Público

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(...) esse monstro enorme a que se chama público, e que tem tantos ouvidos e tantas línguas, mas ao qual faltam os olhos.

Repreende o amigo em segredo e elogia-o em público.

Leonardo da Vinci
The Complete Notebooks of Leonardo Da Vinci (1888).

Amo o público, mas não o admiro. Como indivíduos, sim. Mas, como multidão, não passa de um monstro sem cabeça.

O público é uma besta feroz. Deve-se enjaulá-lo ou fugir dele.

O público é muitíssimo tolerante. Ele perdoa tudo, menos o gênio.

Aos olhos do artista, o público é um mal necessário; é preciso vencê-lo, nada mais.

Faça piada velha para público novo e piada nova para público velho.

Censura teus amigos na intimidade e elogia-os em público.

A mais honrosa das ocupações é servir o público e ser útil ao maior número de pessoas.

Um general vitorioso nunca cometeu erros aos olhos do público, ao passo que um general vencido só fez asneiras, por mais sensato que tenha sido o seu procedimento.

Ninguém quer o bem público que não está de acordo com o seu.

Um artista nunca pode ser absolutamente ele mesmo em público, pelo simples fato de estar em público. Pelo menos, ele precisa sempre de ter alguma forma de defesa.

Cada um possui na sua natureza alguma coisa que, se a manifestasse em público, suscitaria reprovação.

Para que haja grandes poetas é preciso que haja também um grande público.

Quando um homem assume uma função pública, deve considerar-se propriedade do público.

Apenas devia ser possuidor quem tem espírito: não sendo assim, a fortuna é um perigo público.

O limite extremo da sensatez é o que o público batiza de loucura.

O mais feliz passa por ser o maior, e o público atribui muitas vezes ao mérito todos os êxitos da sorte.

Infeliz em público

O sofrimento, excentuando-se o que traz de dor, tem um certo glamour, é cinematográfico.

Cena 1: você atravessa a madrugada escutando músicas antigas, fumando dois maços e revendo fotos.

Cena 2: você se trancafia no banheiro, senta sobre a tampa do vaso sanitário e dissolve-se de tanto chorar.

Cena 3: você se revira na cama sem conseguir pregar o olho, pensando, lembrando, doendo.

Cena 4: você caminha por uma rua da cidade, sem rumo, parando para uma cerveja num boteco estranho, onde ninguém lhe conhece – que bom ser invisível.

Se é pra sofrer, que seja sozinho, onde seu rosto possa estampar desalento, inchaços, nariz vermelho, olhar perdido, boca crispada. Se é pra sofrer, que o corpo possa verter, vergar, amolecer. Se é pra sofrer, que possa ser descabelado, que possa ser de pés descalços, que possa ser em silêncio.

Que os demônios levem pro inferno aquele que bate à nossa porta bem no meio da nossa fossa, aquele que telefona bem no auge das nossas lágrimas, aquele que nos puxa para uma festa obrigatória. Malditos todos aqueles com quem não podemos compartilhar nossa dor, e nos obrigam a fingir que nada está se passando dentro da gente.

Disfarçar um sofrimento é trabalho de Hércules. Um prêmio para todos aqueles que conseguem fazer com que os outros não percebam sua falta de ânimo nos momentos em que ânimo é tudo o que esperam de nós: nas ceias de Natal, jantares em família, reuniões de trabalho. Você não quer estar ali, quer estar em Marte, quer estar em qualquer lugar onde não seja obrigado a sorrir.

Há sempre o momento de pedir ajuda, de se abrir, de tentar sair do buraco. Mas, antes, é imprescindível passar por uma certa reclusão. Fechar-se em si, reconhecer a dor e aprender com ela. Enfrentá-la sem atuações. Deixar ela escapar pelo nariz, pelos olhos, deixar ela vazar pelo corpo todo, sem pudores. Assim como protegemos nossa felicidade, temos também que proteger nossa infelicidade. Não há nada mais desgastante do que uma alegria forçada. Se você está infeliz, recolha-se, não suba ao palco. Disfarçar a dor é dor ainda maior.

Martha Medeiros
Crônica "Infeliz em público", 2004.

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas Gêmeas, a 17 de maio de 2004.

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Eu sabia que eu pertencia ao público e ao mundo, não pelo fato de ser talentosa ou até mesmo bonita, mas porque eu nunca pertenci a nada ou a ninguém.