Quem Sou Eu Clarice Lispector
Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão.
No fundo sou sozinha. Há verdades que nem a Deus eu contei. E nem a mim mesma. Sou um segredo fechado a sete chaves. Por favor me poupem. Estou tão só. Eu e meus rituais. O telefone não toca. Dói. Mas é Deus que me poupa.
À duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.
Sou tão misteriosa que não me entendo.
Eu sou uma atriz para mim. Eu finjo que sou uma determinada pessoa mas na realidade não sou nada.
E quero a desarticulação, só assim sou eu no mundo. Só assim me sinto bem.
Sou uma pessoa insegura, indecisa, sem rumo na vida, sem leme para me guiar: na verdade não sei o que fazer comigo.
Eu sou nostálgica demais, pareço ter perdido alguma coisa não se sabe onde e quando.
Eu sou o antes, eu sou o quase, eu sou o nunca. E tudo isso ganhei ao deixar de te amar.
Não tenha medo de meu silêncio... Sou um louco mas guiado dentro de mim por uma espécie de grande sábio...
Vocês não sabem nada de mim. Nunca te disse e nunca te direi quem sou. Eu sou vós mesmos.
Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim.
Eu sou sozinha no mundo e não acredito em ninguém; todos mentem, às vezes até na hora do amor, eu não acho que um ser fale com o outro, a verdade só me vem quando estou sozinha.
Sou vulnerável às menores bobagens, às mínimas palavras ditas, a olhares até, e sobretudo, a imaginações.
Naturalmente eu sou irritável, naturalmente meu humor não é brilhante, mas de um modo geral sou alegre.
E é só o que posso dizer a meu respeito? Ser “sincera”? Relativamente sou. Não minto para formar verdades falsas. Mas usei demais as verdades como pretexto. A verdade como pretexto para mentir? Eu poderia relatar a mim mesma o que me lisonjeasse, e também fazer o relato da sordidez. Mas tenho que tomar cuidado de não confundir defeitos com verdades.
Divido-me milhares de vezes em quantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos – só me comprometo com a vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para mim.
Eu sou feita de tão pouca coisa e meu equilíbrio é tão frágil que eu preciso de um excesso de segurança para me sentir mais ou menos segura.