Poetas Portugueses

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Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo.

⁠O silêncio edifica nosso olhar sobre todas as coisas, tem o poder de descongelar nossas emoções, movimentando nossa vida em momentos mais harmoniosos, conduzindo-nos para favoráveis e maduras manifestações.

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que fui querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
(...)
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Algumas confusões são até engraçadas, mesmo quando em nossa pele sente-se o retardo dos desinteressados, corrige essa falha dos chamados espelhados.

Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

"Muitos não sabem propriamente distinguir a originalidade da excentricidade: uma caracteriza o gênio, outra manifesta o louco".

Triste Passeio

Vou pela estrada, sozinha.
Não me acompanha ninguém.
Num atalho, em voz mansinha:
"Como está ele? Está bem?"

É a toutinegra curiosa;
Há em mim um doce enleio...
Nisto pergunta uma rosa:
"Então ele? Inda não veio?"

Sinto-me triste, doente...
E nem me deixam esquecê-lo!...
Nisto o sol impertinente:
"Sou um fio do seu cabelo..."

Ainda bem. É noitinha.
Enfim já posso pensar!
Ai, já me deixam sozinha!
De repente, oiço o luar:

"Que imensa mágoa me invade,
Que dor o meu peito sente!
Tenho uma enorme saudade
De ver o teu doce ausente!"

Volto a casa. Que tristeza!
Inda é maior minha dor...
Vem depresa. A natureza
Só fala de ti, amor!

Perdoa-me, Visão dos Meus Amores

Perdoa-me, visão dos meus amores,
Se a ti ergui meus olhos suspirando!…
Se eu pensava num beijo desmaiando
Gozar contigo uma estação de flôres!

De minhas faces os mortais palores,
Minha febre noturna delirando,
Meus ais, meus tristes ais vão revelando
Que peno e morro de amorosas dores…

Morro, morro por ti! na minha aurora
A dor do coração, a dor mais forte,
A dor de um desengano me devora…

Sem que última esperança me conforte,
Eu – que outrora vivia! – eu sinto agora
Morte no coração, nos olhos morte!

SONHANDO

Na praia deserta que a lua branqueia
Que mimo! Que rosa, que filha de Deus!
Tão pálida - ao vê-la meu ser devaneia,
Sufoco nos lábios os hálitos meus!
Não corras na areia,
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

A praia é tão longe! E a onda bravia
As roupas de goza te molha de escuma
De noite - aos serenos - a areia é tão fria,
Tão úmido o vento que os ares perfuma!
És tão doentia!
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

A brisa teus negros cabelos soltou,
O orvalho da face te esfria o suor;
Teus seios palpitam - a brisa os roçou,
Beijou-os, suspira, desmaia de amor!
Teu pé tropeçou...
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

E o pálido mimo da minha paixão
Num longo soluço tremeu e parou,
Sentou-se na praia, sozinha no chão,
A mão regelada no colo pousou!
Que tens, coração?
Que tremes assim?
Cansaste, donzela?
Tem pena de mim!

Deitou-se na areia que a vaga molhou.
Imóvel e branca na praia dormia;
Mas nem os seus olhos o sono fechou
E nem o seu colo de neve tremia...
O seio gelou?...
Não durmas assim!
Ó pálida fria,
Tem pena de mim!

Dormia: — na fronte que níveo suar...
Que mão regelada no lânguido peito...
Não era mais alvo seu leito do mar,
Não era mais frio seu gélido leito!
Nem um ressonar...
Não durmas assim...
Ó pálida fria,
Tem pena de mim!

Aqui no meu peito vem antes sonhar
Nos longos suspiros do meu coração:
Eu quero em meus lábios teu seio aquentar,
Teu colo, essas faces, e a gélida mão...
Não durmas no mar!
Não durmas assim.
Estátua sem vida,
Tem pena de mim!

E a vaga crescia seu corpo banhando,
As cândidas formas movendo de leve!
E eu vi-a suave nas águas boiando
Com soltos cabelos nas roupas de neve!
Nas vagas sonhando
Não durmas assim...
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

E a imagem da virgem nas águas do mar
Brilhava tão branca no límpido véu...
Nem mais transparente luzia o luar
No ambiente sem nuvens da noite do céu!
Nas águas do mar
Não durmas assim...
Não morras, donzela,
Espera por mim!

Canção

Se este meu pensamento,
como é doce e suave,
de alma pudesse vir gritando fora,
mostrando seu tormento
cruel, áspero e grave,
diante de vós só, minha Senhora:
pudera ser que agora
o vosso peito duro
tornara manso e brando.
E eu que sempre ando
pássaro solitário, humilde, escuro,
tornado um cisne puro,
brando e sonoro pelo ar voando,
com canto manifesto
pintara meu tormento e vosso gesto.

