Poetas Brasileiros
Para ela a realidade era demais para ser acreditada.
Nós dois sabemos que estamos à soleira de uma porta aberta a uma vida nova. É a porta, Lóri. E sabemos que só a morte de um de nós há de nos separar. Não, Lóri, não vai ser uma vida fácil. Mas é uma vida nova.
Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará.
Eu queria que no meu modo de te fixar para mim mesmo nada tivesse recortes e definições: tudo se entremoveria num moto circular.
Há uma hora em que se deve esquecer a própria compreensão humana e tomar um partido, mesmo errado, pela vítima, e um partido, mesmo errado, contra o inimigo. E tornar-se primário a ponto de dividir as pessoas em boas e más. A hora da sobrevivência é aquela em que a crueldade de quem é vítima é permitida, a crueldade e a revolta.
ESPELHO CEGO
Onde a face de prata e cristal puro,
e aquela deslumbrante exatidão
que revela o mais breve aceno obscuro
e o compasso das lágrimas, e a seta
que de repente galga os céus do olhar
e em margens sobre-humanas se projeta?
Onde as auroras? Onde, os labirintos,
- e o frêmito, que rasga o peso ao mar,
- e as grutas, de áureos lustres e aéreos plintos?
Ah, - que fazes do rosto que te entrego?
- Musgos imóveis sobre a sua luz...
Limos...Liquens - Opaco espelho cego!
A maioria das coisas "impossíveis" são impossíveis apenas porque não foram tentadas.
Sentia que "podia".
A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia.
Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.
Embora às vezes grite: não quero mais ser eu!! mas eu me grudo a mim e inextricavelmente forma-se uma tessitura de vida.
Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada.
Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.
(...) tem toda a iluminação feérica – e ao mesmo tempo que se habitua lenta e muda e majestosa e delicadíssima e fatal – em ser mulher – é modesta demais para sê-lo, é fugaz demais para ser definida. Ela me contou que na rua dirigiu-se a um guarda – e explicou que assim fez porque ele devia saber das coisas e ainda por cima estava armado, o que infunde respeito a ela. Falou assim para o guarda: o senhor pode me informar, por obséquio, quando começa a primavera?
Só agora eu percebia que antes vivera dentro de um cubo.
O que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.
Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade.
É bom. Sobretudo porque a mulher sabe que está sendo bom para ele: é depois de grandes jornadas e de grandes lutas que ele enfim compreende que precisa se ajoelhar diante da mulher. E, depois, é bom porque a cabeça do homem fica perto dos joelhos da mulher e perto de suas mãos, no seu colo, que é sua parte mais quente. E ela pode fazer o seu melhor gesto: nas mãos, que ficam a um tempo frementes e firmes, pegar aquela cabeça cansada que é fruto entre seu e dela.
A vida é mais longa do que a fazemos. Cada instante conta.