Poetas Portugueses

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Viagens na minha Terra

O marquês do F¹.
(F¹ - D. Domingos Antônio de Sousa Coutinho.)

Tinha a bossa, a paixão, a mania, a fúria de choutar aquele notável fidalgo - o último fidalgo, homem de letras que deu esta terra. Mas adorava o chouto o nobre do marquês. Conheci-o em Paris nos últimos tempos da sua vida, já octogenário ou perto disso.

Viagens na minha Terra

O marquês do F¹.
(F¹ - D. Domingos Antônio de Sousa Coutinho.)

Foi um dos homens mais extraordinários e português mais notável que tenho conhecido, aquele fidalgo. Era feio como o pecado, elegante como um bugio, e as mulheres adoravam-no.

Viagens na minha Terra

Eu amo a charneca.
E não sou Romanesco. Romântico, Deus me livre de o ser - ao menos o que na algaravia de hoje se entende por essa palavra.

Viagens na minha Terra

Sentia-me disposto a fazer versos, a quê? Não sei.
Felizmente que não estava só, e escapei de mais essa caturrice.
Mas foi como se os fizesse, os versos; como se os estivesse fazendo, porque me deixei cair num verdadeiro estado poético de distração, de mudez; cessou-me a vida toda de relação e não me sentia existir senão por dentro.

Viagens na minha Terra.

Há livros, e conheço muitos, que não deviam ter títulos, nem o título e nada neles.
E há títulos também que não deviam ter livro, porque nenhum livro é possível escrever que os desempenhe como eles merecem.

A falta de criatividade é a ignorância da mesmice, confundida com a necessidade da graça que nos permite passear.

Quando te vi amava-te já muito antes

Passa , ave, passa,
E ensina-me a passar.

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso.
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez não o suspeites!-
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.

Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.

Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos noturnos.

Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.

Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.

Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.

Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abateria as sólidas montanhas.

E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria
As mesas espelhentas do Martinho.

A realidade é o gesto visível das mãos invisíveis de Deus.

Um dos aspectos da desigualdade é a singularidade – isto é, não o ser este homem mais, neste ou naquele característico, que outros homens, mas o ser tão somente diferentes deles.
(Aforismos e afins)

Do indivíduo temos que partir, ainda que seja para o abandonar.

(Aforismos e afins)

Os Deuses são a encarnação do que nunca poderemos ser.

Bernardo Soares

Não haver deuses é um deus também.

A diferença entre Deus e nós deve ser não de atributos, mas da própria essência do ser. Ora tudo é o que é. Portanto Deus é não só o que é mas também o que não é. Confunde-nos de Si com isso.

(Aforismos e afins)

Be complete in everything, for to be complete in anything is to be right. All roads arrive at the same place.

Sê inteiro em cada coisa, pois ser inteiro em qualquer coisa é estar certo. Todos os caminhos vão dar ao mesmo lugar.

(Aforismos e afins)

Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo.
Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos.

[Bernardo Soares]

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.

Nunca supus que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei e a falsa sorte,

Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro, entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento;
Mas, seja como for, segue a viagem.

Passei, embora num comboio expresso
Seguisses, e adiante do em que vou;
No términus de tudo, ao fim lá estou
Nessa ida que afinal é um regresso.

Porque na enorme gare onde Deus manda
Grandes acolhimentos se darão
Para cada prolixo coração
Que com seu próprio ser vive em demanda.

Hoje, falho de ti, sou dois a sós.
Há almas pares, as que conheceram
Onde os seres são almas.

Como éramos só um, falando! Nós
Éramos como um diálogo numa alma.
Não sei se dormes [...] calma,
Sei que, falho de ti, estou um a sós.

É como se esperasse eternamente
A tua vida certa e conhecida
Aí em baixo, no café Arcada —
Quase no extremo deste [...]

Aí onde escreveste aqueles versos
Do trapézio, doriu-nos [...]
Aquilo tudo que dizes no «Orpheu».

Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais.

[...]

Não mais, não mais, e desde que saíste
Desta prisão fechada que é o mundo,
Meu coração é inerte e infecundo
E o que sou é um sonho que está triste.

Porque há em nós, por mais que consigamos
Ser nós mesmos a sós sem nostalgia,
Um desejo de termos companhia —
O amigo como esse que a falar amamos.