Poetas Brasileiros
HUMILDADE
Tanto que fazer!
livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.
Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.
E os pássaros detrás de grades de chuva.
E os mortos em redoma de cânfora.
(E uma canção tão bela!)
Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem pra quê.
Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.
É que "quem sou eu?" provoca necessidade. É como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
Na convivência, o tempo não importa.
Se for um minuto, uma hora, uma vida.
O que importa é o que ficou deste minuto,
desta hora… desta vida...
E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
sete vezes por dia em sete dias
de sete vidas de ouro,
amor, fonte de eterno frio
Passageiro Clandestino
No porta-mala do meu automóvel
Levo um anjo escondido...
Quando chegamos a um descampado,
Ele sai lá de dentro, estende as asas, belas como a vitória
E aí, então, nos seus ombros, dou uma longa volta pelos céus da cidade...
O mundo me parece uma coisa vasta demais e sem síntese possível.
Como um tempo de alegria, por trás do terror me acena,... E a noite carrega o dia, no seu colo de açucena... Sei que dois e dois são quatro, Sei que a vida vale a pena... mesmo que o pão seja caro e a liberdade, pequena...
Fui até onde pude, mas como é que não compreendi que aquilo que não alcanço em mim... já são os outros?
De repente as coisas não precisam mais fazer sentido.
Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia – a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la –, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir.
É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma ideia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. A ideia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas e agora? estarei mais livre?
Não. Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar – e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê.
Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.
Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?
E uma desilusão. Mas desilusão de quê? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.
Sábios pensares
Dos pequenos ridículos
nunca faça escândalos ao menos
visto que tanto ousas
não os faça pequenos
o ridículo está é nas pequenas coisas
Do pranto
não tentes consolar o desgraçado
que chora amargamente a sorte má
se o tirares por fim do seu estado
que outra consolação o restará...
Do prazer
quanto mais leve tanto mais sutil
o prazer que das coisas nos provém
escusado é beber todo um barril
para saber que gosto o vinho tem...
Da contradição
se te contradisseste e acusam-te. Sorri.
pois nada houve em realidade
teu pensamento é que chegou por si só
no outro pólo da verdade
Da falsidade
foi tudo falso o que ela disse ...
fecha os olhos, crê, a mentira é tão linda
nem ela sabe que fingir meiguice
é o mais certo sinal de que te ama ainda
Do eterno mistério
um outro mundo existe...uma outra vida...
mas de que serve ires para lá...
bem como aqui, tu'alma atônita e perdida
nada compreenderá
Do mau estilo
todo o bem, todo mal que eles te dizem, nada
seria, se soubessem expressá-lo
o ataque de uma borbolete agrada
mais que todos os beijos de um cavalo
Dona Lógica usa coque e óculos, como aquelas velhas professoras que não se fabricam mais e tão chatas que, no meio da aula, sempre alguém lhes pedia “para ir lá fora”. Sim, Dona Lógica, a alma também precisa de um pouco de ar.
Conhecer o mistério de um corpo é talvez mais importante do que conhecer o mistério de uma alma.
Essas e outras mortes ocorridas na família me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Em toda vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade.