Sonetos de Saudade
NAS FORMAS DE TI
Espera-me, ó meu Amor, que vou voltar!
Não vês como anda apagada esta paixão?
Tão cansado já está, o meu coração...
Vou ao além de mim p’ra te encontrar!
Espera-me, ó meu Amor, que vou buscar
A chama deste amor, que não foi em vão!
Mas que nos teus braços foi furação,
A estranha forma d’eu querer te amar!...
Não se tem como apagar uma velha chama,
Pode se abrandar quando é um que ama,
Mas nada pode extinguir o teu esplendor!...
Os teus sentimentos são finos e delicados,
São de afetos divinos, não de pecados...
Aos céus eu irei buscar o teu mesmo Amor!
MURMÚRIO
Ao fim da minha vida, quem sabe
Quando frio estiver e profundo...
Sob a terra bendita deste mundo
Todo o calor do meu corpo acabe!
Vivem a vaguear as almas, em segredo
Sussurram-me as frases belas e frias
No ar gélido das tuas vozes, nos dias
Em que o meu sentimento é o medo!
Vagando ao igual penar nas tuas eras,
Sinto-me um ser dormente à espera
Das noites santificadas em um além...
Quem sabe quando chegar o meu fim,
Quando as rosas caírem sobre mim,
Aos ouvidos eu possa esquentar alguém!
SONETO VAGO
Porque à noite me abre triste
Num frio intenso sem amor,
E nessa ardência nada existe
E me falta à pele o seu calor...
Porque a lua é sem fulgor
E sem você nada consiste,
Porque em mim tudo persiste
Na luz branca do esplendor...
Porque morrem meus encantos
E intensos são meus prantos
Na noite imensa sem luar...
Porque eu perduro a solidão,
E na dor intensa ao coração
Eu vagueio sem te encontrar...
IMPROFÍCUO
Ando sobre a luz, sobre minha terra,
Buscando entender os meus sentidos...
Amar! Quantos amores, comovidos
Que a mim se estende e não encerra!
Navego pelos mares... Quanta guerra
Traçam os miseráveis e destemidos
Pela busca d’um poder! Louco-caídos
Não sabem entender o que vos dera!
Dei-os a minha alma cheia de amor,
A minha verdade e o meu coração...
Dei-os a fragrância pura d’uma flor!
Beijei-os a face sob lágrimas e dores,
Absorvendo-os o sal branco e vão...
Mas destes-me o voto vil dos amores!
DENTRE AS CHUVAS DA NOITE
(O retorno d’ Ela)
Tão bela, meu Deus, ela veio me encontrar...
Com sorrisos à face, uma pintura,
Qual uma prenda a me amar
Ela veio ao meu sentir de amargura!
Que aos céus fez-se os anjos tua candura,
E ao mar, a água azul, edenizar...
Tão bela ela veio... — Formosa e pura,
Que dos teus olhos fez-se o amor edificar!
E eleva-se, das noites, meu esplendor...
Os dias me são clarões ao teu amor.
Uma estrela de beleza aos olhos meus...
Ela veio em formosura, sem quer pecados,
Que de afoite ao teu clarão edenizado
Rompeu-me os versos de saudade, meu Deus!
A ELA
Talvez tudo me pudesse ser
Menos que fosse a mim amor;
Pois aos céus fosse esquecer
Nesse presente a minha dor...
Talvez eu amar jamais você
Poderia a esse meu fulgor;
Como mendigo em merecer
Cem mil estrelas ao esplendor...
Pois tanto que meus versos
São aos ares todos dispersos
Nem são ditos por ninguém...
E sem que amar me poderia
Mesmo que fosse à fantasia;
Que assim eu fosse de alguém.
À DAMA D’ELITE
Dantes eu pregado aos teus desejos,
Exaltado ao teu odor, eu murmurava
Por cobiça ao vigor d’os teus pejos,
E o meu amor de paixão se’dificava...
Que, hoje me abrigo aos teus ensejos,
De fim aos anseios, que desventurava,
Dos tormentos que ainda eu protejo,
Dos teus aromas que me enfeitiçava...
E por minha tortura de infinito amor
Inda rogo aos céus: que a ti proteja,
Para toda a infindável paz-imaculada;
Que nos enfeitam ao mesmo esplendor
Por séculos e, por séculos alegre seja
A tua infinita fragrância-deslumbrada!
