Saudade da Pessoa Que você Ama
Teus olhos entristecem.
Teus olhos entristecem
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.
Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.
Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.
Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estás a pensar,
Já quase não sorrindo.
Até que neste ocioso
Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inútil.
Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!
Sonhe com as estrelas,
apenas sonhe,
elas só podem brilhar no céu.
Não tente deter o vento,
ele precisa correr por toda parte,
ele tem pressa de chegar, sabe-se lá aonde.
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos.
Se depois de eu morrer quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples. Tenho só duas datas: a de minha nascença e a de minha morte. Entre uma e outra, todos os dias são meus.
Sorriso audível das folhas,
Não és mais que a brisa ali.
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.
Ri, e olha de repente,
Para fins de não olhar,
Para onde nas folhas sente
O som do vento passar.
Tudo é vento e disfarçar.
Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou;
E estamos os dois falando
O que se não conversou.
Isto acaba ou começou
É bonito ser amigo, mas confesso: é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias.
A miséria do meu ser
A miséria do meu ser,
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.
Ninguém conhece quem sou
Nem eu mesmo me conheço
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.
É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto...
Sou assim. Mas isto é crível?
Sábio é quem se contenta com o espetáculo do mundo.
Nota: Trecho adaptado do livro "Odes de Ricardo Reis", de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa). Link
...MaisENTRE SONO E SONHOS
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.
Um cansaço de existir,
De ser.
Só de ser.
O ser triste brilhar ou sorrir...
Tudo quanto penso
Tudo quanto sou
É um deserto imenso
Onde nem eu estou
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Nota: Trecho do poema X "Mar Português" da Mensagem, de Fernando Pessoa. Link
Eros e Psique
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.