Porque sou assim

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Irritantemente adorável, apaixonantemente complicado. Desculpe, eu sou de Gêmeos.

Sou uma pergunta.

Clarice Lispector

Nota: Título de uma crônica do livro "A descoberta do mundo".

Sou uma ótima dona de casa: sempre que me divorcio, eu fico com a casa.

Meu amor, eu já sou outra e sendo outra não sou mais sua.

Sou o que penso, mas penso ser tantas coisas.

Sei o que devo ser e ainda não sou, mas rendo graças a Deus por estar trabalhando, embora lentamente, por dentro de mim próprio, para chegar, um dia, a ser o que devo ser.

Se sou estrela, foi o público que me fez estrela, não o estúdio nem ninguém em particular, mas o público.

Sou carente, gosto de carinho, de saber que as pessoas se importam comigo e principalmente, de alguém que me mostre que tudo vai ficar bem.

Sou daquelas que muda de humor escutando uma música, daquelas que não se importam se pentearam o cabelo, daquelas que não fazem questão de encher a cara de maquiagem para ficar bonitas, sou daquelas que não precisam fazer cena para algum garoto notar sua presença. Eu sou daquelas que se contentam com um simples abraço e um sorriso bobo no rosto.

Eu sou a pedra no meio do meu caminho.
gostaria de esquecer que vivo tropeçando em mim:
ao invés de olhar por onde ando,
tentando me desviar de comigo,
olharia o horizonte, bem lá adiante,
onde ainda não cheguei pra me atravessar o caminho.

Entretanto, sou incapaz de dizer o que é que eu quero, apesar de ansiar pelo que eu espero de alguma forma secreta. Pois muitas vezes, e com frequência cada vez maior, a medida que o tempo passa, dou comigo de repente a interromper minha andança, como se eu fosse paralisada por um olhar estranho e novo sobre a superfície da terra que conheço tão bem. Um olhar que insinua alguma coisa; mas que se vai antes de perceber seu sentido. É como se um riso nunca visto furtivamente se estendesse num rosto bem conhecido; por um lado dá medo, no entanto por outro ele nos faz um sinal.

Eu sou lúcida na minha loucura, permanente na minha inconstância, irrequieta na minha comodidade. Pinto a realidade com alguns sonhos, enxerto sonhos em cenas reais. Choro lágrimas de rir e quando choro prá valer não derramo uma lágrima.

Amo mais do que posso e, por medo, sempre menos do que sou capaz. Busco pelo prazer da paisagem e raramente pela alegre frustração da chegada. Quando me entrego, me atiro e quando recuo não volto. Mas não me leve a sério, sei que nada é definitivo. Nem eu ou o que penso que eu sou. Nem nós ou que a gente pensa que tem.

Claudia Letti
Onde não se responde (2004).

Nota: Trecho do texto "Transparências".

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Minha salvação começa pela consciência de que nada sou e de que nada me é devido.

Se ser político é reclamar das injustiças. Então, eu sou político

Enfim. Cansei de pedir desculpa por quem eu sou.

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu escrevo.

Ricardo Reis
Poemas de Ricardo Reis. Lisboa: Imprensa Nacional, 1994.

Sou imatura, egocêntrica e debilmente iludida por uma autoestima analgésica de efeito rebote. E dane-se. Um dia o meu amor verdadeiro chegará e será diferente de tudo isso e nós vamos chorar de emoção por ter valido a pena não sangrar até a morte nos insistentes e rotineiros momentos de angústia e nada e vazio e solidão e inconformismo.

Algumas pessoas me perguntam se eu sou um bruxo;
outras suspeitam fortemente que sou um lobo;
outras dizem até que sou um vampiro...
O que sou, de fato, não revelarei aqui,
mas adianto que sou eterno
e que o fogo anda comigo.

Não estou em busca da minha cara-metade, eu já sou inteira e o que vier é só acessório.

Mas eu sou uma chata que parece viver com medo de dizer as coisas claramente.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta para Tania Kaufmann, escrita em 5 de novembro de 1948.

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