MAGNÍFICA
(A anjo Mira)
Como em prantos de apojos, secular,
Mulher das rochas e das flores,
Que de paixão alimenta os amores
Dos anjos, e dos bálsamos peculiar
Com os magníficos azuis de seu olhar,
Dos lírios, das rosas, de seus pudores,
Banhas a terra dentre as dores,
Como os céus a fizeram, deslumbrar...
Cantiga entre as almas do deserto
O oculto sentimento das promessas,
E envolta aos caminhos da aurora
Como a magnífica dos jardins aberto,
Troveja em assombros, e remessas
A dor dourando os ares como outrora...
O MEU PECADO
Porque me quis assim, cheio de dor!
Porque me criou estranho no mundo:
Um pássaro com asas de condor,
Um ádvena, um elevado, e profundo!
Porque me quis assim, um moribundo,
Sem que um brilho de esplendor,
Refletisse em mim, sem que fecundo,
Eu pudesse ser um nerval, um primor!
Conjura em mim uma noite orvalhada
Que se cria, e se move, sem alvorada,
Nem picos de luzes brancas e de ilusão...
Vagueio como um cipreste-calvo e frio,
Como um provar de orbe armentio,
Como me quis! Oh Deus da imensidão!
ÀS TUAS VAIDADES
Um amor tão mais risonho, assim não vejo!
Quem o diria de felicidade não ter conta...
E nada é tão mais puro, que o desaponta
De tempo algum a lhe ofuscar o meu desejo.
Passam dias e passam noites ao teu beijo...
E nessa era um outro afeto ninguém aponta
Como preciosos risos, que a fizeste pronta
Totalmente a mim, amor, sem quer um pejo!
Ah! Que bem, tudo isso me fosse à verdade...
Que bem, oh, meu amor, sem vaidades
Me fosse esse impossível nunca a morrer...
Esse amor tão mais contente ainda é sonho!
Inda estão nos versos que eu te componho,
Em meio aos infinitos risos, p’ra em ti viver...
ÚLTIMO PRANTO
Acaso torto! Hás d’eu, portanto, cumprir
Por esta vida de prantos e de amor:
Existência qual foi traçado o meu porvir,
E glória, qual me foi vista ao esplendor...
O firmamento, que me figura em exaurir
A maldição, o engano sedutor
Que me avaria, em promessas, induzir
A alma em displicência ao meu fulgor...
O qual me invoca em ilusão ao pecado,
Que sem razão, me complexa ao mundo,
Que sem esperança me intui elevado...
E consumado eu me vejo ao sol disposto,
A vencer todo chão de ardor profundo,
Que de triunfos, eu me vejo sorrir o rosto...
DEPÓS O INVERNO
Aos sóis, num tempo de desventura,
Pregado ao amor e a tristeza,
O lírio ao vento espalha a beleza,
Formando-se paixão sem amargura...
Eleva-se, e cantiga, a lua-ventura
Das noites pratas, e, quanto mais acesa
Clareia aos campos em realeza
Juntando-se as flores sua candura...
E pecados não se ouvem de perverso;
Os bálsamos dispersam o reverso,
O jardim é um só complexo de fulgor...
As estrelas se completam as amadas,
E na fragrância azul das alvoradas
Renasce dentre as cinzas uma nova flor!
RESPLANDECÊNCIA
Se nada for de tristeza ou de pecado,
Ilusão e medo são de florir breve...
Que nada em constância se escreve
Na penumbra de um dia ter passado!
E é luz sobre o calvário do terrado.
O tempo cinza é um cair de neve...
Que de existência nada é vil e leve
No primor do imenso sol dourado!
Que são de provar tudo que engana!
Que de sonhos, a paixão profana
No descalvar dos jardins em flor...
E os dias se idolatram em quimeras!
Dos sepulcros, erguem-se primaveras
No perfumar da vida em esplendor...
O POEMA
Talvez um delírio, inculto e quente,
Paixão de intenso clamor, impuro,
Um displicente calor que perduro
No insensato mundo em que sente...
O desconexo, o cauto, o conjuro,
Que se implica a vaguear entre a gente:
Luz que boêmia, ao sol poente,
Dum indescritível sentir obscuro!
