Poesias pequenas de Fernando Pessoa
Quando te vi, amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há coisa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que não o fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro.
Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta;
Ter é tardar.
Saudades, só portugueses
Conseguem senti-las bem
Porque têm essa palavra
Para dizer que as têm.
Estou só e sonho saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!
Cada um é muita gente.
Para mim sou quem me penso,
Para outros - cada um sente
O que julga, e é um erro imenso.
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência,
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo.
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
Nota: Trecho adaptado de poema do livro "Novas Poesias Inéditas", de Fernando Pessoa (ortónimo).
...MaisSonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido,
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido
Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido!
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...
Que é feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,
Dormir a sorrir
E seja isto o fim.
Ah, a Esta Alma Que Não Arde
AH, a esta alma que não arde .
Não envolve, porque ama,
A esperança, ainda que vã,
O esquecimento que vive
Entre o orvalho da tarde.
E o orvalho da manhã
A recordação é uma traição à natureza,
Porque a natureza de ontem não é natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Se um homem escreve bem só quando está bêbado, dir-lhe-ei: embebede-se. E se ele me disser que o seu fígado sofre com isso respondo: o que é o seu fígado? É uma coisa morta que vive enquanto você vive, e os poemas que escrever vivem sem enquanto.
Bernardo Soares
Mas quem sente muito cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma, nem fala
Fica só, inteiramente
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada
Ah, a Esta Alma Que Não Arde
"AH, a esta alma que não arde .
Não envolve, porque ama,
A esperança, ainda que vã,
O esquecimento que vive
Entre o orvalho da tarde.
E o orvalho da manhã
Já não me importo
Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.
Nada me resta
Nota: Trecho de poema do livro "Novas poesias inéditas", de Fernando Pessoa.
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!