Poetas Gauchos

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⁠Inconstante

Ficava ali, presa ao chão, porque nela morava a inquietude permanente amarrada aos ventos.
Fecharam todas as portas e janelas para que não viajasse desavisadamente e flutuasse entre as fechaduras espalhando segredos.
De vez em quando era posta ao sol a aliviar bolores e choros que avisavam os anjos de sua dor, dos quais sempre conversava.
Eles a espreitavam e comungavam com sua dor.
Seu lamento estava inconveniente e colocava a felicidade no embaraço.
E não adiantava água benta, somente lágrimas salgadas silenciavam sua inquietude.
Ninguém a alcançava, dançava solitária com seus pensamentos.
Navegava.
E os acontecidos passados espirravam em seu rosto como recordações enganadas.
Muito tempo se passou e amanheceu diferente, com os olhos claros de cílios alongados de negro.
Na porta alguém trouxe a correspondência.
No desembalar, uma carta sem remetente, amarfanhada, com uma pérola quase imperceptível dançando entre letras descritas, grafada nas sílabas:
“Única”.
E o sorriso de sua boca eclodiu como resposta.
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠ Hora
Agora
Vou falar
De mim
Olhe nos meus olhos
Sou transparente
Dramática
Observe meu corpo
Tem cicatrizes
Não sou pragmática
Tenho alma
Não acalma
Vive dúvidas
Não vire o rosto
Olhe em mim
Tenho matemática
De consciente inexato
Não me conhece
Sou elegante
Por favor
Desça
Dos meus pensamentos
Para que nada
Aconteça
Com sua presença
Desça
Também
Do meu corpo
Você não existiu
Movimenta palavras
Para cobrir
Sua falsa coragem
Para descobrir
Quem sou.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

"Meu Deus, Meu Deus"
Deus de todo mundo
Deus criador
Punha sempre
Sementes em meu caminho
E eu as enterrava
Achando tudo
Caso encerrado
...mas eram de Deus
E elas germinavam
Eu assustava
Como tudo brotava
Ficava brava
Com a indecência
Brava
Como tudo se realizava
E me esquecia
Que tinha
Outro lado da calçada
E...
No movimento da decisão
Era simplesmente
Atravessar
Outro momento
Que ficava
Ao lado
A travessura
E
De
Nada
Adiantava
Esbravejar
Tinha
Que
Simplesmente
Atravessar.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠ Infinitamente
Quanta solidão
Amarguei
Até chegar
No teu beijo
Quantos dias ásperos
Tive que digerir
Na fome
Do teu corpo
Faminta de ti
Entre brumas
Da imaginação
Recordarás
Que nunca é sempre
Na lembrança
Você é meu
Meu desejo
Sempre
Infinitamente
Meu.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠ Neste Ano Novo
Lençóis brancos
Alvos
Onde todo dia
Descortinas, tua alma.
Na cama,
Com calma.
Antes da aurora
Forres de intenções sua oração
Para que tenhas,
Na alma
A cor da lua
Palma
Alva.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠O Décimo - Primeiro Dedo
Era uma vez, uma mulher que tinha guardado em si um segredo. Como a palavra indicava, era silencioso, deitava no mistério.
Mas quem guarda um segredo e não resgata o enigma
fica infeliz, doente.
E o imaginar veio como acalento e cirurgia para sua alma
...transformou-se em caneta, tenra, macia, perspicaz e mordaz, transformando tudo em verso.
Mas o verso é masculino e falou com a imaginação:
– Quem sou eu que visita esta página?
E a imaginação respondeu:
– Você é meu desejo, meu mundo e agora vou transformar-te em realidade.
E o segredo se escondeu, a realidade estampou, o tempo absorveu o perfume e a existência percorreu as ruas e labirintos desesperado como urgência.
E nesta briga a estação passou e o ser caneta não se
cansou, roncou tudo e virou o escritor, o artífice.
A fantasia é feminina.
Em paz com a realidade.
Quer ser verbo e decifrada como o décimo-primeiro dedo dominado pelo imaginar.
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Rita
Rita ficou brava e, numa correria que a raiva desperta subiu onde o pensamento não aliança e ficou lá como alma penada, a chorar acima na comunheira da casa.
Chorou os minutos.
Chorou as horas.
Chorou por dias.
Os meses.
Longos anos.
Chorou tanto e por resumidos até que alguém percebeu que o choro amoleceu o pau da comunheira.
As paredes derretiam, aí notaram que lá estava Rita a chorar e ia fazer a casa desabar.
Como fazer, era rezar para Nossa Senhora do Pilar para calar seu choro.
Mais oravam, mais choro caía.
E a casa dissolvia lentamente sem solução. Rita na comunheira da casa a lacrimejar.
E o pior, agora rangia, trepidava raiva e vergava os paus da construção.
E a casa deteriorou, desmanchou.
E todo mundo abandonou o que era uma construção. Ficou a casa ali vergada, desabitada
Por anos.
Até que alguém teve a graça de falar da desgraça com Rita.
Amassar a argila onde suas lágrimas se derramaram. Deus fez o homem do barro sem as lágrimas de Rita. Era tempo de magia, reconstruir.
Rita, desistir de ser lamento e assombração de um passado que se despedaçou sem lembranças, banhado de tanto chorar.
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Cercados
A idéia feita na ilusão em acreditar na capacidade de vivermos sempre em comboio, trombando uns com os outros...
...assim, feito barulho provocado pelo ranger do atrito nos trilhos, lustrando nossa carga de paciência cada vez mais longa, numa simetria infinita e solitária.
Vão ficando vagões cada vez maiores, se amontoando ao longo da penosa existência, deixando tudo de ser
paraíso para
morrer na fina linha que retorce nos trilhos.
Desgastadas e tortas.
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

