Reflexões de Fernando Pessoa

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Do indivíduo temos que partir, ainda que seja para o abandonar.

(Aforismos e afins)

Os Deuses são a encarnação do que nunca poderemos ser.

Bernardo Soares

Não haver deuses é um deus também.

A diferença entre Deus e nós deve ser não de atributos, mas da própria essência do ser. Ora tudo é o que é. Portanto Deus é não só o que é mas também o que não é. Confunde-nos de Si com isso.

(Aforismos e afins)

Be complete in everything, for to be complete in anything is to be right. All roads arrive at the same place.

Sê inteiro em cada coisa, pois ser inteiro em qualquer coisa é estar certo. Todos os caminhos vão dar ao mesmo lugar.

(Aforismos e afins)

Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo.
Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos.

[Bernardo Soares]

"É talvez o último dia de minha vida. Saudei o sol levantando a mão direita, mas não o saudei dizendo-lhe adeus. Fiz sinal de gostar de o ver".
(Poemas inconjuntos - Alberto Caeiro)

"Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?".
(Poema em linha reta)

“Tenho da vida uma náusea vaga, e o movimento acentua-ma”.

“A vida, para mim, é uma sonolência que não chega ao cérebro. Esse conservo eu livre para que nele possa ser triste”.

(Do livro do Desassossego - PDF – Bernado Soares)

Agora que sinto amor
Tenho interesse nos perfumes.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.

( Alberto Caeiro [Heterônimo de Fernando Pessoa], In O Pastor Amoroso)

Ah! Ser indiferente!
É do alto do poder da sua indiferença
Que os chefes dos chefes dominam o mundo.

(Álvaro de Campos [Heterônimo de Fernando Pessoa], (escrito em 12.1.1935), In Poesia)

A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de Inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos secos.
O frio leve treme.

Fernando Pessoa
REIS, Ricardo. Odes de Ricardo Reis. Lisboa: Ática, 1946.

Todas as cartas de amor são ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.

“Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é”.

( Alberto Caeiro [Heterônimo de Fernando Pessoa], In Poemas Inconjuntos - In Poesia, Assírio e Alvim, ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith, 2001.)

Mas eu não tenho problemas; tenho só mistérios.

Todos choram as minhas lágrimas, porque as minhas lágrimas são todos.
Todos sofrem no meu coração, porque o meu coração é tudo.

( Álvaro de Campos [Heterônimo de Fernando Pessoa], In Poesia, Assírio e Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002.)

Quando reflito sobre quão reais e verdadeiras são para o louco as coisas da sua loucura, não posso deixar de concordar com a essência da declaração de Protágoras de que 'o homem é a medida de todas as coisas'.

Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.

Fernando Pessoa, in Livro do desassossego

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.

“Como não te sonhar?”

Nunca supus que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei e a falsa sorte,

Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro, entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento;
Mas, seja como for, segue a viagem.

Passei, embora num comboio expresso
Seguisses, e adiante do em que vou;
No términus de tudo, ao fim lá estou
Nessa ida que afinal é um regresso.

Porque na enorme gare onde Deus manda
Grandes acolhimentos se darão
Para cada prolixo coração
Que com seu próprio ser vive em demanda.

Hoje, falho de ti, sou dois a sós.
Há almas pares, as que conheceram
Onde os seres são almas.

Como éramos só um, falando! Nós
Éramos como um diálogo numa alma.
Não sei se dormes [...] calma,
Sei que, falho de ti, estou um a sós.

É como se esperasse eternamente
A tua vida certa e conhecida
Aí em baixo, no café Arcada —
Quase no extremo deste [...]

Aí onde escreveste aqueles versos
Do trapézio, doriu-nos [...]
Aquilo tudo que dizes no «Orpheu».

Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais.

[...]

Não mais, não mais, e desde que saíste
Desta prisão fechada que é o mundo,
Meu coração é inerte e infecundo
E o que sou é um sonho que está triste.

Porque há em nós, por mais que consigamos
Ser nós mesmos a sós sem nostalgia,
Um desejo de termos companhia —
O amigo como esse que a falar amamos.