Sonetos de Mário Quintana

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A Laranja

A laranja cortada ao meio,
Úmida de amor, anseia pela outra...
É assim, é bem assim que eu te desejo!

Boas Maneiras

Os anjos não dão os ombros, não; quando querem mostrar indiferença os anjos dão as asas.

O poema

Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos...

Mario Quintana
Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006.

Na convivência, o tempo não importa.
Se for um minuto, uma hora, uma vida.
O que importa é o que ficou deste minuto,
desta hora, desta vida.
Lembra que o que importa
é tudo que semeares colherás.
Por isso, marca a tua passagem,
deixa algo de ti,
do teu minuto,
da tua hora,
do teu dia,
da tua vida.

Outono

É uma borboleta amarela? Ou uma folha que se desprendeu e que não quer tombar?

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente...
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Mario Quintana
Antologia poética. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

Nota: Trechos do poema Seiscentos e sessenta e seis, que costuma ser veiculado na internet com o título O tempo.

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DA DISCRETA ALEGRIA

Longe do mundo vão, goza o feliz minuto
Que arrebataste às horas distraídas.
Maior prazer não é roubar um fruto
Mas sim ir saboreá-lo às escondidas.

Sonho

Um poema que ao lê-lo, nem sentirias que ele já estivesse escrito, mas que fosse brotando, no mesmo instante, de teu próprio coração.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.
Morri? Não. Ressuscitei.

Minha vida não foi um romance.
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa,
De encanto,
De medo...

DOS MUNDOS
Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.

Mario Quintana
QUINTANA, Mario. Espelho mágico. Ed. Globo. 2005

Neste mundo de tantos espantos,
Cheios das mágicas de Deus,
O que existe de mais sobrenatural,
São os ateus.

Das Utopias

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.

Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!


Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Sê bom
Mas ao coração
Prudência e cautela ajunta.
Quem todo de mel se unta,
Os ursos o lamberão.

DOS PONTOS DE VISTA

A mosca, a debater-se: "Não! Deus não existe!
Somente o Acaso rege a terrena existência."
A Aranha: "Glória a Ti, Divina Providência,
Que à minha humilde teia essa mosca atraíste!"

No retrato que me faço
- traço a traço -
Às vezes me pinto nuvem
Às vezes me pinto árvore...

DA BOA E DA MÁ FORTUNA

É sem razão, e é sem merecimento,
Que a gente a sorte maldiz:
Quanto a mim, sempre odiei o sofrimento,
Mas nunca soube ser feliz...

Diário de Viagem

O poeta foi visto por um rio,
por uma árvore,
por uma estrada...

— Eu queria propor-lhe uma troca de ideias...
— Deus me livre!

Das delicadezas que a vida ensina, o mais bonito sempre fica:
Os laços que se formam entre duas almas também são formas de abraço.
É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braçanão.