Poesias de Ferreira Gullar
Não posso defender um regime [o cubano] sob o qual eu não gostaria de viver. Não posso admirar um país do qual eu não possa sair na hora que quiser. Não dá para defender um regime em que não se possa publicar um livro sem pedir permissão ao governo. Apesar disso, há uma porção de intelectuais brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não querem viver lá de jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que estavam erradas, que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu certo.
A natureza é injusta. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce atlético, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós.
Os homens, embora sejam iguais em direito, não o são em qualidades. [...] Se a sociedade não pode ser completamente justa, pode ser menos desigual. A solução para vivermos juntos é sermos tolerante a opiniões diferentes das nossas.
Apesar disso, há uma porção de intelectuais brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não querem viver lá de jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que estavam erradas, que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu certo.
Não acho que o capitalismo seja justo. O capitalismo é uma fatalidade, não tem saída. Ele produz desigualdade e exploração. ( ) A capacidade criativa do capitalismo é fundamental para a sociedade se desenvolver, para a solução da desigualdade, porque é só a produção da riqueza que resolve isso. A função do estado é impedir que o capitalismo leve a exploração ao nível que ele quer levar.
O capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da necessidade real da sociedade e dos instintos do ser humano. Por isso ele é invencível. A força que torna o capitalismo invencível vem dessa origem natural indiscutível. Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas inventando maneiras novas de ganhar dinheiro. É óbvio que um governo central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento.
É estranho sentir a perda do que nunca será perdido, os escritos de um poeta a atitude de um amigo Ferreira Gullar
Hélio Ramos de Oliveira
Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem. Traduzir-se uma parte na outra parte - que é uma questão de vida ou morte - Será arte?
"A arte existe porque a vida não basta"
verso citado como sendo de Ferreira Gullar e nunca o foi. Ele é que o dizia, sem falar o nome do autor que sou eu. Na forma original o verso é:
"não que a poesia seja arte:
é a vida que não basta".
Jamais o autor foi Ferreira Gullar; são versos finais de meu poema "Zeugma" . Primeiramente publicado à página 13 em "ANTO- Revista Semestgral de Cultura" nº 3, primavera, 1998, Amarante, Portugal. Revista subsidiada por Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, Ministério da Cultura, Câmara Municipal de Amarante. Esse n} 3 da revista "ANTO" é uma antologia de poetas brasileiros, em que Ferreira Gullar está presente e eu também.
Peço, por favor, retirar essa indicação errônea de autoria. Será que terei de ajuizar ação para defender meus direitos autorais? Várias pessoas ouviram Gullar dizer esses versos, mas ele jamais os publicou e assinou, porque não são seus.
MUITAS VOZES (HOMENAGEM FERREIRA GULLAR)
Que vozes são essas?
Que até no silencio fala comigo?
Procuro dizer sem saber
O sentimento fala em meu ser
Dos poemas lidos
Dos amores esquecidos
Dos amigos perdidos
A voz presa na garganta
São manifestos?
São esperanças?
As vozes são tudo que carregamos
Do pai
Da mãe
De anos
O tom que temos
O tom que sabemos
É herança do que já esquecemos
Muitas vozes ao mesmo tempo falando
Eu aqui em silencio
Apenas observando
A FERREIRA GULLAR
– “In memoriam”
Em seu olhar aprofundado,
um deserto e uma esperança.
Nos poemas, as palavras
transformadas em ordem e justiça.
— Relíquias de sentimentos
embaralhadas ao coração,
que interpretadas nos revelaram a paz,
nos revelaram o amor .
Sobre os caminhos da cidade, versos de Ferreira Gullar dançam,
Onde o Ribeirão acolhe minhas lavagens,
Na Rua da Estrela, a poesia se desenha, se lança.
No Beco do Precipício, escorrego na trama,
Mergulho na Fonte do Bispo, onde o tempo se desfaz,
Na Rua do Sol, o brilho cega, na Paz me revolto, sem paz.
Entre Hortas e Prazeres, floresço e soluço, mistério que se desata,
Na Rua do Alecrim, meu perfume sutil se espalha,
Na Saúde, adoeço, na do Desterro, encontro-me, busca que nunca falha.
A Rua da Alegria, um labirinto onde me perco, e na Aurora, adormeço,
Na Rua do Carmo, ecoa meu berro, na Direita, desvios que percorro,
Ferreira Gullar, em Poema Sujo, na teia das palavras, teço.
Extravio
Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?
Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.
Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.
Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.
Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.
Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.
Redundâncias
Ter medo da morte
é coisa dos vivos
o morto está livre
de tudo o que é vida.
Ter apego ao mundo
é coisa dos vivos
para o morto não há
(não houve)
raios rios risos.
E ninguém viver a morte
quer morto quer vivo
mera noção que existe
só enquanto existo.
"[...] toda sociedade é, por definição, conservadora, uma vez que, sem princípios e valores estabelecidos, seria impossível o convívio social.
Uma comunidade cujos princípios e normas mudassem a cada dia seria caótica e, por isso mesmo, inviável."
Os mortos
os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias
Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça
Entrevista com Ferreira Gulllar:
Veja: O senhor já disse que “se bacharelou em subversão” em Moscou e escreveu um poema em que a moça era “quase tão bonita quanto a revolução cubana”. Como se deu sua desilusão com a utopia comunista?
F.Gullar: Não houve nenhum fato determinado. Nenhuma decepção específica. Foi uma questão de reflexão, de experiência de vida, de as coisas irem acontecendo, não só comigo, mas no contexto internacional. É fato que as coisas mudaram. O socialismo fracassou. Quando o Muro de Berlim caiu, minha visão já era bastante crítica. A derrocada do socialismo não se deu ao cabo de alguma grande guerra. O fracasso do sistema foi interno. Voltei a Moscou há alguns anos. O túmulo do Lenin está ali na Praça Vermelha, mas pelo resto da cidade só se veem anúncios da Coca-Cola. Não tenho dúvida nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem no contrário. Se o socialismo entrou em colapso quando ainda tinha a União Soviética como segunda força econômica e militar do mundo, não vai ser agora que esse sistema vai vencer.
Não dá para defender um regime (*) em que não se possa publicar um livro sem pedir permissão ao governo.
(*) cubano
Reencontro
Estou rodeado de mortes.
Defuntos caminham comigo na saída do cinema.
São muitos,
sinto a presença ativa das magnólias
queimando em seu próprio aroma.
Os mortos acomodam-se a meu lado
como numa fotografia.
Ajeitam o paletó, a gola da blusa
e parecem alegres.
São gente amiga
com saudade de mim
(suponho)
e que voltam de momentos intensamente vividos.
Tentam falar e falta-lhes a voz,
tentam abraçar-me
e os braços se diluem no abraço.
Fitam-me nos olhos cheios de afeto.
Ah quanto tempo perdemos,
quanta desnecessária discórdia,
penso pensar.
É isto que me parecem dizer seus esplendentes rostos neste entardecer de janeiro.
E são coisas vivas as palavras
e vibram da alegria do corpo que as gritou
têm mesmo o seu perfume, o gosto
da carne
que nunca se entrega realmente
nem na cama
senão a si própria
à sua própria vertigem.