Poetas Portugueses

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Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.

Sophia de Mello Breyner Andresen
in Coral - Obra Poética

O melhor de viajar não é ganhar, é perder. E o que de melhor se perde, em viagens, é o eu.

UNO

Nossos corpos se acalmam e se exaltam.
Num contato tão intenso e magnifico,
Que é dança, é arte, é vívido.
Movimento e sensação, sentimento.
Enquanto nossos rostos são vistos, são lidos.
Entre dedos e olhos atrevidos.

Nossas bocas se provocam e degustam.
Dentes e mordidas a todo custo.
O seu pudor, seu medo é meu abuso.
E meu susto, absurdo é seu conteúdo.
Me complementa, me alimenta.
Transforma minhas certezas em tormenta.

Cabelos, pele, unhas e beijos.
Partes cheias de vontades, desejos.
Justificam os hematomas e as palavras sobre tudo.
Receios, medos, sustos, sugestões, sonhos, mundo.
Num momento onde os dois não se anulam.
Mas por sentir e transmitir, formam algo uno.

Acho engraçado quando as pessoas criticam os outros e depois fazem o mesmo.

Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, porque não sonhar os meus próprios sonhos?

Em negócios de amor, nada de sócios.

O amor é uma amostra mortal da imortalidade.

Fernando Pessoa
Aforismos e afins. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Esperar pelo melhor e preparar-se para o pior: eis a regra.

Fernando Pessoa
Aforismos e afins. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Passei por ti sem que te visse
Vi-te depois de ti não ver
O lembrar traz à superfície
O que o olhar deixa perder.

O coração humano é como o estômago humano, não pode estar vazio, precisa de alimento sempre: são e generoso só as afeições lho podem dar; o ódio, a inveja e toda a outra paixão má é estímulo que só irrita mas não sustenta. Se a razão e a moral nos mandam abster destas paixões, se as quimeras filosóficas, ou outras, nos vedarem aquelas, que alimento dareis ao coração, que há de ele fazer? Gastar-se sobre si mesmo, consumir-se... Altera-se a vida, apressa-se a dissolução moral da existência, a saúde da alma é impossível.

O que pode viver assim, vive para fazer mal ou para não fazer nada.

Há três espécies de mulheres neste mundo: a mulher que se admira, a mulher que se deseja e a mulher que se ama. A beleza, o espírito, a graça, os dotes da alma e do corpo geram a admiração. Certas formas, certo ar voluptuoso, criam o desejo. O que produz o amor, não se sabe; é tudo isto às vezes; é mais do que isto, não é nada disto. Não sei o que é; mas sei que se pode admirar uma mulher sem a desejar, que se pode desejar sem a amar.

A vida é um escárnio sem sentido. Comédia infame que ensanguenta o lodo.

Tu és o sol, e eu sou a lagartixa.

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

"nunca deixo saber aos meus sentimentos o que lhes vou fazer sentir... brinco com minhas sensações como uma princesa cheia de tédio com os seus grandes gatos prontos e cruéis..."

Cada dia me traz com que esperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa da esperança...
Mas viver é esperar e se cansar.

O prometido nunca será dado
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se a esperança é gosto,
Gastou-se no esperá-lo, e está acabado.

Silêncio
No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...

Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!

Estou junto de ti, e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se pousou e se perdeu!

Trago-te como um filho nos meus braços!
E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos..
Silêncio, meu Amor!... Abre!... Sou eu!...

Se te é impossível viver só, nasceste escravo.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho do "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares).

LISBON REVISITED (1926)

Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...

Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...

Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!

Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta --- por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.