Reflexões de Fernando Pessoa
Na noite terrível, substância natural de todas as noites
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites
Relembro, velando em modorra incômoda
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Relembro, e uma angústia. Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures.
Na ilusão do espaço e do tempo,
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei.
O que só agora vejo que deveria ter feito Na falsidade do decorrer.
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido
Isso é que é morto para além de todos os Deuses
Se em certo momento.
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Isso e foi afinal o melhor de mim é que nem os Deuses fazem viver ...
Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certa conversa.
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro.
Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido.
Se tudo isso tivesse sido assim.
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro.
Seria insensivelmente levado a ser outro também...
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo
A conversa fechada concludentemente
Claras, inevitáveis, naturais...
A matéria toda resolvida...
O que falhei deveras não tem esperança nenhuma
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei,
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos.
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Como uma verdade de que não partilho,
Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca.
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível pra mim.
Fernando Pessoa
Como um vento na floresta,
Como um vento na floresta,
Minha emoção não tem fim.
Nada sou, nada me resta.
Não sei quem sou para mim.
E como entre os arvoredos
Há grandes sons de folhagem,
Também agito segredos
No fundo da minha imagem.
E o grande ruído do vento
Que as folhas cobrem de som
Despe-me do pensamento:
Sou ninguém, temo ser bom.
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma.
Nas próprias antecâmaras do sentimento
é proibido ser explícito...
Desceu sobre nós a mais profunda e a mais mortal das secas dos séculos — a do conhecimento íntimo da vacuidade de todos os esforços e da vaidade de todos os propósitos. Barão de Teive
(do livro em PDF: Aforismo e afins)
O historiador é um homem que põe os factos nos seus devidos lugares. Não é como foi; é assim mesmo.
Todos nós temos momentos futuristas, como quando, por exemplo, tropeçamos numa pedra.
(extraído do livro em PDF: Aforismo e Afins)
A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final. Bernardo Soares
(extraído do livro em PDF: Aforismo e Afins)
“ Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...
Sejamos simples e calmos”...
(trecho extraído do livro em PDF: Poemas de Alberto Caiero)
O milagre é a preguiça de Deus, ou, antes, a preguiça que Lhe atribuímos, inventando o milagre. Bernardo Soares
(extraído do livro em PDF: Aforismo e Afins)
Tendo visto com que lucidez e coerência lógica certos loucos justificam, a si próprios e aos outros, as suas ideias delirantes, perdi para sempre a segura certeza da lucidez da minha lucidez. Bernardo Soares
(extraído do livro em PDF: Aforismo e Afins)
“Pobres das flores dos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo”...
(trecho extraído do livro em PDF: Poemas de Alberto Caeiro)
O homem está acima do cidadão. Não há Estado que valha Shakespeare.
(extraído do livro em PDF: Aforismo e Afins)
"A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.
Por isso...
Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens."
Assim, sem nada feito e o por fazer
Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.
Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.
Tênue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.
Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.
Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!
Estás só...
Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada esperes que em ti já não exista.
Cada um consigo é triste.
Tens sol, se há sol, ramos se ramos buscas.
Sorte se a sorte é dada.
Partir!
Nunca voltarei
Nunca voltarei porque nunca se volta
O lugar que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.
Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflete o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre. [adaptado]
Nota: Adaptação de citação de Fernando Pessoa