Poetas Brasileiros

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Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

ÁRIA PARA ASSOVIO

Inelutavelmente tu
Rosa sobre o passeio
Branca! e a melancolia
Na tarde do seio.

As cássias escorrem
Seu ouro a teus pés
Conheço o soneto
Porém tu quem és?

O madrigal se escreve:
Se é do teu costume
Deixa que eu te leve.

(Sê... mínima e breve
A música do perfume
Não guarda ciúme).

Verdadeiro amor

(...) vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica "Precisa-se".

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Vou fazer um pedido para vocês: todas as vezes que vocês sentirem solitários, isto é, sozinhos, procurem uma pessoa para conversar. Escolham uma pessoa grande que seja muito boa para crianças e que entenda que às vezes um menino ou uma menina estão sofrendo.

Clarice Lispector
A mulher que matou os peixes. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Pelo menos o futuro tinha a vantagem de não ser o presente, sempre há um melhor para o ruim.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Sou mais aquilo que em mim não é.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Eu sempre espero alguma coisa nova de mim, eu sou um frisson de espera – algo está sempre vindo de mim ou de fora de mim.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

E ela abria-me os braços. E eu ficava.

A. impossibilidade de participar de todas as combinações em desenvolvimento a qualquer instante numa grande cidade tem sido uma das dores de minha vida. Sofro como se sentisse em mim, como se houvesse em mim uma capacidade desmesurada de agir. Entretanto, na parte de ação que a vida me reserva, muitas vezes me abstenho e outras me confundo. […] A ideia de que diariamente, a cada hora, a cada minuto e em cada lugar se realizam milhares de ações que me teriam profundamente interessado, de que eu certamente deveria tomar conhecimento e que entretanto jamais me serão comunicadas — basta para tirar o sabor a todas as perspectivas de ação que encontro à minha frente. O pouco que eu pudesse obter não compensaria jamais esse infinito perdido. Nem me consola o pensamento de que, entrando na confrontação simultânea de tantos acontecimentos, eu não pudesse sequer registrá-los, quanto mais dirigi-los à minha maneira ou mesmo tomar de cada um o aspecto singular, o tom e o desenho próprios, uma porção, mínima que fosse, de sua peculiar substância.

Eu nasci amalgamada com a solidão deste exato instante e que se prolonga tanto, e tão funda é, que já não é minha solidão mas a Solidão de Deus. Alcancei afinal o momento em que nada existe. Nem um carinho de mim para mim: a solidão é esta a do deserto. O vento como companhia. Ah mas que frio escuro está fazendo. Cubro-me com a melancolia suave, e balanço-me daqui para lá, daqui para lá, daqui para lá. Assim. É! É assim mesmo.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

BERCEUSE PARA QUEM MORRE

Dorme... Dorme... Rolam pelas
vertentes
das montanhas, as estrelas
cadentes...

Meu amor, a noite mansa
dança,dança
no silêncio do Jardim...
Lento, um cipreste balança...
Tu, descansa,
meu amor, perto de mim...

Dorme, dorme como as rosas
noturnas,
quando há trevas perigosas
de furnas...

Meu amor, não se descreve
esta neve
que dos céus descendo vem...
É um beijo breve... O mais breve...
O mais leve...
Que não se deu em ninguém...

Dorme... O luar se espalha triste
na altura...
Quem sabe, é, tudo que existe,
loucura?

DAS MINHAS MÃOS, QUE SÃO TÃO FIRMES

Das minhas mãos, que são tão firmes,
cai-me o espelho, que era tão claro,
e à meia-noite se divide,
com meus olhos cheios de teatro.

Nas grandes sedas do vestido,
ficam meditando meus braços.
E de longe correm antigos
pássaros cheios de presságios.

Há um cristal de sonho e de lua
cobrindo com serenidade
as adormecidas criaturas.

Uma mulher no alto da noite
pensa que é solidão, que é tarde,
e que o cristal levou seu rosto.

OS MORTOS SOBEM AS ESCADAS

Os mortos sobem as escadas,
sorrindo com seus claros dentes.
Alegrias que nunca tiveram
quando eram vivos e presentes,
felicidades que apenas sonharam
e foram lágrimas somente.

Os mortos sobem as escadas:
inesperados visitantes
vindos dos reinos sem fronteiras
às nossas casas, dessemelhantes.
Ai, bem se vê que não estão vendo
que um vivo é um morto mais distante!

Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.
Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!

Manuel Bandeira

Nota: Trecho do poema "Meu Quintana"

Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Será horrível demais querer se aproximar dentro de si mesmo do límpido eu? Sim, e é quando o eu passa a não existir mais, a não reivindicar nada, passa a fazer parte da árvore da vida – é por isso que luto por alcançar. Esquecer-se de si mesmo e no entanto viver tão intensamente.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

A perfeição

O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. Apesar da verdade ser exata e clara em si própria, quando chega até nós se torna vaga pois é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.
(A descoberta do mundo)

Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o. amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar.
(Um sopro de vida)

Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? É dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. (...) Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Ao correr da máquina.

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Eles pareciam saber que quando o amor era grande demais e quando um não podia viver sem o outro, esse amor não era mais aplicável: nem a pessoa amada tinha a capacidade de receber tanto. Lóri estava perplexa ao notar que mesmo no amor tinha-se que ter bom senso e senso de medida. Por um instante, como se tivessem combinado, ele beijou sua mão, humanizando-se. Pois havia o perigo de, por assim dizer, morrer de amor.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.