me rendo, e com louvor.
Na luta diária pedimos clemência à exploração de cada dia e que ninguém negue: é preciso ser guerreiro para enfrentar o trânsito, o caos, a violência, o desamor, as fraudes morais, a falta de grana, então, chega mais Jorge, 23 de abril é aguardado para berrarmos nosso potencial guerreiro e irmos à luta com alguém que nos apadrinhe. Esperamos por você ansiosamente!
Para um povo amoroso não poderia faltar, é claro, uma esperança, então, Antônio entra em cena dia 13 de junho e faz a festa. Ufa! Resta alguma esperança aos encalhados de plantão. O coitado ainda se sujeita a ficar afogado, de cabeça pra baixo. Uma baixaria o que se faz com o coitadinho!
Dias depois, Pedro, que de bobo não tem nada, não foi à toa que ficou com as chaves do céu, antes de fechar o mês faz a sua festa. Comemoramos o dia das crianças, dos adultos, dos avós, da árvore, de Nossa Senhora.
O que buscamos mesmo é "alguma alma mesmo que penada, que empreste suas penas" quando não sentimos mais amor, nem dor, nem nada.
Só nos recusamos a perder a fé!
Babados da saia
Não adianta querer rodopiar no salão, se não cuidou antes dos babados da saia. Tem gente que é muito rodopio para pouca saia.
Quando o limite passa da gente
Dizem os antigos que, para tudo, há um limite. Sim. É verdade.
Entretanto, para cada limite há "uma gente".
Há pessoas que se regozijam em se exceder nos seus limites.
Há os que são ilimitados na comida, no álcool, no tabaco, nas grifes, nos antidepressivos, nas drogas ilícitas, mas existe uma categoria que extrapola todas as outras: a de gente que é ilimitada na falta de limite.
Exercer a falta de limite do outro parece situação de estranha manifestação de autoafirmação. Se confirmam e reafirmam no momento em que alguém é testado e não passa no teste. Ou seja, se contrapõe à falta de limite e margeia a situação através do próprio senso do que seja limite, através de seus critérios, pondo fim ao que lhe era imposto goela abaixo.
Essa gente não se esquece dos seus limites. Simplesmente não aceita a opressão para satisfazer o senso ilimitado de falta de caráter de alguém.
Sim, estou convicta de que excesso de falta de limite, o sujeito dolosamente ilimitado, padece de ausência de caráter. Acostumou-se a não ter respostas à altura de seus excessos. E aqui, obviamente, não há referência aos quimicamente doentes, mas, sim, e bem frisado, aos emocionalmente ilimitados na sua ausência de respeito ao limite alheio.
Há pessoas que extraem o que há de melhor nas outras.
Há outras, entretanto, que se empenham em despertar o que há de pior.
E o despertar do pior, na maioria das vezes, pega o folgado de surpresa e o faz perceber que o freio para sua falta de bom senso recai sobre um espancamento no seu caráter através do limite que nunca lhe foi apresentado.
Mas a vida sempre cuida das apresentações. E como cuida.
É preciso requalificar
É preciso requalificar, a cada dia, a nossa posição no mundo.
É preciso buscar com afinco e afeto nossa ressignificação.
Nossa hospedagem no mundo deve ser a de hóspedes esforçados por explorar todas as possibilidades.
Faz-se necessário abrir espaço para as nuances de cada pensamento, equilibrando os pratos da balança. Todos os pratos. De todas as balanças.
A credibilidade na condição de adulto nunca será concretizada.
Ser adulto é um exercício diário e difícil.
O trabalho que (não) dá ser gente-metade
Tenho uma espécie de admiração e desprezo - tudo meio junto - por quem consegue ser "gente-metade".
Gente-metade põe o pé no mar na pontinha dos dedos, só para ver se água está fria. Se estiver, geralmente, prefere o chuveiro. Para essa gente, até o mar lhes causa aflição.
Tudo o que é grande lhes amedronta. Do mar à gente. Gente-metade não faz distinção.
Quando chove, muito insiste em acreditar que debaixo daquela parafernália pequena e inútil, nenhuma gota d'água lhe atingirá.
Brigam com os fatos como quem determina com poder os acontecimentos.
Gente-metade sente dor por etapas.
Primeiro sente pouquinho, depois diz o que sente aos pouquinhos e depois sente muito mais do que diz, aos pouquinhos.
Gente-metade tem um privilégio: já nasce pronta.
Gente inteira, não.
Gente inteira é sempre quase inteira. Quase pronta.
Gente inteira está sempre buscando se inteirar.
Gente inteira está sempre em construção.
Gente inteira precisa sempre de mais obras para se edificar.
Minha escrita são minhas vivências ou as que observo próximas de mim. Por isso digo: me lê? Então me conhece. É assim. Não quer se expor não escreva.
Sem te namorar
Te namoro com o olhar
Meu sorriso a chorar
Meus olhos a sorrir
Pois não posso lhe fazer rir
Ser odiado por você é um castigo pra mim
Não era pras coisas serem assim
Não queria me tornar oque tornei
Enfim, meu nome não honrei
Estupidamente passei de rei, à bobo
Viver sem te ter não é viver
Te ter sem te ver não é viver
Te ver sem te ter não é viver