Reflexão William Shakespeare
Não, não deixes teu pescoço aos grilhões da sorte. Mas deixa tua mente destemida cavalgar triunfante sobre todos os azares.
O relâmpago que, num ímpeto apaixonado, mostra céu e terra e, antes que um homem tenha a capacidade de dizer 'Olha!', devora-nos os beiços da escuridão. Com essa rapidez, o que era brilhante alcança a ruína.
O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.
Contudo, o amor é cego, e os namorados nunca vêem as tolices impagáveis que eles próprios praticam, porque, se vissem, até mesmo o amor ficaria enrubescido.
Onde estamos, há adagas nos sorrisos! O mais perto de nosso sangue é o que está mais perto de derramá-lo!
O poder da beleza transforma a honestidade em meretriz mais depressa do que a força da honestidade faz a beleza se assemelhar a ela.
Bastantes vezes a aparência externa carece de valor. Sempre enganado tem sido o mundo pelos ornamentos. Em direito, que causa tão corrupta e estragada, não fica apresentável por uma voz graciosa, que a aparência malévola disfarça? Que heresia poderá haver em religião, se alguma fronte austera a defende, e justifica com a citação de um texto, mascarando com bonito fraseado a enormidade? Não há vicio, por crasso, que não possa revelar aparência de virtude. Quantos poltrões não vemos, cujo peito resiste tanto como areia ao vento, que no queixo nos mostram barba de Hércules ou do sombrio Marte, e que por dentro fígados como leite só possuem? Os bigodes só usam da coragem, para que possam parecer temíveis. Mas se a beleza olhásseis, acharíeis que é só comprada a peso, e que milagre realiza da natura, ocasionando mais leveza onde mais presente esteja. isso se dá com esses cabelos louros de cachos enrolados como serpes, que saltitam ao vento, libertinos. cobrindo uma beleza só de empréstimo; conhecidos são todos como dádiva de uma cabeça estranha: já no túmulo se encontra o crânio sobre que nasceram. Praia traiçoeira é o ornato, por tudo isso, de um mar mui perigoso, linda charpa que esconde o rosto de uma bela indiana; em resumo: aparência da verdade, de que se vale o tempo experto, para colher até os mais sábios. Assim sendo, brilhante ouro, de Midas duro cibo, nada quero de ti, como não quero também de ti, intermediário pálido e vulgar entre os homens. Minha escolha recai em ti, em ti, modesto chumbo, que mais ameaças do que prêmio inculcas. Tua lhaneza é a máxima eloqüência. Seja pois alegria a conseqüência
SONETO 3
Mira no espelho e descreve o rosto que vês;
Agora é o tempo em que a face deve mudar,
Cujos reparos não tenhas logo renovado,
Terás enganado o mundo, à revelia de tua mãe.
Onde está a bela, cujo ventre não semeado
Desdenha o cultivo de teus cuidados?
Ou de quem será a tumba de um ser tão cioso
De seu amor-próprio para negar a posteridade?
És o espelho de tua mãe, e tua semelhança
Recorda os adoráveis dias de sua primavera;
Então, pela tua idade, poderás ver,
Apesar das rugas, o teu tempo áureo;
Mas se vives para não seres lembrado,
Jamais te cases, e tua imagem fenecerá contigo.