Poetas Brasileiros
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza.
Poema de Finados
Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.
Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.
O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!
"E percebo os suspiros dos amores
quando por esses prados florescentes
se ergueram duros punhos agressores"
Qualquer que tivesse sido o crime dele [Mineirinho], uma bala bastava. O resto era vontade de matar, era prepotência.
Sei só até onde sou,
contemporânea de mim.
É em mim que tenho de criar esse alguém que entenderá.
Todas as palavras são conhecidas, mas renascem com a criança.
Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.
Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,
uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.
Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;
pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;
pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,
os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,
exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.
Reencontro
Estou rodeado de mortes.
Defuntos caminham comigo na saída do cinema.
São muitos,
sinto a presença ativa das magnólias
queimando em seu próprio aroma.
Os mortos acomodam-se a meu lado
como numa fotografia.
Ajeitam o paletó, a gola da blusa
e parecem alegres.
São gente amiga
com saudade de mim
(suponho)
e que voltam de momentos intensamente vividos.
Tentam falar e falta-lhes a voz,
tentam abraçar-me
e os braços se diluem no abraço.
Fitam-me nos olhos cheios de afeto.
Ah quanto tempo perdemos,
quanta desnecessária discórdia,
penso pensar.
É isto que me parecem dizer seus esplendentes rostos neste entardecer de janeiro.
Deus lhe deu inúmeros pequenos dons que ele não usou nem desenvolveu por receio de ser um homem completo e sem pudor.
Desencontro
Eu te dou pão e preferes ouro. Eu te dou ouro mas tua fome legítima é de pão.
Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável.
“Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco”.
(trecho extraído de versos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 78. Projeto releituras)