Poesias de Rubem Alves
“Não vou aceitar o brinde porque não há brindes. O peixe, ao olhar para a isca, pensa: ‘Oh! Um brinde do pescador...’. Quando eu era jovem, tentei ganhar a vida como vendedor de livros. Fracassei, mas aprendi a sedução dos brindes. Não vou aceitar o brinde porque sei aonde ele me levará: serei fisgado pelo anzol e ficarei odiando você e eu mesmo pelo brinde, nas inúmeras prestações que terei de pagar. Falo isso por experiência própria.”
Brinquei com ela: “Você está ganhando a sua vida e enganando a vida dos outros. Mas não se envergonhe. Todo mundo engana. A vida é feita de enganos. Os políticos enganam. Os líderes religiosos enganam. A propaganda, na sua totalidade, é feita de enganos: lançam a isca para que as pessoas – peixes - abocanhem o anzol... Mas tenho de louvar a sabedoria psicanalítica dos enganadores. Não é possível pescar usando como isca um pedaço de ferro. Só é isca aquilo que a pessoa deseja. Peixe deseja minhoca... A internet está cheia de iscas.
O que o homem deseja é que a mulher, esvaziada de tanto prazer – pois o prazer não esvazia? – olhe para ele e diga: ‘Como é bom que você exista’... Como disse o Nando, do Quarup: ‘Nós nascemos para sermos adorados como deuses...’. Esse é o nosso desejo. Por isso abocanhamos a isca e somos fisgados...'
Como são desajeitados os seres humanos quando comparados com os animais! Veja, por exemplo, os macacos. Sem nenhum treinamento especial, eles tirariam medalhas de ouro na ginástica olímpica. E os saltos das pulgas e dos gafanhotos! Já prestou atenção na velocidade das formigas? Mais velozes a pé, proporcionalmente, que os bólidos de Fórmula Um! O voo dos urubus, os buracos dos tatus, as teias das aranhas, as conchas dos moluscos, a língua saltadora dos sapos, o veneno das taturanas, os dentes dos castores...
'A alma é uma coleção de belos quadros adormecidos. Sua beleza é triste e nostálgica porque, sendo moradores da alma, os sonhos, eles não existem do lado de fora. Vez ou outra, entretanto, defrontamo-nos com um rosto (ou será apenas uma voz? ou uma maneira de olhar? ) que, sem razões, faz a bela cena acordar.
Nossa tradição filosófica fez seus sérios esforços no sentido de demonstrar que o homem é um ser racional, ser de pensamento. Mas as produções culturais que saem de suas mãos sugerem, ao contrário, que o homem é um ser de desejo. Desejo é sintoma de privação de ausência.
A existência da água e do ar, a alternância entre o dia e a noite, a composição do ácido sulfúrico e o ponto de congelamento da água em nada dependem da vontade do homem. Ainda que ele nunca tivesse existido, a natureza estaria aí, passando muito bem, talvez melhor...
Este mundo ignora os elementos espirituais. Salários e preços não são estabelecidos nem pela religião e nem pela ética.
A riqueza se constrói por meio de uma lógica duramente material: a lógica do lucro, que não conhece a compaixão.
A religião é nada mais que o sol ilusório que gira em torno do homem, na medida em que ele não gira em torno de si mesmo.
No silêncio das crianças há um programa de vida: sonhos. É dos sonhos que nasce a inteligência. A inteligência é a ferramenta que o corpo usa para transformar os seus sonhos em realidade. É preciso escutar para que a inteligência desabroche.
Acredito mesmo é na oração em que a gente fica quieto para ouvir a voz que se faz ouvir no meio do silêncio.
O poder das palavras não está nelas mesmas. Está no jeito com as lemos. Tarefa difícil, que devemos aprender. É preciso ler com todo o corpo, não só com os olhos do intelecto.
Pessoas que fizeram do ato de engolir sapos um hábito acabam por ficam parecidas com eles: andam aos pulos, sempre rente ao chão e coaxam monotonamente.
Achamos que a vida é uma sonata que começa com o nascimento e deve terminar com a velhice. Mas isso está errado. Vivemos no tempo, é bem verdade. Mas é a eternidade que dá sentido à vida.
Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade.
Problemas, sofrimentos, frustrações são partes da vida. Não é possível evitá-los. Mas é possível sofrê-los com sabedoria.
Quem é sábio sofre pelas razões justas e, por isso mesmo, sofre com tranquilidade. A sabedoria nos traz paz de espírito. Que é aquilo que mais o coração deseja.
Lembrar-se do passado é triste-alegre... Alegre porque houve beleza de que nos lembramos. Triste porque a beleza é apenas lembrança...
Os poetas são aqueles que, em meio a dez mil coisas que nos distraem, são capazes de ver o essencial e chamá-lo pelo nome.