Rubem Alves Saudades
Adormecida
Uma noite eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava, ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
P'ra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
"Virgem! tu és a flor da minha vida!..."
Prendi meus afetos, formosa Pepita...
mas, onde?
No tempo? No espaço? Nas névoas?
Não rias...
Prendi-me num laço de fita!
Tu és a estrela vésper que alumia aos pastores das arcádias dos fraguedos.
Mater Dolorosa
Meu Filho, dorme, dorme o sono eterno
No berço imenso, que se chama - o céu.
Pede às estrelas um olhar materno,
Um seio quente, como o seio meu.
Ai! borboleta, na gentil crisálida,
As asas de ouro vais além abrir.
Ai! rosa branca no matiz tão pálida,
Longe, tão longe vais de mim florir.
Meu filho, dorme Como ruge o norte
Nas folhas secas do sombrio chão!
Folha dest'alma como dar-te à sorte?
É tredo, horrível o feral tufão!
Não me maldigas... Num amor sem termo
Bebi a força de matar-te a mim
Viva eu cativa a soluçar num ermo
Filho, sê livre... Sou feliz assim...
- Ave - te espera da lufada o açoite,
- Estrela - guia-te uma luz falaz.
- Aurora minha - só te aguarda a noite,
- Pobre inocente - já maldito estás.
Perdão, meu filho... se matar-te é crime
Deus me perdoa... me perdoa já.
A fera enchente quebraria o vime...
Velem-te os anjos e te cuidem lá.
Meu filho dorme... dorme o sono eterno
No berço imenso, que se chama o céu.
Pede às estrelas um olhar materno,
Um seio quente, como o seio meu.
Meus filhos - alimária do universo, Eu - pasto universal.
A lua está cheia
Os sagitarianos estão inquietos
Procuram o encontro que não acontece,
No Bar que acolhe os discretos e os indiferentes
A lua está cheia
Mas os lobisomens não são mais os mesmos
As mulheres muito brancas não existem mais
Perderam-se em meio ao trânsito das metrópoles
Os sagitarianos estão inquietos,
Na noite de lua cheia,
no Bar do bairro de classe média,
No anonimato das mesas que não se comunicam
A lua está cheia, mas o Bar está no fim
Talvez alguém de outro signo apareça
Mas, o mapa astral diz que o dia não é hoje.
"Sim, quero viver muitos anos mais. Mas não a qualquer preço. Quero viver enquanto estiver acesa, em mim, a capacidade de me comover diante da beleza."
Rubem Alves
Amo aqueles que plantam árvores mesmo sabendo que nunca se sentarão em sua sombra.
Plantam árvores para dar sombras e frutos para aqueles que ainda não nasceram.
Porque a vida é feita de uma mistura de alegrias e tristezas.
Sem as tristezas, as alegrias são máscaras vazias,
e sem as alegrias, as tristezas são abismos escuros.
É por isso que os olhos, lugar dos sorrisos,
são regados por uma fonte de lágrimas.
São as lágrimas que fazem florescer a alegria.
"Os olhos são pintores: eles pintam o mundo de fora com as cores que moram dentro deles. Olho luminoso vê mundo colorido: olho trevoso vê mundo escuro".
Levou tempo para que eu percebesse que quem presta muita atenção no que é dito não consegue escutar o essencial. O essencial se encontra fora das palavras...
Pássaros engaiolados pensam em gaiolas. Pássaros livres pensam no azul infinito. Eu e os pássaros temos sonhos comuns. Sonhamos com voo e com a imensidão do céu azul."
Suspeito que nossas escolas ensinem com muita precisão a ciência de comprar as passagens e arrumar as malas. Mas tenho sérias dúvidas de que elas ensinem os alunos a arte de ver enquanto viajam.
A vida é composta como uma partitura musical. O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, escolhe um tema que fará parte da partitura da sua vida. Voltará ao tema, repetindo-o, modificando-o, desenvolvendo-o, transpondo-o, como faz um compositor com os temas de uma sonata.
O ódio segura, para que o outro não seja feliz. O ódio gruda mais que amor. Porque o amor deixa o outro voar...