Sonetos de Mário Quintana
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!
O ópio
Dizem os comunistas que a religião é o ópio do povo; outros dizem que o ópio do povo é precisamente o comunismo; se pedissem a minha opinião, eu diria que o ópio do povo é o trabalho.
As civilizações
As civilizações desabam
por implosão...
Depois,
como um filme passando às avessas
elas se erguem em câmera lenta do chão.
Não há de ser nada...
Os arqueólogos esperam, pacientemente,
A sua ocasião!
Não basta saber amar…
Neste mundo, que tanto mal encerra,
não basta saber amar,
mas também saber odiar,
não só servir a paz, mas também ir para a guerra.
Seguiremos assim o próprio exemplo
de Jesus, que tanto amor pregou na Terra...,
quando Ele,
num ímpeto de cólera,
a relhaço expulsou os vendilhões do templo!
A mudança
A alegre, a festiva agitação das panelas e tachos
A inútil zanga dos velhos armários de mogno, solenes,
Achando tudo aquilo uma grande palhaçada...
As xícaras e pires fazendo tlin-tlin-tlin-tlin
As gaiolas dos passarinhos cantando em coro com os
próprios passarinhos
Oh! a alegria das coisas com aquela mudança
Para onde? Não importa! Desde que não seja
Este eterno mesmo lugar!
Alegria
Não essa alegria fácil dos cabritos monteses
Nem a dos piões regirando
Mas
Uma alegria sem guizos e sem panderetas...
Essa a que eu queria:
A imortal, a serena alegria que fulge no olhar dos santos
Ante a presença luminosa da morte!
Cada palavra é uma borboleta morta espetada na página:
Por isso a palavra escrita é sempre triste...
Interrogações
Nenhuma pergunta demanda resposta.
Cada verso é uma pergunta do poeta.
E as estrelas...
as flores...
o mundo...
são perguntas de Deus.
Descobertas
Descobrir continentes é tão fácil como esbarrar com um elefante:
Poeta é o que encontra uma moedinha perdida...
Se tu me amas...ama-me baixinho.
Nota: Versão adaptada de trecho de Link
Não pretendo que a poesia seja um antídoto para a tecnocracia atual. Mas sim um alívio. Como quem se livra de vez em quando de um sapato apertado e passeia descalço sobre a relva, ficando assim mais próximo da natureza, mais por dentro da vida. Porque as máquinas um dia viram sucata. A poesia, nunca.