So Nao Muda de Ideias que Nao as tem
Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.
Determinada flor é, em primeiro lugar, uma renúncia a todas as outras flores. E, no entanto, só com esta condição é bela.
Eu sem você sou só desamor. Um barco sem mar, um campo sem flor. Tristeza que vai, tristeza que vem. Sem você, meu amor, eu não sou ninguém…
De todas as minhas certezas eis eis a mais bela...
Sou metade incompleta que só a eternidade poderia preencher!
Adiamento
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
Os contos de fadas são assim.
Uma manhã, a a gente acorda
E diz: "era só um conto de fadas..."
E a gente sorri de si mesma.
Mas, no fundo, não estamos sorrindo.
Sabemos muito bem que os contos de fadas
São a única verdade da vida.
Porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu. Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão. Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não...
Nota: Adaptação de trechos de "Como dizia o poeta"
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.
Estávamos ali com o céu em nós. As mãos, unindo os nervos, faziam das duas criaturas uma só, mas uma só criatura seráfica. Os olhos continuaram a dizer coisas infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam sair, tornavam ao coração caladas como vinham...
Só quem está em estado de palavra pode
enxergar as coisas sem feitio.
Ninguém determina do princípio ao fim o caminho que pretende seguir na vida; só nos decidimos por trechos, na medida em que vamos avançando.