Sem você
Às vezes você nem sabe que algo mudou. Acha que você é você, e sua vida ainda é sua vida, mas você acorda um dia e olha ao seu redor e não reconhece mais nada... nada mesmo!
Tentei ficar sem escrever,
Mas não consegui,
Passei o dia pensando em você,
No seu sorriso no seu abraço,
E é por isso que agora eu lhe escrevo para lhe desejar uma boa noite e dizer novamente que te amo.
"Quando você melhora um pouco a cada dia, coisas grandes começam a ocorrer. Não procure por melhoras rápidas e grandiosas, busque uma pequena melhoria, um dia de cada vez. É o único modo para que aconteça - e quando acontece, dura."
Você vai me abandonar e eu nada posso fazer para impedir. Você é meu único laço, cordão umbilical, ponte entre o aqui de dentro e o lá de fora. Te vejo perdendo-se todos os dias entre essas coisas vivas onde não estou. Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. Você rasga devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no quarto.
Grande Edgar
Já deve ter acontecido com você.
- Não está se lembrando de mim?
Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele está ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados, antecipando a sua resposta. Lembra ou não lembra?
Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.
Um, o curto, grosso e sincero.
- Não.
Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O “Não” seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos não entre pessoas educadas. Você devia ter vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.
Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.
- Não me diga. Você é o... o...
“Não me diga”, no caso, quer dizer “Me diga, me diga”. Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode dizer algo como:
- Desculpe deve ser a velhice, mas...
Este também é um apelo à piedade. Significa “Não torture um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!” É uma maneira simpática de dizer que você não tem a menor idéia de quem ele é, mas que isso não se deve à insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.
E há o terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.
- Claro que estou me lembrando de você!
Você não quer magoá-lo, é isso. Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:
- Há quanto tempo!
Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.
- Então me diga quem eu sou.
Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar, falsamente desacordado, que a ambulância venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:
- Pois é.
Ou:
- Bota tempo nisso.
Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem é esse cara, meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas do meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, o mantém à distância com frases neutras como “jabs” verbais.
- Como cê tem passado?
- Bem, bem.
- Parece mentira.
- Puxa.
(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu Deus?)
Ele está falando:
- Pensei que você não fosse me reconhecer...
- O que é isso?!
- Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.
- E eu ia esquecer você? Logo você?
- As pessoas mudam. Sei lá.
- Que idéia!
(É o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O... o... como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo, amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. “Que bom encontrar você!” e paf, chuta uma perna. “Que saudade!” e paf, chuta a outra. Quem é esse cara?)
- É incrível como a gente perde contato.
- É mesmo.
Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.
- Cê tem visto alguém da velha turma?
- Só o Pontes.
- Velho Pontes!
(Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...)
- Lembra do Croarê?
- Claro!
- Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.
- Velho Croarê!
(Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil. As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda a cautela e partir para um lance decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)
- Rezende...
- Quem?
Não é ele. Pelo menos isso está esclarecido.
- Não tinha um Rezende na turma?
- Não me lembro.
- Devo estar confundindo.
Silêncio. Você sente que está prestes a ser desmascarado.
- Sabe que a Ritinha casou?
- Não!
- Casou.
- Com quem?
- Acho que você não conheceu. O Bituca.
Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador. Você está tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?
- Claro que conheci! Velho Bituca...
- Pois casaram...
É a sua chance. É a saída. Você passa ao ataque.
- E não me avisaram nada?!
- Bem...
- Não. Espera um pouquinho. Todas essas coisas acontecendo, a Ritinha casando com o Bituca, o Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?!
- É que a gente perdeu contato e...
- Mas o meu nome está na lista, meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar um convite.
- É...
- E você ainda achava que eu não ia reconhecer você. Vocês é que esqueceram de mim!
- Desculpe, Edgar. É que...
- Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam...
(Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com outro. Ele também não tem a mínima idéia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele está na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de “Já?!”)
- Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?
- Certo, Edgar. E desculpe, hein?
- O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.
- Isso.
- Reunir a velha turma.
- Certo.
- E olha, quando falar com a Ritinha e o Mutuca...
- Bituca.
- E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?
- Tchau, Edgar!
Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer “Grande Edgar”. Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar “Você está me reconhecendo?” não dirá nem não. Sairá correndo.
Este texto está nos livros As mentiras que os homens contam, Comédias da vida privada e O suicida e O computador.
A vida deveria ser uma celebração contínua, um festival de luzes por todo o ano. Somente então você pode se desenvolver, você pode florir. Transforme pequenas coisas em celebração. Tudo o que você faz deveria expressar a si próprio; deveria ter a sua assinatura. Então a vida se torna uma celebração contínua.
Se você quer me matar… Me odeie, me amaldiçoe, e fuja, fuja… Viva uma vida miserável correndo e se escondendo. Então, quando você tiver os mesmos olhos que eu, me procure.
Amo você, mesmo sem você me amar. Amo seus rompantes em me devorar com os olhos e amo o nada que sempre vem depois disso. Amo seu nada, apenas porque o seu nada também é seu. Amo tanto, tanto, tanto, que te deixo em paz.
AGORA ACABOU
Você foi como um sonho repentino que veio sem aviso no momento em que eu mais precisava
Você veio como um anjo falando manso, dizendo palavras bonitas e precisas que sempre me encantavam
Mas tão rápido como veio, você me disse adeus e não disse mais nada
Pode ser fácil para você, mas para mim leva um tempo para esquecer
Eu sei que você não entende, mas é porque você tem medo de se entregar como eu me entreguei
Mas, tudo bem, a vida continua, aceito a sua amizade e dou-lhe inteiramente a minha
Só a partir de hoje você está oficialmente fora dos meus sonhos de amor
Das minhas expectativas de parceria e felicidade
E, apesar de tudo, da sua pressa, não esqueça que tenho sentimentos
Que leva um tempo para se esquecer os sonhos que se sonhou
Mesmo que sozinha, eu ainda nutria uma esperança escondida que nem eu mesma sabia que tinha...
Agora tenha paciência, que também sozinha
Vou esquecer de tudo o que eu queria para nós dois
E que você sozinho desperdiçou.
Seja estranho. Seja aleatório. Seja quem você é. Porque você nunca sabe quem amaria a pessoa que você esconde.
A lamina mais forte é aquela que pode proteger o que você quer proteger e cortar aquilo que você quer cortar.
Não importa em quantos pedaços o seu coração foi partido, o mundo não para para que você o conserte.
Nota: Trecho do poema de Veronica Shoffstall.