Reflexões de Mário Quintana

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Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca…
Minha alma assenta-se no cordão da caçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos…)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d'água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!

Os antigos retratos de parede
Não conseguem ficar por longo tempo abstratos.

Às vezes os seus olhos te fitam, obstinados.
Porque eles nunca se desumanizam de todo.

Jamais te voltes para trás de repente:
Poderias pegá-los em flagrante.

Não, não olhes nunca!
O melhor é cantares cantigas loucas e sem fim...
Sem fim e sem sentido...
Dessas que a gente inventava para enganar a solidão
dos caminhos sem lua.

Coexistência pacífica

Amai-vos uns aos outros é muito forte para nós: o mais que podemos fazer, dentro da imperfeição humana, é suportarmo-nos uns aos outros.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

O cotidiano é o icógnito do mistério.

Nada se perde, tudo muda de dono.

Mas quando surges és tão outra,
e múltipla e imprevista...
que nunca te pareces com o teu retrato!
E eu tenho de fechar meus olhos,
para ver-te!

Mario Quintana
Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006.

Nota: Trecho do poema Presença.

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Poema transitório

Eu que na Era da fumaça: - trenzinho
Vagaroso com vagarosas paradas
Em cada estaçãozinha pobre
Para comprar
Pastéis
Pés-de-moleque
Sonhos
- principalmente sonhos!
porque as moças da cidade vinham
olhar o trem passar:
eles suspirando maravilhosas viagens
e a gente com um desejo súbito
de ficar ali morando sempre...
Nisto, o apito da locomotiva
e o trem se afastando
e o trem arquejando
é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar...
Ah, como esta vida é urgente!
... no entanto
eu gostava era mesmo de partir...
e - até hoje – quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma...
viajar indefinidamente...
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.

Havia um tempo de cadeiras na calçada. Era um tempo em que havia mais estrelas. Tempo em que as crianças brincavam sob a claraboia da lua. E o cachorro da casa era um grande personagem. E também o relógio da parede! Ele não media o tempo simplesmente: ele meditava o tempo.

Mário Quintana, in Caderno H

Quem ama inventa

Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revoo sobre a ramaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressureições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Ó! meu pobre, meu grande amor distante.
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!

Mario Quintana
Quintana de bolso. Porto Alegre: L&PM, 1997.

A vida é louca, o mundo é triste:
vale a pena matar-se por isso?

(...)
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos!
(...)
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente...
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Mario Quintana
Antologia poética. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

Nota: Trechos do poema Seiscentos e sessenta e seis, que costuma ser veiculado na internet com o título O tempo.

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Não te abras com teu amigo Que ele tem um outro amigo tem e o amigo doteu amigo possui amigos também...

O Destino é o acaso atacado de mania de grandeza.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

A morte é que está morta
Ela é aquela Princesa Adormecida
no seu claro jazigo de cristal.
Aquela a quem, um dia - enfim - despertarás...

E o que esperavas ser teu suspiro final
é o teu primeiro beijo nupcial!

- Mas como é que eu te receava tanto
(no teu encantamento lhe dirás)
e como podes ser assim - tão bela?!
Nas tantas buscas, em que me perdi,
vejo que cada amor tinha um pouco de ti...

E ela, sorrindo, compassiva e calma:

- E tu, por que é que me chamavas Morte?
Eu sou, apenas, tua Alma...

As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais inprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas. Nada lhes ficou, nada lhes sobrou, uma vida não basta ser vivida: também precisa ser sonhada.

Não importa saber se a gente acredita em Deus: o importante é saber se Deus acredita na gente...

"Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não leem."

(Mário Quintana)

O homem – eternamente escravo de suas paixões pessoais – é absolutamente incapaz de imparcialidade.

A vida é nova e anda nua vestida apenas com o teu desejo!

Y
Fase do encantamento - É quando o romantismo
esta à flor da pele. A admiração é muito grande
(o máximo), a sensação dos recém casados é
uma delícia.