Porque sou assim
Eu não sei esperar nada. E a natureza gritando no meu ouvido que então, já que sou birrenta, vou ficar sem nada mesmo. Porque é preciso saber viver. Atiram a gente nesse mundo, nosso coração sente um monte de coisa desordenada, nosso cérebro pensa um monte de absurdo. E a gente ainda precisa ser super-equilibrada para ganhar alguma coisa da vida. Como se só por estar aqui, aturando tanta maluquice, a gente já não devesse ganhar aí um desconto para também ser louco de vez em quando.
Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas, minhas tristezas, absolutas.
Ultrapassar a dor é a pior crueldade. E eu tenho medo disso, eu que sou extremamente moral. Mas agora sei que tenho de ter uma coragem muito maior: a de ter uma outra moral, tão isenta que eu mesma não a entenda e que me assuste.
Quero pegar, sentir, tocar, ser. E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. (...) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena.
Entretanto, nem por isso sou menos capaz de definir essa sensação, de analisá-la, ou mesmo de ter dela uma percepção integral. Reconheci-a, repito-o, algumas vezes no aspecto duma vinha rapidamente crescida, na contemplação de uma falena, duma borboleta, duma crisálida, duma corrente de água precipitosa. Senti-a no oceano, na queda dum meteoro. Senti-a nos olhares de pessoas extraordinariamente velhas. E há uma ou duas estrelas no céu (uma especialmente, uma estrela de sexta grandeza dupla e mutável, que se encontra perto da grande estrela da Lira) que, vistas pelo telescópio, me deram aquela sensação. Sentindo-me invadido por ela ao ouvir certos sons de instrumentos de corda e, não poucas vezes, ao ler certos trechos de livros. Entre numerosos outros exemplos, lembro-me de alguma coisa num de Joseph GlanvilI que (talvez simplesmente por causa de sua singularidade, quem sabe lá?) jamais deixou de inspirar-me a mesma sensação: "E ali dentro está a vontade que não morre. Quem conhece os mistérios da vontade, bem como seu vigor? Porque Deus é apenas uma grande vontade, penetrando todas as coisas pela qualidade de sua aplicação. O homem não se submete aos anjos nem se rende inteiramente à morte, a não ser pela fraqueza de débil vontade.
Eu me sinto culpado quando não vos obedeço. Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam.
Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Quero poder sempre te amar e ouvir o quanto sou amada, quero poder acordar com você me enchendo de beijos ou simplesmente acordar pra ver o quanto é lindo você dormindo.
É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo. Sinto quem sou e a impressão está alojada na parte alta do cérebro, nos lábios – na língua principalmente –, na superfície dos braços e também correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu não sei dizer. O gosto é cinzento, um pouco avermelhado, nos pedaços velhos um pouco azulado, e move-se como gelatina, vagarosamente. Às vezes torna-se agudo e me fere, chocando-se comigo. Muito bem, agora pensar em céu azul, por exemplo. Mas sobretudo donde vem essa certeza de estar vivendo?
Eu não sou o tipo de pessoa que costuma descumprir regras e nem por isso sou um vegetal ou uma santa.
Eu sou o corpo Raquítico que o teu olho desprezou sou a saliva das bocas que tua boca beijou sou o velho que pede esmola sou a criança que chora desprotegida de amor.
Meu egoísmo é revelar só um pedaço do que sou, só a parte boa, a mocinha da história. Tenho, dentro de mim, um elenco de coadjuvantes que não deixo que brilhem, que não dão autógrafos nem saem nas capas de revista. Egoísta. Poupando o mundo do meu lado sórdido, que costuma ser o mais interessante.