Poetas Portugueses

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Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas...
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!

Tinha o manto do sol...quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de ouro espedaçou?

Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando...

Ah! quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!...

Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lágrimas de vê-los se derretem.

Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisão, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.

Porém se então me vedes por acerto,
Esse áspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.

Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c' um favor que vós não dais,
Quando com um desprezo me dais vida?

Mas todas suas iras são de Amor;
todos os seus males são um bem,
que eu por todo outro bem não trocaria.

Não ser
Ah! arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!
Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!

Quem nos deu asas para andar de rastos?
Quem nos deu olhos para ver os astros
– Sem nos dar braços para os alcançar?!…

O Homem é um Animal Irracional

1. O homem é um animal irracional, exatamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, o homem é um animal irracional complexo. É esta a conclusão que nos leva a psicologia científica, no seu estado atual de desenvolvimento. O subconsciente, inconsciente, é que dirige e impera, no homem como no animal. A consciência, a razão, o raciocínio são meros espelhos. O homem tem apenas um espelho mais polido que os animais que lhe são inferiores.

2. Sendo assim, toda a vida social procede de irracionalismos vários, sendo absolutamente impossível (excepto no cérebro dos loucos e dos idiotas) a ideia de uma sociedade racionalmente organizada, ou justiceiramente organizada, ou, até, bem organizada.

3. A única coisa superior que o homem pode conseguir é um disfarce do instinto, ou seja o domínio do instinto por meio de instinto reputado superior. Esse instinto é o instinto estético. Toda a verdadeira política e toda a verdadeira vida social superior é uma simples questão de senso estético, ou de bom gosto.
4. A humanidade, ou qualquer nação, divide-se em três classes sociais verdadeiras: os criadores de arte; os apreciadores de arte; e a plebe. As épocas maiores da humanidade são aquelas em que sobressaem os criadores de arte, mas não se sabe como se realizam essas épocas, porque ninguém sabe como se produzem homens de gênio.

5. Toda a vida e história da humanidade é uma coisa, no fundo, inteiramente fútil, não se percebe para que há, e só se percebe que tem que haver.

6. A plebe só pode compreender a civilização material. Julgar que ter automóvel é ser feliz é o sinal distintivo do plebeu.

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida.

(...) heróica nas suas dores, sofrendo-as ao mesmo tempo com a tristeza do animal e a grandeza da pessoa.

Miguel Torga
TORGA, M., Diário

Tudo vale a pena

"O espelho reflete certo; não erra porque não pensa".

Tenho a náusea física da humanidade vulgar, que é, aliás, a única que há. E capricho, ás vezes, em aprofundar essa náusea, como se pode provocar um vomito para aliviar a vontade de vomitar.
Um dos meus passeios predilectos, nas manhãs em que temo a banalidade do dia que vai seguir como quem teme a cadeia, é o de seguir lentamente pelas ruas fora, antes da abertura das lojas e dos armazéns, e ouvir os farrapos de frases que os grupos de raparigas, de rapazes, e de uns com outras, deixam cair, como esmolas da ironia, na escola invisível da minha meditação aberta.
E é sempre a mesma sucessão das mesmas frases... «E então ela disse...» e o tom diz da intriga dela. «Se não foi ele, foste tu...» e a voz que responde ergue-se no protesto que já não oiço. «Disseste, sim senhor, disseste...» e a voz da costureira afirma estridentemente «minha mãe diz que não quer...» «Eu?» e o pasmo do rapaz que traz o lanche embrulhado em papel-manteiga não me convence, nem deve convencer a loura suja. «Se calhar era...» e o riso de três das quatro raparigas cerca do meu ouvido a obscenidade que (...) «E então pus-me mesmo dia nte do gajo, e ali mesmo na cara dele — na cara dele, hem, ó Zé...» e o pobre diabo mente, pois o chefe do escritório — sei pela voz que o outro contendor era chefe do escritório que desconheço — não lhe recebeu na arena entre as secretárias o gesto de gladiador de palhinhas [?] «... E então eu fui fumar para a retrete...» ri o pequeno de fundilhos escuros.
Outros, que passam sós ou juntos, não falam, ou falam e eu não oiço, mas as vozes todas são-me claras por uma transparência intuitiva e rota. Não ouso dizer — não ouso dizê-lo a mim mesmo em escrita, ainda que logo o cortasse — o que tenho visto nos olhares casuais, na sua direcção involuntária e baixa, nos seus atravessamentos sujos. Não ouso porque, quando se provoca o vómito, é preciso provocar um.
«O gajo estava tão grosso que nem via a escada.» Ergo a cabeça. Este rapazote, ao menos descreve. E esta gente quando descreve é melhor do que quando sente, porque por descrever esquece-se de si. Passa-me a náusea. Vejo o gajo. Vejo-o fotograficamente. Até o calão inocente me anima. Bendito ar que me dá na fronte — o gajo tão grosso que nem via que era de degraus a escada — talvez a escada onde a humanidade sobe aos tombos, apalpando-se e atropelando-se na falsidade regrada do declive aquém do saguão.
A intriga a maledicência, a prosápia falada do que se não ousou fazer, o contentamento de cada pobre bicho vestido com a consciência inconsciente da própria alma, a sexualidade sem lavagem, as piadas como cócegas de macaco, a horrorosa ignorância da inimportância do que são... Tudo isto me produz a impressão de um animal monstruoso e reles, feito no involuntário dos sonhos, das côdeas húmidas dos desenhos, dos restos trincados das sensações.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso.
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez não o suspeites!-
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.

Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.

Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos noturnos.

Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.

Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.

Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.

Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abateria as sólidas montanhas.

E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria
As mesas espelhentas do Martinho.

É Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.

Luís de Camões
Os Lusíadas (1572).

O amor é uma luz que não deixa escurecer a vida: é refletida do astro eterno; irradia-se de Deus. -

“Como não te sonhar?”

O discurso trás os montes ao fracasso quando imita o canto dos pássaros.

Seja você como é para que possas saborear as alegrias que contêm a clássica das fantasias.

Dizem que as flores são todas
Palavras que a terra diz.
Não me falas: incomodas.
Falas: sou menos feliz.

Nem tudo é dias de sol