Sonetos de Florbela Espanca

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Eu não sou boa nem quero sê-lo, contento-me em desprezar quase todos, odiar alguns, estimar raros e amar um.

Sou uma céptica que crê em tudo, uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura.

Não és sequer a razão de meu viver, pois que tu és já toda a minha vida.

Há uma primavera em cada vida: é preciso cantá-la assim florida, pois se Deus nos deu voz, foi para cantar! E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada que seja a minha noite uma alvorada, que me saiba perder, para me encontrar.

Estou cansada, cada vez mais incompreendida e insatisfeita comigo, com a vida e com os outros. Diz-me, porque não nasci igual aos outros, sem dúvidas, sem desejos de impossível? E é isso que me traz sempre desvairada, incompatível com a vida que toda a gente vive.

Tão pobres somos que as mesmas palavras nos servem para exprimir a mentira e a verdade

Trago no olhar visões extraordinárias, de coisas que abracei de olhos fechados...

Eu quero amar, amar perdidamente. Amar só por amar.

Florbela Espanca

Nota: Trecho do poema do livro "Sonetos de Florbela Espanca", de Florbela Espanca. Link

No gelo da indiferença ocultam-se as paixões.

"Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!"

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada, que seja minha noite uma alvorada, que eu saiba me perder para me encontrar...

Longe de ti são ermos os caminhos.

Perdoo facilmente as ofensas, mas por indiferença e desdém: nada que me vem dos outros me toca profundamente.

Sou aquele que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber porquê... Sou talvez a visão que alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver, E que nunca na vida me encontrou!

Quantas vezes? Amor, já te esqueci, para mais doidamente me lembrar, mais doidamente me lembrar de ti.

Ama-se quem se ama e não quem se quer amar.

Realidade


Em ti o meu olhar fez-se alvorada
E a minha voz fez-se gorgeio de ninho...
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho...

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada...
E a minha cabeleireira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho...

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei... se te perdi...

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

Ter um sonho, um sonho lindo,
Noite branda de luar,
Que se sonhasse a sorrir…
Que se sonhasse a chorar…

Ter um sonho, que nos fosse
A vida, a luz, o alento,
Que a sonhar beijasse doce
A nossa boca… um lamento…

Ser pra nós o guia, o norte,
Na vida o único trilho;
E depois ver vir a morte

Despedaçar esses laços!…
…É pior que ter um filho
Que nos morresse nos braços

O meu desejo

Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua.
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!

Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus...
Minha boca tem fome só da tua!
Meus olhos têm sede só dos teus!

Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo...

Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, Amor, devagarinho,
Até a morte me levar consigo...