Sonetos de Mário Quintana
Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amar, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...
Minha vida não foi um romance
Minha vida passou por passar
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.
Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches de vida
De surpresa, de encanto, de medo!
Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...
Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca...
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
– para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!
Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova...
Nunca
Nunca ninguém sabe se estou louco para rir ou para chorar…
Por isso o meu verso tem
essa quase imperceptível tremor...
A vida é triste, o mundo é louco!
Nem vale a pena matar-se por isso.
Nem por ninguém.
Por nenhum amor…
A vida continua, indiferente!
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
Nota: Trecho do poema Canção do dia de sempre.
...MaisEu quero é teu calor animal
Mas onde já se ouviu falar num amor à distância?
Num tele amor?
Num amor de longe.
Eu sonho é um amor pertinho.
E depois
esse calor humano é uma coisa que todos - até os executivos têm.
É algo que acaba se perdendo no ar
No vento
No frio que agora faz.
Escuta!
O que eu quero
O que eu amo
O que eu desejo em ti
É teu calor animal.
A DIFERENÇA
A diferença entre um poeta e um louco é que o poeta
sabe que é louco... Porque a poesia é uma loucura lúcida.
Mãe
Mãe! São três letras apenas
As desse nome bendito:
Três letrinhas, nada mais...
E nelas cabe o Infinito
E palavra tão pequena
– confessam mesmo os ateus –
É do tamanho do Céu!
E apenas menor que Deus...
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!
Biografia
Era um grande nome - ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua... E continuaram a pisar em cima dele.
Chorar é Lindo
Chorar é lindo, pois cada lágrima na face
são palavras ditas de um sentimento calado.
Pessoas que mais amamos, são as que mais magoamos
porque queremos que sejam perfeitas,
e esquecemos que são apenas seres humanos.
Nunca diga que esqueceu alguma pessoa, ou um amor.
Diga apenas que consegue falar neles sem chorar,
porque qualquer amor por mais simples que seja,
será sempre inesquecível...
As lágrimas não doem...
O que dói são os motivos que as fazem caírem!
Não deixe de acreditar no amor,
mas certifique-se de estar entregando seu coração
para alguém que dê valor
aos mesmos sentimentos que você dá,
manifeste suas ideias e planos,
para saber se vocês combinam,
e certifique-se de que quando estão juntos
aquele abraço vale mais que qualquer palavra...
CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia.
Amizade: quando o silêncio a dois não se torna incômodo.
Amor: quando o silêncio a dois se torna cômodo.
Quem disse que eu me mudei?
Não importa que a tenham demolido:
A gente continua morando na velha casa em que nasceu.
Essa lembrança que nos vem às vezes...
folha súbita
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança... mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...
Ai! Tão perdida
que nem se possa saber mais de quem!