"Qualquer que seja a substância das almas, a minha e a dele são feitas da mesma coisa." Acho que essa é a frase mais forte do romance de Bronte, posso imaginar que eu e você temos almas iguais, que somos feitos da mesma coisa. Talvez você seja de fato um Heathcliff com o orgulho e vaidade do Sr. Darcy, e esse é o problema. Tenho a mesma teimosia de Elizabeth e as variações de humor de Cathy. Sempre fomos a receita do desastre, dignos dos romances mais dramáticos que existem, com idas e vindas, beijos de despedidas, distância de um oceano nos separando e conversas na madrugada. Como todo bom romance, temos bons impedimentos, a sua dúvida, seu diálogo fraco, minhas emoções e sentimentos desmedidos, nosso orgulho e vaidade e a sua incapacidade de falar sobre amor. Talvez o nosso maior impedimento seja você mesmo...

⁠Ipê
Profunda e lentamente
Quero ser raiz certo dia
Embaraçar-me e enraizar na sua indecisão
Sufocar-te
Esmagar sua covardia
E você vai gritar encarniçado
Arrastar tempos
Consoantes e vogais
Vai verbar seu timbre
Asfixiado
Em noite de lua abarrotada
E não te reconhecerei
Serás estranho
Te matarei
Sem remorso
E na estação que interrompi
Para adornar esta conquista
Vou florescer
E de nada me lembrarei
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Fruto do Pai
Meu pai dizia
Que tinha de ser aroeira
Lustrar a epiderme cinzenta
Pinçar as sobrancelhas
Escovar o hálito
Acetinar os cabelos
Cortar as cascas
Ser adstringente nas respostas
Resinoso para atrair
Não ter muita importância
Se banhar de estimação
Ser baga trilocular
Desconfiar
Que somos
Filhos de Deus
Em parto humano
Que nada descende
De nossa criação
Mas do espírito
Capsula
Suavizada em Deus
Com nome e identidade
Pela vida além
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Poema
Não gosto de poesia
Nunca se despe
Aparece
Desaparece
Nunca tem fim
Aromática
Cheia de banhos e feridas
Levanta em versos
Cheia de arranhaduras
Esfola
Cozinha
E nunca serve a mesa
Arrebata
Arrebenta
Arrepios
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Saudades
Saudades, jardim de aromas, redemoinho de lembranças que se
espalham repentinamente; desabrocham em torrentes de lágrimas,
Em conta-gotas
O tempo pára
Retrocede
Para vivermos de novo.
Viver, agora, em sentimento
Em saudades
Em lembranças
Nas sombras do passado, na luz do presente.
Nas sombras das lembranças, ternas passagens, saudades,
aromas perdidos, estreitas aparências, vampiras recordações.
Na luz de todo dia, construindo saudades, suaves, a cada dia, Ave
Maria, nas contas do terço de nossa existência, espalhando aromas para que possamos ter sempre
Saudades.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠ As Serras de “Trem”
Nos altos e nos baixos
Nos vales e nos picos
Ondulando caminhos
Caminhos de Minas
as curvas não encurtam
Caminhos tortos,
Caminhos de Minas.
Nos caminhos
Os trilhos
Os trens
O trem
O que é que tem
Vamos esperar
Aí vem
Um café
Que está um trem.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Verdes Primícias
A Vida Prometia
Eu queria
Em cada frase
Deitada e deixadas nas linhas
Talvez abandonadas
Do nosso querer viver
Mas vivi
As primícias
De cada frase
Abertas
Destrancadas
Do seu verde adstringente
Deixei e deitei nelas
As proposições
Conclusões
Premissas
Da açucarada impossibilidade
Que ficou
Impregnada
No meu viver
Hoje revolvem
Os derradeiros
Sentimentos
E prazeres
Que só pertencem a você
Sempre verde.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

