Poetas Brasileiros
Nós, latino-americanos
Somos todos irmãos
mas não porque tenhamos
a mesma mãe e o mesmo pai:
temos é o mesmo parceiro
que nos trai. Somos todos irmãos
não porque dividamos
o mesmo teto e a mesma mesa:
divisamos a mesma espada
sobre nossa cabeça.
Somos todos irmãos
não porque tenhamos
o mesmo braço, o mesmo sobrenome:
temos um mesmo trajeto
de sanha e fome. Somos todos irmãos
não porque seja o mesmo sangue
que no corpo levamos:
o que é o mesmo é o modo
como o derramamos.
O Peru
Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!
O Peru foi a passeio
Pensando que era pavão
Tico-tico riu-se tanto
Que morreu de congestão.
O Peru dança de roda
Numa roda de carvão
Quando acaba fica tonto
De quase cair no chão.
O Peru se viu um dia
Nas águas do ribeirão
Foi-se olhando foi dizendo
Que beleza de pavão!
Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!
Mundo vasto mundo, meu coração não é maior que o mundo. Nele nem cabem as minhas dores. O vasto mundo, o vasto e triste coração.
Amo tuas imperfeições e maravilhas,
amo-as com gratidão, pena e raiva intercadentes.
Ele disse: não chore que chorar enfraquece. Eu disse: mas às vezes é como a chuva de que se precisa quando tem estiagem demais e tudo fica muito seco.
Vigília das Mães
Nossos filhos viajam pelos caminhos da vida,
pelas águas salgadas de muito longe,
pelas florestas que escondem os dias,
pelo céu, pelas cidades, por dentro do mundo escuro
de seus próprios silêncios.
Nossos filhos não mandam mensagens de onde se encontram.
Este vento que passa pode dar-lhes a morte.
A vaga pode levá-los para o reino do oceano.
Podem estar caindo em pedaços, como estrelas.
Podem estar sendo despedaçados em amor e lágrima.
Nossos filhos têm outro idioma, outros olhos, outra alma.
Não sabem ainda os caminhos de voltar, somente os de ir.
Eles vão para seus horizontes, sem memória ou saudade,
não querem prisão, atraso, adeuses:
deixam-se apenas gostar, apressados e inquietos.
Nossos filhos passaram por nós, mas não são nossos,
querem ir sozinhos, e não sabemos por onde andam.
Não sabemos quando morrem, quando riem,
são pássaros sem residência nem família
à superfície da vida.
Nós estamos aqui, nesta vigília inexplicável,
esperando o que não vem, o rosto que já não conhecemos.
Nossos filhos estão onde não vemos nem sabemos.
Nós somos as doloridas do mal que talvez não sofram,
mas suas alegrias não chegam nunca à solidão de que vivemos,
seu único presente, abundante e sem fim.
Amizade
Como as plantas, a amizade não deve
ser muito nem pouco regada.
Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.
Não te abras com teu amigo Que ele tem um outro amigo tem e o amigo doteu amigo possui amigos também...
"O vento é o mesmo: mas sua resposta é diferente, em cada folha. Somente a árvore seca fica imóvel, entre borboletas e pássaros."
(do poema "O Vento, do livro "Mar Absoluto".)
Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço: sábado ao vento é a rosa da semana. Sábado de manhã é quintal, uma abelha esvoaça, e o vento: uma picada de abelha, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas. Nos quintais da infância no sábado é que as formigas subiam em fila pela pedra. Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia carne-seca e pirão: era sábado de tarde e nós já tínhamos tomado banho. Às duas da tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: e ao vento sábado era a rosa de nossa insípida semana. Se chovia, só eu sabia que era sábado: uma rosa molhada, não? No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana exausta vai morrer, ela com grande esforço metálico se abre em rosa: na Avenida Atlântica o carro freia de súbito com estridência e, de súbito, antes do vento espantado poder recomeçar, sinto que é sábado de tarde. Tem sido sábado mas já não é o mesmo. Então eu não digo nada, aparentemente submissa: mas na verdade já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã. Domingo de manhã também é a rosa da semana. Embora sábado seja muito mais. Nunca vou saber por quê.
Quando eu era pequeno pensava que de um momento para outro eu cairia para fora do mundo.
Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse — eu te amo —, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam.
Acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética afetuosa e participante.
e vá alguém saber
quanta coisa se fala numa cidade
quantas vozes
resvalam por esse intrincado labirinto
de paredes e quartos e saguões,
de banheiros, de pátios, de quintais
vozes
entre muros e plantas,
risos
que duram um segundo e se apagam
Evite tudo o que despertar os seus piores. Contemple a natureza e se contemple. O melhor da vida está nesses dois lugares.
Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora. Estritamente reservadas para companheiros de confiança, devem ser sacramente pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança.
A bênção, Bahia
Olorô, Bahia
Nós viemos pedir sua bênção, saravá!
Hepa hê, meu guia
Nós viemos dormir no colinho de lemanjá!
Nanã Borokô fazer um Bulandê
Efó, caruru e aluá
Pimenta bastante pra fazer sofrer
Bastante mulata para amar
Fazer juntó
Meu guia, hê
Seu guia, hê
Bahia!
Saravá, senhora
Nossa mãe foi-se embora pra sempre do Afojá
A rainha agora
É Oxum, é a mãe Menininha do Gantois
Pedir à mãe Olga do Alakêto, hê
Chamar Inhansã para dançar
Xangô, rei Xangô, Kabueci-elê
Meu pai! Oxalá, hepa babá!
A bênção, mãe
Senhora mãe
Menina mãe
Rainha!
Olorô, Bahia
Nós viemos pedir sua bênção, saravá!
Hepa hê, meu guia
Nós viemos dormir no colinho de lemanjá!
É sempre nos meus pulos o limite
É sempre nos meus lábios a estampilha
É sempre no meu não aquele trauma.