Mas que vigora, e que me intensa
De demência grata e de bendito amor!
Que flui, o estreito da minha sentença
Doce, e leve, e altiva que impera,
Em que na existência me faz esplendor
Ao estouvado astro em que vela...
ORIGEM-SANTA
Sol altivo e quente. Bondade invulgar,
Imensidão de promessas, vida-além:
O anjo da luz, no primeiro luminar,
Em que habita ao mundo... — O harém!
Esperança e conforto. O amor e o luar:
Idólatras que dispersam o mal, o vivem
Aos jardins de sorriso, o despertar
Dos sepulcros dos sonhos... Amém!
...Que desejos fossem de astro-claridade,
Do mar azul a pureza e a verdade,
Ao sol o dispersar da ilusão e do medo!
Sangue e paixão: amplitude e afeto,
Que ensinaste ao coração o homem-reto;
O fulgor da eternidade... — O segredo!
MENDIGO
Posso ser o que me quiserem ser;
Amor... Tortura... Astro pungente!
Aos versos, um grito incoerente,
Ou um tolo mendigo ao se merecer...
Belos segredos d’um vil viver,
Hás em meu peito para toda a gente...
Hás amarguras; dor do que sente,
A minh’alma em vos compreender!
Pregado a cruz de minha estrada,
Podem me ver como luz de alvorada,
Ou como ocaso d’um são pecador!
Posso ser sol, trevas, mutável deserto,
Ser porta fechada, ou lírio aberto
Sob as esmolas d’um só pouco amor!
A UMA CONSORTE
És como aroma de rosas! Adolescente,
Como uma pomba divina de amor...
És como do céu o sol! Simplesmente,
Como o clarão da lua em esplendor...
Tens sorrisos à face, e, suavemente
O corpo desfila em andares de primor...
Tens anseios que se embalam, docemente
À pele rubra em brados belos e sem dor!
Por existir em chama viva, em queimar
Qual astro poente a procurar
Na noite longa o brilho intenso percorrer,
És como as estrelas de azuis celestes,
Que inteiramente me enriqueces
No infinito do teu amor nunca a morrer...
EXPRESSÃO
Digo aos versos a voz conspirada,
Qual dispersa amargura e amor...
Que vem quente, outr’ora gelada,
Que vêm trevas e vem esplendor...
Digo de alma, de ternura apagada,
De espírito-luz, de intenso fulgor...
Que digo da esperança fechada,
Que digo da fé a Deus-alto: Senhor!
Voz, que ao mudo, a alma chora...
De palavras frias, coração apavora,
Que apaga estrelas ao céu imenso...
Que ao reverso, perfume se’spalha...
Em primor aceso, do Divo que talha,
Como brisa mansa ao ar propenso...
DESTINO MUDO
Ao mundo me chegaste; e a dor me seja branda
Do primeiro sofro aos ventos de tristeza, elevado...
Disse-me os anjos dos céus que me agrada:
Vai como o sol que queima, seja luz e ornado!
Que na terra ando, como um louco desdenhado...
E por meus sonhos, e por minha esperança aceitada,
Que suplico! Que me amargo um ser curvado,
Como quem surgiu duma amargura conspirada. —
Vai, meu corpo bendito, e te brilhas da luz pura!
Por as trevas em que te passar, ao caminho torto,
Vai como a lua que nasce na estrada escura!
Que vagueio em meio ao fogo, sob o ar que respiro,
Como um sopro de amor ao meu fiel conforto,
Que me elevo à Deus! Fortuna muda que deliro!
PAIXÃO LÚBRICA
Marés complexas e de tentações fulgentes,
De instantes loucos e de tonas sedadas...
Corações pulsantes às veias vertentes,
Aos êxtases profundos de horas sagradas...
Placidez convulsa às entranhas molhadas...
Momentos d’ouro aos sóis displicentes...
São luzes benditas, são noites plasmadas,
São desvarios erguidos de reais eloquentes...
Quais momentos moucos, que vil a sofrer?
Eis minhas horas ao real dum viver...
Erguem-se as chamas da paixão lúbrica!
Que cobiças me sejam dos dias lembrados...
Pois que demente, sou agora os sonhados
Delírios vigentes de minha vultosa súplica!