Sonetos de Mário Quintana

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Germinal

Planta
Com emoção
Este verso em teu coração

A gente não sabia

A gente ainda não sabia que a Terra era redonda.
E pensava-se que nalgum lugar, muito longe,
Deveria haver num velho poste uma tabuleta
[qualquer
- uma tabuleta meio torta
E onde se lia em letras rústicas: FIM DO MUNDO.
Ah! depois nos ensinaram que o mundo não tem
[fim
E não havia remédio senão iremos andando às
[tontas
Como formigas na casca de uma laranja.
Como era possível, como era possível, meu Deus,
Viver naquela confusão?
Foi por isso que estabelecemos uma porção de
fins de mundo...

Hai-Kai da Palavra Andorinha

A palavra andorinha
Freme devagarinho
E some em silêncio...

Hai-Kai da Cozinheira

A cozinheira preta preta
Preta e gorda
Com seu frescor sorriso de lua...

Amanhecer
O sol derrama, na calçada,
a sua bela, matinal urinada

INSCRIÇÃO PARA UMA LAREIRA
Em meio aos toros que desabam, cantemos a canção das chamas.

A vida é o dever que trouxemos para fazer em casa.

A indiferença é a mais refinada forma de polidez.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Por que só podemos ser felizes formando um par, e não como ímpares. Ter um parceiro constante não é sinônimo de felicidade, a não ser que seja a felicidade de estar correspondendo às expectativas da sociedade, mas isso é outro assunto. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com três parceiros, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade...

Cada poema é uma garrafa de náufrago jogada às águas... Quem a encontra, salva-se a si mesmo.

Não esquecer que as nuvens estão improvisando sempre, mas a culpa é do vento.

A verdade é que os bichos, quando imitam as pessoas, perdem toda a dignidade.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

Clair de lune, chiaro de luna, claro de luna... jamais os franceses, os italianos e os espanhóis saberão mesmo o que seja o luar, que nós bebemos de um trago numa palavra só.

Quem é que pode parar os caminhos? E os rios cantando e correndo? E as folhas ao vento? E os ninhos... E a poesia... A poesia como um seio nascendo...

Mario Quintana
Apontamentos de história sobrenatural. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

Nota: Trecho do poema Um voo de andorinha.

...Mais

Quero é ficar com alguns poemas tortos que andei tentando endireitar em vão...

No fim a gente acaba descobrindo que até a imaginação tem um teto. E muito baixo até.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

Há certas coisas que não haveria mesmo ocasião de as colocarmos sensatamente numa conversa - e que só num poema estão no seu lugar.

O mundo do sonho é silencioso como o mundo submarino. Por isso é que faz bem sonhar.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas...Aí vai!