Pintara os olhos belos
que trazem nas mininas
o Minino que os seus neles cegou;
e os dourados cabelos
em tranças d'ouro finas
a quem o Sol seus raios abaixou;
a testa que ordenou
Natura tão formosa;
o bem proporcionado
nariz, lindo, afilado,
que a cada parte tem a fresca rosa;
a boca graciosa,
que querê-la louvar é escusado;
enfim, é um tesouro:
os dentes, perlas; as palavras, ouro.

Vira-se claramente,
ó Dama delicada,
que em vós se esmerou mais a Natureza;
e eu, de gente em gente,
trouxera trasladada
em meu tormento vossa gentileza.
Somente a aspereza
de vossa condição,
Senhora, não dissera,
porque se não soubera
que em vós podia haver algum senão.
E se alguém, com razão,
— Porque morres? dissera, respondera:
— Mouro porque é tão bela
que inda não sou para morrer por ela.

E se pola ventura,
Dama, vos ofendesse,
escrevendo de vós o que não sento,
e vossa fermosura
tão baixo não descesse
que a alcançasse um baixo entendimento,
seria o fundamento
daquilo que cantasse todo de puro amor,
porque vosso louvor
em figura de mágoas se mostrasse.
E onde se
julgasse a causa pelo efeito, minha dor
diria ali sem medo:
quem me sentir, verá de quem procedo.

Então amostraria
os olhos saudosos,
o suspirar que a alma traz consigo;
a fingida alegria,
os passos vagarosos,
o falar, o esquecer-me do que digo;
um pelejar comigo,
e logo desculpar-me;
um recear, ousando;
andar meu bem buscando,
e de poder achá-lo acovardar-me;
enfim, averiguar-me
que o fim de tudo quanto estou falando
são lágrimas e amores;
são vossas isenções e minhas dores.

Mas quem terá, Senhora,
palavras com que iguale
com vossa fermosura minha pena;
que, em doce voz, de fora
aquela glória fale
que dentro na minh'alma Amor ordena?
Não pode tão pequena
força de engenho humano
com carga tão pesada,
se não for ajudada
dum piedoso olhar, dum doce engano;
que, fazendo-me o dano
tão deleitoso, e a dor tão moderada,
que, enfim, se convertesse
nos gostos dos louvores que escrevesse.

Canção, não digas mais; e se teus versos
à pena vêm pequenos,
não queiram de ti mais, que dirás menos.

Luís de Camões
Parnaso de Luís de Camões

O POETA

Un souvenir heureux est peut-être sur terre
Plus vrai que le bonheur.
A. DE MUSSET

Era uma noite: — eu dormia...
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! por que não morri?
Por que no sono acordei?

No meu leito adormecida,
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor,
Os cabelos recendendo
Nas minhas faces correndo,
Como o luar numa flor!

Senti-lhe o colo cheiroso
Arquejando sequioso
E nos lábios, que entreabria
Lânguida respiração,
Um sonho do coração
Que suspirando morria!

Não era um sonho mentido:
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou...
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia...
Nem ao menos a beijou!

Soluçou o peito ardente,
Sentiu que a alma demente
Lhe desmaiava a tremer,
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio
Pensou que ele ia morrer!

Que divino pensamento,
Que vida num só momento
Dentro do peito sentiu...
Não sei!... Dorme no passado
Meu pobre sonho doirado...
Esperança que mentiu...

Sabem as noites do céu
E as luas brancas sem véu
Os prantos que derramei!
Contem do vale as florinhas
Esse amor das noite minhas!
Elas sim... que eu não direi!

E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora
Lembrar-vos o sonho meu,
Com a fronte descorada
E com a voz sufocada
Dizer-vos baixo: — Sou eu!

Sou eu! que não esqueci
A noite que não dormi,
Que não foi uma ilusão!
Sou eu que sinto morrer
A esperança de viver...
Que o sinto no coração!

Riríeis das esperanças,
Das minhas loucas lembranças,
Que me desmaiam assim?
Ou então, de noite, a medo
Choraríeis em segredo
Uma lágrima por mim!

Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar do que amar.

Amar e saber amar... amar com o coração e não com a cabeça.

Aqui é onde acaba a terra e começa o mar.

A Lagartixa

A lagartixa ao sol ardente vive
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.

Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.

Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores

Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha...
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.

o meu mundo não é como o dos outros:
quero demais, exijo demais.
há em mim uma sede de infinito

VIRGEM MORTA

Lá bem na extrema da floresta virgem,
Onde na praia em flor o mar suspira...
Lá onde geme a brisa do crepúsculo
E mais poesia o arrebol transpira...
Nas horas em que a tarde moribunda
As nuvens roxas desmaiando corta,
No leito mole da molhada areia
Deitem o corpo da beleza morta.
Irmã chorosa a suspirar desfolhe
No seu dormir da laranjeira as flores,
Vistam-na de cetim, e o véu de noiva
Lhe desdobrem da face nos palores.
Vagueie em torno, de saudosas virgens
Errando à noite, a lamentosa turma...
E, entre cânticos de amor e de saudade,
Junto às ondas do mar a virgem durma.
Às brisas da saudade soluçantes
Aí, em tarde misteriosa e bela,
Entregarei as cordas do alaúde
E irei meus sonhos prantear por ela!
Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lhe
E de amorosos prantos perfumá-la...
E a essência dos cânticos divinos
No túmulo da virgem derramá-la.
Que importa que ela durma descorada
E velasse o palor a cor do pejo?
Quero a delícia que o amor sonhava
Nos lábios dela pressentir num beijo.
Desbotada coroa do poeta!
Foi ela mesma quem prendeu-te flores!
Ungiu-as no sacrário de seu peito
Inda virgem do alento dos amores!...
Na minha fronte riu de ti, passando,
Dos sepulcros o vento peregrino...
Irei eu mesmo desfolhar-te agora
Da fronte dela no palor divino!...
E contudo eu sonhava! e pressuroso
Da esperança o licor sorvi sedento!
Ai! que tudo passou!... só resta agora
O sorriso de um anjo macilento!

Ó minha amante, minha doce virgem,
Eu não te profanei, tu dormes pura:
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar ainda na ventura.
Bem cedo, ao menos, eu serei contigo
— Na dor do coração a morte leio...
Poderei amanhã, talvez, meus lábios
Da irmã dos anjos encostar no seio...
E tu, vida que amei! pelos teus vales
Com ela sonharei eternamente...
Nas noites junto ao mar e no silêncio,
Que das notas enchi da lira ardente!...
Dorme ali minha paz, minha esperança,
Minha sina de amor morreu com ela,
E o gênio do poeta, lira eólia
Que tremia ao alento da donzela!
Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agora
Se inunda em tanto sol no céu da tarde!
Acorda, coração!... Mas no meu peito
Lábio de morte murmurou: — É tarde!
É tarde! e quando o peito estremecia
Sentir-me abandonado e moribundo!?...
É tarde! é tarde! ó ilusões da vida,
Morreu com ela da esperança o mundo!...
No leito virginal de minha noiva
Quero, nas sombras do verão da vida,
Prantear os meus únicos amores,
Das minhas noites a visão perdida...
Quero ali, ao luar, sentir passando
Por alta noite a viração marinha,
E ouvir, bem junto às flores do sepulcro,
Os sonhos de su’alma inocentinha.
E quando a mágoa devorar meu peito...
E quando eu morra de esperar por ela...
Deixai que eu durma ali e que descanse,
Na morte ao menos, sobre o seio dela!

Inimiga não há, tão dura e fera,
como a virtude falsa da sincera.

Luís de Camões
Os Lusíadas

TRIDADE

A vida é uma planta misteriosa
Cheia d’espinhos, negra de amarguras,
Onde só abrem duas flores puras
Poesia e amor...

E a mulher... é a nota suspirosa
Que treme d’alma a corda estremecida,
É fada que nos leva além da vida
Pálidos de langor!

A poesia é a luz da mocidade,
O amor é o poema dos sentidos,
A febre dos momentos não dormidos
E o sonhar da ventura...
Voltai, sonhos de amor e de saudade!
Quero ainda sentir arder-me o sangue,
Os olhos turvos, o meu peito langue...
E morrer de ternura!

Ah! vem, alma sombria que pranteias.
Por quem choras? Por mim?
Em vez de prantos
Deixa-me suspirar a teus joelhos.
Tu sim és pura. Os anjos da inocência
Poderiam amar sobre teu seio.
Aperta minha mão! Senta-te um pouco
Bem unida a minha alma em meus joelhos,
Assim parece que um abraço aperta
Nossas almas que sofrem. Revivamos!
O passado é um sonh, o mundo é largo,
Fugiremos à pátria. Iremos longe
Habitar num deserto. No meu peito
Eu tenho amores para encher de encantos
Uma alma de mulher
Por que sorriste?
Sou um louco. Maldita a folha negra
Em que Deus escreveu a minha sina
Maldita minha mãe, que entre os joelhos
Não soubeste apertar, quando eu nascia,
O meu corpo infantil! Maldita!