Poetas Brasileiros
Autógrafo
Pedir autógrafo a autor lisonjeia sua vaidade
sem melhorar a qualidade da obra.
Automóvel
Veículo que desperta o desejo de ir a
alguma parte já superlotada por veículos idênticos.
O mundo não tem ordem visível e eu só tenho a ordem da respiração. Deixo-me acontecer.
Renuncio a ter um significado, e então o doce e doloroso quebranto me toma. Formas redondas e redondas se entrecruzam no ar.
Bem
Há boas ações que se praticam porque
não foi possível deixar de praticá-las.
( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
Cão
O fato do cão ser fiel ao homem não quer dizer
que ele aprove as ações do dono.
( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
Cão
Rendo homenagem ao cão; ele late melhor do que eu.
( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais. Então eu não digo nada, aparentemente submissa. Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã. Domingo de manhã também é a rosa da semana. Não é propriamente rosa que eu quero dizer.
Dei gritos de dor, e de cólera, pois a dor parece uma ofensa à nossa integridade física. Mas não fui tola. Aproveitei a dor e dei gritos pelo passado e pelo presente. Até pelo futuro gritei, meu Deus.
Banqueiro
O banqueiro ignora que tem dinheiro suficiente
para fechar o banco e começar vida nova.
Mas as palavras que uma pessoa pronunciava quando estava embriagada era como se estivesse prenhe – palavras apenas na boca, que pouco tinham a ver com o centro secreto que era como uma gravidez.
Eu, que fabrico o futuro como uma aranha diligente. E o melhor de mim é quando nada sei e fabrico não sei o quê.
Sou espiga e o grão que retornam à terra.
Minha pena (esferográfica) é a enxada que vai cavando,
é o arado milenário que sulca.
Meus versos têm relances de enxada, gume de foice
e o peso do machado.
Cheiro de currais e gosto de terra.
Cada coisa tem o seu lugar. Que o digam as pirâmides do Egito.
O bule de chá tão esguio, elegante e cheio de graça. Sim, mas tudo isso num instante passa, e o que fica é um bule velho e um pouquinho lascado, objeto ordinário.
Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã.
(extraído do livro em PDF: JOSE (trecho de “O LUTADOR”)
Não morres satisfeito.
A vida te viveu
Sem que vivesses nela.
E não te convenceu
Nem deu qualquer motivo
Para haver o ser vivo.
A vida te venceu
Em luta desigual.
Era todo o passado
Presente presidente
Na polpa do futuro
Acuando-te no beco.
Se morres derrotado,
Não morres conformado.
Nem morres informado
Dos termos da sentença
Da tua morte, lida
Antes de redigida.
Deram-te um defensor
Cego surdo estrangeiro
Que ora metia medo
Ora extorquia amor.
Nem sabes se és culpado
De não ter culpa. Sabes
Que morre todo o tempo
No ensaiar errado
Que vai a cada instante
Desensinado a morte
Quanto mais a soletras,
Sem que, nascido, mores
Onde, vivendo, morres.