Seremos
Eu te esperei
Sonhei anos
Séculos
Te aguardei
Te separei
Do resto
Ouvi sua voz
Naveguei
Voei
E vi
Que eras tu
Me desesperei
Te disse: Nunca
Chegaste no meio do verso
Sem ritmo
Serias ferida aberta
Metáfora tingida
Versos trancados
Quis gritar
Viajar
Voar
Navegar
Parar
Mas para falar de ti
Tem unguento
Meu amor
Minha frase
Se veste delas
E seremos
Felizes.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Obra de mãe
Esculpida no angico
Na angina dos dias
Ao meio-dia
Respirei
Havia chuva
No meio do dia
Brotei
Havia santos
Todos os santos
E me benzi
De todos os dias
Havia
Dor
Amores
Tumores
Andei
Dei formas
De acácias
A cafés
Negociei
O gosto do aroma
A infusão
E nas xícaras destilei
Mãe me recolhe
Quero seu colo... Embrionário
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠As loucas
Jesus manso e humilde de coração
Fazei a minha essência semelhante à sua
Todas ficaram loucas
E fico a observá-las
Cuspirem sua demência
Mita tinha depressão
Comprava
E acumulava o mundo às prestações
Sofria nostalgia de aquisições
Férula eriçou os cabelos
Seus olhos mancharam de vermelho
Conseguia mastigar e digerir ódio
De sua boca proferiam palavras fétidas
Assia vagava pelo quintal
Blasfemando a chuva
Costurava vestidos com os dentes
Perdeu todas as joias
Ficou banguela
Procurando amores
De favela
Meu Deus
Tenho tanto medo
Fazei meu coração semelhante ao seu
Átia vivia de comichão
Seu cerne brotou na pele
Vivia de olhos apagados
Cabelos opacos
Feridas e pruridos
Cascas
Manchas e desilusão
Filha de Maria
Também ficou louca
Veste-se como santa
E diz que espanta o diabo
Jesus abrande meu coração
Tenho receio
Das alucinadas
Geórgia sabia amar
E enlouqueceu
Citava cacos de versos
Nas esquinas
Envelhecera com flores nos cabelos
Destrancava a casa à noite
Esperando fantasmas amantes
Ave Maria
Misericórdia
Todas ficaram loucas
Onde percorreram seus olhos?
Do que se embebedaram?
Quais sementes ingeriram?
Que germinaram loucas

Inserida por RosanaFleury

⁠Masmorra
Ficava em alguma rua sossegada, de vias estreitas, quase sem saída.
Moradia empilhada, de paredes finas e escadas escuras. Janelas apertadas davam ares de sufoco aos segredos. Entreabrindo a porta; de nada se vestiam as paredes, o chão empoeirado mostrava que ali morava o desabitado. Esperava encostada em alguma divisória o ingresso de uma figura dramática.
Chegava o visitante.
Sempre apertava seus braços e engolia seus beijos. O desejo e o medo se amavam.
Violavam a repreensão.
O temor logo desaparecia e os anseios gritavam doídos em sua carne explorada.
Havia um espelho mofado no lavabo, deformando sua imagem.
Iludiu sua boca de encarnado e saiu ajuizando que havia sido furtada por algum sentimento obscuro.
Na rua admitiu o sol abrasador iluminar sua marcha.
E nada do que desejava na sua profundeza permaneceria
no cárcere infinitamente.
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Nus

Estávamos despidos, nos cobrindo de algodão sem o mundo descortinar nosso pecado.
Seus pelos haviam arranhado minha pele e sem dizer que te amava, perguntei:
- Ate quando?
- Até algum dia. Nos vemos por aí.
Disse palavras sem hora, jogou displicência na minha cara.
Mastiguei sua elegância sem defeito e desapareceu pelo corredor.
Me vesti de transparência, masquei meu pecado. O celular tocou, era você novamente.
Atendi e verbalizou:
- Saia daí, ela vai chegar.
Não alterei meus passos entrei nas teias das mentiras e embriagada de culpa, “traguei “meu último pensamento:” isso não vale nada.”
E saí sem esperança e avancei rumo ao FINITO.


Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury